quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Martinho Lutero: mais católico do que evangélico?


24 de outubro de 2013

Esquecendo as coisas velhas e avançando nas coisas do Espírito

Sou admirador de um dos maiores “católicos” que o mundo já conheceu. Ele foi um monge que ao ler Romanos, compreendeu que a palavra grega comumente traduzida como “penitência” tinha um significado diferente dos costumes religiosos da época.
Entendendo que a tradução certa era “arrependimento,” não “penitência,” ele teve uma caminhada que o conduziu a confrontar seus dilemas interiores e o modo como a religião e a Bíblia viam de modo diferente um mesmo assunto: arrepender-se dos pecados diante de Deus. As confrontações levaram às 95 teses, que denunciavam os abusos cometidos contra a população. Muitos dos abusos envolviam enriquecimento do clero católico à custa de temores religiosos do povo.
As 95 teses causaram a excomunhão do famoso monge agostiniano Martinho Lutero da Igreja Católica. Ao católico excomungado por um papa só restava a morte, pois naqueles tempos de alta temporada da Inquisição o excomungado estava “livre” para ser torturado e morto. 
Graças à bondade providencial de um príncipe alemão, Lutero escapou das garras da Inquisição.Apesar da excomunhão, motivada mais por interesses políticos e econômicos do que propriamente bíblicos, a oposição do Vaticano ao monge tem diminuído. O Papa João Paulo II, durante as comemorações internacionais dos 500 anos de nascimento de Lutero em 1983, disse que Lutero “deu importantes contribuições para a mudança radical na realidade eclesiástica e secular do Ocidente.” Em seguida, o papa visitou uma igreja luterana.
Lutero ficaria espantado com a existência hoje de uma igreja luterana, ou até mesmo com a influência que ele teve no mundo ocidental. Durante toda a sua vida, Lutero se opôs à criação de uma igreja independente. Ele viveu e morreu basicamente como “católico,” apesar da excomunhão.
A Reforma tinha o propósito de reformar a Igreja Católica, não criar uma nova igreja. Esse propósito foi alcançado em muitos sentidos, pois a Igreja Católica, com o passar dos anos, se abriu para muitas das reformas reivindicadas por Lutero e outros. Além disso, em muitos aspectos os reformados nunca deixaram de ser “católicos” — ou na aparência ou na própria essência.
A vasta maioria dos evangélicos do Brasil não veria nada de evangélico em Lutero ao ler os livros que ele escreveu. Em contraste, a maioria dos católicos veria nele um “católico.”

Lutero e os judeus

Lutero carregava características inconfundíveis do catolicismo da época, inclusive uma grande aversão aos judeus e devoção a Maria.
Ao ver o desprezo que ele tinha pelos judeus da época, qualquer católico, do clero ou não, diria: “Ele é um dos nossos!”
Lutero raramente viu um judeu durante sua vida, mas suas atitudes refletiam uma tradição teológica e cultural católica que via os judeus como um povo rejeitado, culpado do assassinato de Cristo, e ele vivia numa comunidade católica local que havia expulsado os judeus uns noventa anos antes. (Mark Edwards. “Luther’s Last Battles.” Ithaca: Cornell University Press, 1983, 121.)
A terrível Inquisição Católica perseguia os judeus exatamente pelos comuns sentimentos católicos antijudeus da época. Até mesmo hoje, esses sentimentos se manifestam pela atitude do Vaticano e da hierarquia católica de não dar a Israel o reconhecimento que a própria Bíblia dá. Enquanto a Bíblia diz que a terra de Israel é herança eterna do povo judeu, a Igreja Católica não reconhece isso. Lutero, como católico, parece também nunca ter reconhecido isso.
Mas há cristãos que colocam a Palavra de Deus acima das tradições do Vaticano e da palavra de Lutero nas questões sobre o direito dos judeus à sua legítima Terra Prometida. 
Muitos evangélicos dos EUA e Brasil apoiam Israel porque não seguem o exemplo de Lutero, que meramente seguia o exemplo católico. As igrejas evangélicas hoje com maior oposição a Israel são exatamente as igrejas mais apegadas à Reforma, inclusive a PCUSA, a maior denominação presbiteriana dos EUA, que faz campanhas para que as empresas e o governo dos EUA boicotem Israel. A visão dessas igrejas da Reforma é essencialmente católica.
Os evangélicos hoje que apoiam a terra de Israel como herança divina dos judeus entendem que Lutero e a Reforma não são a palavra final para nossa vida com Deus. Nem sempre a Reforma e Lutero estavam em harmonia com a Palavra de Deus.

Maria: eterna virgem e “Mãe de Deus”

Uma dessas desarmonias era que Lutero cria que Maria era a “Mãe de Deus.” Ele também acreditava na “virgindade perpetua de Maria” — a crença católica de que Maria, embora casada com José, nunca teve outros filhos e nunca teve relações sexuais com seu marido. Ele também acreditava na doutrina católica da “imaculada Conceição,” isto é, que Maria, quando concebeu Jesus Cristo do Espírito Santo, era a única mulher da história humana sem nenhum pecado.
Maria, “Mãe de Deus,” conforme o catolicismo romano e Lutero
Em seu artigo “Lutero, os Reformadores, e Nossa Senhora,” o estudioso católico Felipe Aquino, ligado à televisão católica Canção Nova, mencionou Madre Basiléia, freira luterana da Irmandade Evangélica de Maria, que disse:
“Ao ler essas palavras de Martinho Lutero [exaltando Maria], que até o fim de sua vida honrava a mãe de Jesus, que santificava as festas de Maria e diariamente cantava o Magnificat, se percebe quão longe nós geralmente nos distanciamos da correta atitude para com ela, como Martinho Lutero nos ensina, baseando-se na Sagrada Escritura. Quão profundamente todos nós, evangélicos, deixamo-nos envolver por uma mentalidade racionalista, apesar de que em nossos escritos confessionais se lêem sentenças como esta: ‘Maria é digna de ser honrada e exaltada no mais alto grau.’” (Art. 21,27 da Apologia de Confissão de Augsburgo)
O prof. Aquino também destaca que em 1542, João Calvino publicou o Catecismo da Igreja de Genebra, onde se lê:
“O Filho de Deus foi formado no seio da Virgem Maria… Isto aconteceu por ação milagrosa do Espírito Santo sem consórcio de varão. Firmemente creio, segundo as palavras do Evangelho, que Maria, como virgem pura, nos gerou o Filho de Deus e que, tanto no parto quanto após o parto, permaneceu virgem pura e íntegra.” (“Corpus Reformatorum”)
Com vários exemplos, Aquino prova convincentemente que os reformadores do passado tinham muito mais em comum com o catolicismo do que com os evangélicos atuais, que se esqueceram das origens católicas de seus reformadores.
Apesar de ver Maria como “Mãe de Deus,” Lutero, até onde sua caminhada espiritual conseguiu chegar, já não a via mais como “mediadora” para “ajudar” na intercessão dos cristãos. Lutero e outros reformadores eram exemplos de homens que estavam buscando. Mas se cometermos o erro de os imitarmos em tudo, cairemos em graves pecados, inclusive sobre os judeus e Maria.

Lutero e os cessacionistas de hoje

Se não podemos, como ensinavam os reformadores, venerar a palavra dos papas como palavra final, por que deveríamos transformar as palavras dos reformadores em “palavras papais”? Alguns fazem exatamente isso. O Pr. Renato Vargens, líder de uma igreja calvinista em Niterói (um grande reduto calvinista da marxista Teologia da Missão Integral), acredita que tem um ministério específico de atacar as igrejas neopentecostais. Sua principal motivação parece ser o cessacionismo — doutrina herética que ensina que os dons sobrenaturais do Espírito Santo cessaram dois mil anos atrás. Ao atacar Ana Paula Valadão, que crê e tem esses dons, Vargens cita uma declaração que ele atribui a Lutero: “Fiz uma aliança com Deus: que Ele não me mande visões, sonhos, nem mesmo anjos. Estou satisfeito com o dom das Escrituras Sagradas, que me dão instrução abundante e tudo o que preciso conhecer tanto para esta vida quanto para o que há de vir”.
Confiando na palavra do homem como palavra final, ele e outros podem também fazer uma aliança com Deus de desprezar os judeus e ver Maria como “Mãe de Deus.”
O que dá então para aproveitar do exemplo do “católico” Lutero? Sua fome por Deus.
Pe. Paul Marx
o catolicismo há coisas boas? Claro que há. Se não houvesse, Lutero nunca teria conservado tanto das tradições e costumes católicos. Um grande católico, a quem muito admiro, é o Pe. Paul Marx, homenageado neste artigo: “Pe. Paul Marx: o homem que me tornou ‘marxista.’” Há coisas boas em Lutero? Sem dúvida. Mas nem igrejas nem grandes personalidades devem ser a palavra final para nossa relação com Deus.
Lutero estava caminhando e havia muita coisa que ele e outros reformadores não entendiam, por suas óbvias limitações humanas e mentalidade religiosa da época.

Uma nova Reforma ou o derramamento do Espírito?

A Bíblia, a verdadeira Palavra Final, nos ensina que não devemos ficar com as coisas do passado, mas “avançar para as coisas que estão adiante de nós.”
Se não esquecermos as coisas que ficaram para trás, nossa caminhada cristã enfrentará dificuldades com as coisas velhas da teologia humana: oposição aos judeus, a virgindade perpetua de Maria, alianças espúrias de não ter dons sobrenaturais, etc.

A Bíblia ensina o que precisamos fazer:

“Não que eu já tenha alcançado tudo isso, ou seja perfeito; entretanto, vou caminhando, buscando alcançar aquilo para que também fui alcançado por Cristo Jesus. Irmãos, não penso que eu mesmo já o tenha conquistado; mas tomo a seguinte atitude: esquecendo-me das coisas que para trás ficam e avançando para as que estão adiante de mim, apresso-me em direção ao alvo, a fim de ganhar o prêmio da convocação celestial de Deus em Cristo Jesus.” (Filipenses 3:12-14 KJA)
Seguindo a Bíblia, não o exemplo falível de Lutero e outros católicos e reformados, hoje apoio os judeus e a terra de Israel como posse exclusiva dos judeus. Apoio também o papel de Maria como serva de Deus, nunca como “Mãe de Deus.” E apoio que a Bíblia está certa quando promete que nos últimos dias (que são os nossos dias!) Deus dará dons sobrenaturais abundantemente:
“Nos últimos dias, diz o Senhor, que derramarei do meu Espírito sobre todos os povos, os seus filhos e as suas filhas profetizarão, os jovens terão visões, os velhos terão sonhos. Sobre os meus servos e as minhas servas derramarei do meu Espírito naqueles dias, e eles profetizarão.” (Atos 2:17-18 KJA)
Com esse derramamento abundante do Espírito, a Igreja de Jesus Cristo (invisível) avançará mais nas coisas de Deus, esquecendo as coisas que ficam para trás.
Se não esquecermos essas coisas, voltaremos às imperfeições da Reforma, ao catolicismo e ao princípio de tudo: o próprio judaísmo.
Por isso, não precisamos de uma nova Reforma — isto é, voltar às coisas velhas e passadas. Precisamos de mais do derramamento do Espírito que Deus prometeu em Sua Palavra. O Espírito Santo é sempre o Autor de coisas novas, que nos afasta das coisas mortas das tradições humanas, sejam da Reforma ou não, “para servimos de acordo com a nova ministração do Espírito, e não conforme a velha forma da Lei escrita. A Lei condena, Jesus liberta.” (Romanos 7:6 KJA)
Admiro Lutero, até onde seu testemunho está em harmonia com a Palavra de Deus, que é a verdadeira Palavra Final.
Admiro também outros católicos e reformados (que nada mais são do que católicos reformados), mas nunca como palavra final em absolutamente nada.
A Palavra Final, digna de admiração e obediência total, é sempre a Palavra de Deus, nunca as palavras dos homens, sejam reformados ou não, sejam católicos ou não.

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