domingo, 6 de outubro de 2013

Existem muitas pessoas em segunda união muito mais santas que pessoas que comungam diariamente

Pe. Hélio Luciano responde a várias questões sobre fé e Igreja

Por Thácio Lincon Soares de Siqueira

BRASíLIA, 03 de Outubro de 2013 (Zenit.org) - Ultimamente a edição portuguesa de ZENIT tem recebido várias perguntas que abrangem os mais variados temas de fé e de Igreja. 
Para respondê-las pedimos ajuda ao Pe. Hélio Luciano, mestre em bioética pela Universidade de Navarra, mestre em Teologia Moral pela Pontificia Universidade Santa Cruz em Roma e membro da comissão de bioética da CNBB, que se dispôs com muito carinho a responder as perguntas selecionadas.
Publicamos a primeira parte sexta-feira, 27 de Setembro. A segunda parte no dia 30 de Setembro e abaixo publicamos a terceira e última parte. 
Acompanhe abaixo as perguntas sobre o Papa Francisco e a Teologia da Libertação, e sobre os casamentos de segunda união.
***

ZENIT: É verdade que o Papa Francisco, chamou o Leonardo Boff para uma conversa porque concorda com a teologia da libertação e tem a mesma opção pelos pobres?

Pe. Hélio: Na verdade, em relação ao convite do Santo Padre a Leonardo Boff, pouco podemos saber se são verdades ou bravatas. Ao mesmo tempo, não haveria nenhum problema em tal convite. A Igreja nunca se fecha ao diálogo e é importante conversar com todos – o Papa Bento teve um célebre diálogo com Hans Küng, um grande crítico da Igreja. 
Quem se fechou ao diálogo nos últimos anos foi o próprio Leonardo Boff – praticamente demonizando o Papa Bento. A abertura a este diálogo seria benéfica tanto à Igreja como ao próprio Boff, mas não significaria uma mera concordância, mas sim uma abertura ao diálogo.
Do mesmo modo, não podemos demonizar a teologia da libertação em si mesma. Os aspectos positivos e negativos foram ressaltados nos dois documentos da Igreja – um de 1984 e outro de 1986 – sobre o tema. Suponho que a teologia da libertação que trabalhe dentro de tais limites e sem se tornar discurso ideológico, pode enriquecer a teologia.

ZENIT: É verdade que as normas da igreja proíbem os padres de confessar às pessoas divorciadas?

Pe. Hélio: Aqui existe um problema pastoral sério e voltamos ao tema do filho pródigo. Há muitos anos não estamos conseguindo dar verdadeira formação àqueles que vão casar – não os evangelizamos desde a infância e depois cremos que com 4 horas de formação para noivos estarão preparados para contrair matrimônio. Isso é burocracia e não mostrar o rosto de Cristo. Depois não acompanhamos as pessoas que se casam – a grande maioria nem frequenta a Missa, pois não conseguimos fazer que entendam a beleza da Eucaristia. A consequência é que o número de separações e divórcios é cada vez maior (351 mil divórcios no Brasil em 2011). A culpa é de quem? Nossa, como Igreja, que não evangelizamos. 
Um número também cada vez maior de pessoas que se separaram ou se divorciaram optam por unir-se novamente, com esperança de que desta vez dê certo. Em primeiro lugar, nosso papel não pode ser de meros juízes, colocando o dedo na ferida. Tais pessoas estão machucadas pela vida e normalmente passaram por situações muito difíceis na união anterior. 
Nosso papel deve ser de acolher, escutar, ajudar, sempre a partir da verdade e evitando extremismos. Acolher no sentido de mostrar a essas pessoas que elas continuam sendo filhas de Deus e que fazem parte da Igreja. Escutar a história de cada uma, tendo misericórdia, ou seja, colocando a dor do outro no nosso próprio coração. Ajudar tentando oferecer a ela o caminho de felicidade proposto por Cristo, não como uma carga na sua vida, mas como o modo de que encontre plenamente sua felicidade. 
Em muitos casos – não todos – o primeiro matrimônio foi nulo, ou seja, nunca aconteceu. São 19 as causas de nulidade e hoje, como muitos casam sem saber o que é verdadeiramente o matrimônio, ou sem assumir os compromissos que derivam do mesmo, temos grande número de casamentos inválidos. É direito do fiel poder recorrer ao Tribunal Eclesiástico para saber se seu matrimônio aconteceu de fato ou não. 
No caso de que o primeiro matrimônio seja válido, devemos deixar claro a situação da pessoa e ajudá-la a que, livremente, encontre-se com Cristo. Os extremismos só prejudicam. Por um lado os rigorismos, de aplicar simplesmente a lei, sem ver a pessoa, só aumentam o sofrimento e excluem as pessoas da Igreja – Jesus Cristo veio para os doentes e não para os sãos. Por outro lado, o laxismo de não ver que existe um problema a ser sanado, também cria nas pessoas conflitos de consciência – ninguém trata um câncer simplesmente dizendo que ele não existe. 
O sacramento do matrimônio, quando válido, dura até a morte de um dos cônjuges. A pessoa em segunda união deve saber que está casada realmente com o seu(ua) primeiro(a) esposo(a). Enquanto permanecer em segunda união – e existem casos que não devemos nem mesmo aconselhar que se dissolva, seja pelo bem dos filhos, seja para evitar que venha a se tornar uma terceira ou quarta união – a pessoa pode comungar da Palavra e fazer comunhões espirituais na Missa, participando de Cristo naquele grau que hoje ela é capaz de alcançar. Mas não pode comungar e nem receber a absolvição, pois ainda não há o claro propósito de emenda.
 Tal situação não significa menor santidade – existem muitas pessoas em segunda união muito mais santas que pessoas que comungam diariamente – nem mesmo exclusão da vida da Igreja (estas pessoas podem e devem participar da vida pastoral da Igreja). Trata-se sim de um processo pessoal de conversão, que pode durar anos e que só Deus e a própria pessoa podem intervir.

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