ihu - O mundo recebeu recentemente de Francisco algumas declarações infalíveis.
Ele mudou para sempre a conversação católica. Nós nunca poderemos
voltar atrás completamente. Ninguém jamais pode dizer que um papa
legitimamente eleito, com tudo o que isso implica na mente de alguém,
não disse as coisas que Francisco disse na entrevista publicada na
quinta-feira, 19 de setembro.
A opinião é do frei franciscano norte-americano Richard Rohr, diretor fundador do Center for Action and Contemplation, em Albuquerque, Estados Unidos. O artigo foi publicado no sítio National Catholic Reporter, 24-09-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
"A pessoa mais importante nunca pode estar errada". Eu me lembro de
ter ficado totalmente chocado, insultado e em total desacordo quando
ouvi pela primeira vez essa afirmação de um consultor organizacional
anos atrás. Somente depois que eu lhe pedi para explicá-la é que eu
finalmente fui forçado a ceder e a concordar relutantemente.
Por essa afirmação, os especialistas em governança querem dizer que,
quando o diretor-executivo, o fundador ou o presidente de qualquer grupo
faz qualquer declaração ou ação públicas, ela deve ser tratada como
tal. Ela se sustenta, e o fardo de refutação fica em outro lugar. Ela
agora é um dado que deve ser respondido, refinado, mudado ou provado
como errado. Nunca pode ser simplesmente descartada como se não tivesse
acontecido.
Se você tentar, você estará sendo muito ingênuo, mesmo que isso faça
você se sentir forte e mesmo que você esteja finalmente certo. Mesmo o
seu grito "Ele/a está errado/a!" deve ser sustentado por argumentos e
ações superiores de sua parte. Nesse sentido válido, a pessoa mais
importante nunca está "errada". Elas ainda determinam a agenda, mesmo
forçando-nos a lutar contra ela.
No meu mundo secreto, eu sempre fui convencido de que esse é o único sentido útil à infalibilidade papal. Nesse sentido, o Concílio Vaticano I estava totalmente certo, e nesse sentido o Papa Francisco certamente é infalível.
Eu começo com essas ideias talvez controversas porque eu acho que o mundo recebeu recentemente de Francisco
algumas declarações infalíveis. Ele mudou para sempre a conversação
católica. Nós nunca poderemos voltar atrás completamente. Ninguém jamais
pode dizer que um papa legitimamente eleito, com tudo o que isso
implica na mente de alguém, não disse as coisas que Francisco disse na entrevista
publicada na quinta-feira, 19 de setembro. Elas serão citadas por um
longo tempo ainda. Agora elas fazem parte dos dados oficiais, como os
próprios Evangelhos, e devem ser levadas em consideração.
Ele fez isso não tanto em termos de asserções doutrinais ou morais,
mas simplesmente em termos de uma mudança radical de estilo, de
personalidade e de ênfase, que, ironicamente, tem um enorme substância.
Pela primeira vez, temos um papa falando pessoalmente, honestamente,
pastoralmente, sem ser meticuloso e detalhista. Um papa sendo
vulnerável! Alguém já ouviu falar disso antes? Será que a história já
permitiu isso alguma vez? Pelo registro histórico, talvez só quando o Papa Pedro disse: "Afasta-te de mim, Senhor, porque eu sou um homem pecador" (Lucas 5, 8).
Quando ouvimos uma fala tão sincera de um vigário de Pedro – que parece ser como Francisco
quer ser conhecido e deve ser conhecido? Como você pode falar de tu a
tu e de uma forma humilde quando lhe dizem que você é o próprio "vigário
de Cristo"? Esse é um fardo que apenas o corpo inteiro
de Cristo pode carregar, e de alguma forma todos os cristãos também
devem carregar. Até o próprio Jesus é considerado apenas a "cabeça" do
corpo (Efésios 5, 23), e não o corpo todo, mas o papa
ultrapassou o próprio Cristo em ter que ser o vigário pleno de Cristo.
Essa é uma arrogância com a qual nenhum indivíduo pode conviver, mas
eles tinham que fingir e tentar. Eu não os odeio por isso; eles estavam
meramente seguindo o impossível script que nós lhes demos.
A própria maneira de Francisco falar é não papal e
assustador para qualquer um que sinta que um papa lhes deve respostas
absolutas e certeza perfeita sobre tudo – e eles têm um direito absoluto
a essas respostas absolutas. Agora, nós temos um papa que sabe o seu
papel: ser um pastor, um amigo, um companheiro de jornada e um cirurgião
no "hospital de campanha depois de uma batalha".
Francisco vai ainda mais longe ao dizer: "Se alguém
tem a resposta a todas as perguntas, essa é a prova de que Deus não está
com ela. Quer dizer que é um falso profeta, que usa a religião para si
próprio".
Irmãos e irmãs da Igreja, devemos saber que nesse tipo de ensino
Francisco está nos fazendo retornar, depois de séculos de "tomismo
decadente" e de racionalismo pós-iluminista, ao gênio bíblico que nós
chamamos de fé, que ainda é o nosso grande dom ao mundo. A fé madura
sempre será um equilíbrio de saber com não saber, de dizer com uma
incapacidade de dizer, de certeza profunda combinada com uma humildade
igualmente profunda, tolerância e paciência.
No entanto, Francisco vai mais longe: "O risco em
procurar e encontrar Deus em todas as coisas é, portanto, a vontade de
explicar demais, de dizer com certeza humana e arrogância: 'Deus está
aqui'. Encontraremos somente um deus à nossa medida. A atitude correta é
a agostiniana: procurar Deus para encontrá-Lo, e encontrá-Lo para
procurá-lo sempre".
Francisco, de fato, é um verdadeiro tradicionalista
nos ensinando não novas doutrinas ou moralidades, mas sim uma nova forma
de saber que é profundamente formado pelo Evangelho. Até agora, o
catolicismo enfatizou amplamente a metafísica ("o que nós pensamos que
sabemos") e negligenciou severamente a epistemologia ("exatamente como
nós sabemos o que pensamos que sabemos?").
Francisco não está nos dizendo tanto o que ver (o
que as nossas mentes dualistas irão meramente lutar e resistir), mas sim
ensinando-nos a como ver e em que prestar atenção. De alguma forma, ele
está nos dizendo que a visão da verdade é, primeiro, ver através dos
olhos do amor e da misericórdia. E isso é o próprio cristianismo.
Francisco se tornou um convite vivo e feliz a toda a
humanidade, até mesmo além dos limites muito apertados do cristianismo,
em vez de um segurança exclusivista que fica junto às portas sempre
abertas do céu. Nisso apenas ele mudou o papado – talvez para sempre.
Vai ser muito difícil voltar atrás completamente de novo.
Sim, é verdade, a pessoa mais importante nunca pode estar errada. O papa, de alguma forma, ainda é infalível.
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