IHU - Certa manhã alguns meses atrás, Connie Knapp
recebeu um telefonema de seu pastor. Vários dias antes, a Suprema Corte
tomou uma decisão que fortaleceu o movimento pró-casamento de mesmo
sexo. O pastor dela, o reverendo Chip Low, sentia que Knapp e sua parceira, Anne Corey, poderiam querer se casar.
A reportagem é de Samuel G. Freedman, publicada no jornal The New York Times, e reproduzida pelo portal Uol, 02-11-2013.
Por 30 anos, desde que se conheceram em um clube de corrida e se
apaixonaram durante um jantar com espaguete ao molho de mariscos em Nova
York, Knapp e Corey se consideraram um casal. Mas após o casamento gay ter sido autorizado no Estado de Nova York, elas prometeram não se casar enquanto a Lei de Defesa do Casamento permanecesse uma lei federal.
Agora a Suprema Corte tinha derrubado uma parte chave da medida, que
negava benefícios federais aos casais de mesmo sexo. Após anos
suportando o opróbrio dos conservadores religiosos, de ouvirem que gays e
lésbicas eram o mal, imorais, intrinsecamente problemáticos e que
provocaram o Todo Poderoso a causar o 11 de Setembro,
as mulheres tinham um pastor amistoso que pendurou a bandeira do
arco-íris do lado de fora de sua igreja e estava se oferecendo para
realizar a cerimônia delas.
Esse era apenas um obstáculo. Knapp, nascida e criada católica, agora era uma presbiteriana estudando para o ministério. Corey
era de formação judaica. As mulheres, ambas com 65 anos, estavam
prestes a descobrir que em uma era de crescente aceitação do casamento
gay, elas não teriam dificuldade em encontrar membros do clero dispostos
a realizar a cerimônia de mesmo sexo. Mas uma cerimônia inter-religiosa
parecia improvável.
Se essa percepção as surpreendeu, Knapp e Corey
não foram as únicas. À medida que cresce rapidamente a tolerância ao
casamento de mesmo sexo, casais gays inter-religiosos estão descobrindo
que os mesmos líderes espirituais que apoiam o direito civil de se
casarem podem fazer objeção, com base teológica, em cerimônias
religiosas mistas.
"Eu tenho observado o aumento desse fenômeno ao longo dos anos", disse Idit Klein, diretora executiva da Keshet,
uma organização de defesa para judeus que são gays, lésbicas,
bissexuais ou transgênero. "Eu vi passar de ser difícil encontrar um
rabino que realizasse um casamento de mesmo sexo a agora ter rabinos que
me ligam e dizem: 'Eu nunca realizei um casamento gay e eu quero
realizar' - uma verdadeira disposição de demonstrar solidariedade. Algo
mudou profundamente."
"Mas o que não mudou significativamente é a visão da maioria dos rabinos a respeito de um casamento inter-religioso", disse Klein. "Ter famílias inter-religiosas na congregação é uma coisa, mas realizar o casamento é outra."
A Keshet tem um banco de dados de 713 rabinos ou sinagogas dispostos a realizar casamentos de mesmo sexo. Mas dentre esses, estimou Klein, apenas aproximadamente 20% estão dispostos a realizar cerimônias inter-religiosas.
Dentro do movimento da Reforma Judaica, que conta
com um retrospecto de décadas apoiando os direitos dos gays, apenas
metade de seus rabinos realiza cerimônias inter-religiosas, independente
da orientação sexual do casal. A associação rabínica do movimento
conservador publicou diretrizes para casamentos de mesmo sexo, mas
proíbe seus membros de realizarem casamentos inter-religiosos.
As diversas regras e normas dentro do rabinato, por sua vez, colocam o
clero cristão em uma posição reativa. Entre os pastores dispostos a
realizarem casamentos de mesmo sexo, até mesmo dentro da própria seita,
quase todos são de seitas liberais protestantes.
Na prática, como casais como Knapp e Corey
descobriram, regras fixas às vezes importam menos que o nível de
conforto pessoal. Alguns rabinos realizarão a cerimônia de um casal
inter-religioso apenas se toda a liturgia for judaica; outros, se o
casal prometer criar seus filhos como judeus. Alguns rabinos realizam a
cerimônia em conjunto com um clérigo não judeu, enquanto outros não.
Eles podem ou não aceitar o uso de símbolos e textos não judaicos na
cerimônia.
Misturar e casar heranças parecia simples para Knapp e Corey ao longo
de grande parte de suas décadas juntas. Elas celebram juntas anualmente
um Sêder de Pessach lésbico desde meados dos anos 80, com seu próprio Hagadá recortado e colado. Corey vai à igreja com Knapp no Natal e na Páscoa. Elas leem um livro de meditações religiosas toda manhã.
Quando Low chegou há poucos meses para iniciar o planejamento do
casamento, o ato de equilibrismo religioso se tornou mais difícil. Knapp, uma professora universitária, queria se casar na igreja de Low, a Primeira Presbiteriana de Yorktown Heights, na qual participava ativamente. A exigência de Corey era que não houvesse referência a Jesus na cerimônia.
"Quando Chip chegou e disse: 'Nos fale sobre sua família, sobre ser
judia', repentinamente a sensação foi de que aquilo era importante para
mim", disse Corey, uma professora aposentada. "Eu pensei nos meus ancestrais que vieram para cá para escapar do pogrom."
Low contatou um rabino local, Robert Weiner, do Templo Beth Am
em Yorktown Heights, para explorar a possibilidade de realizarem
conjuntamente a cerimônia. O rabino já tinha realizado vários casamentos
gays, inclusive um de um casal inter-religioso. Mas os cônjuges tinham
que se comprometer a "criar um lar judaico" em vez de "seguirem por uma
estrada religiosa dupla", ele disse em uma entrevista.
Por sua vez, Low se sentiu marginalizado por uma
cerimônia em que não houvesse menção de Jesus. "Eu entendo que não seja
fácil para a fé judaica ouvir quão importante Jesus é para os cristãos,
quão central", ele disse em uma entrevista na semana passada. "Mas é
preciso a habilidade de duas fés estarem em diálogo e em tensão uma com a
outra."
Sem ressentimentos, mas com o relógio correndo, Knapp e Corey
continuaram sua busca por clérigos. Por meio de uma organização de
famílias inter-religiosas, elas foram encaminhadas para uma mulher que
se descrevia como uma "capelã rabínica". Mas, lembrou o casal, ela disse
que não dividiria as funções com um pastor.
À medida que se aproximava a data do casamento delas em 13 de outubro, Knapp e Corey recorreram a uma amiga que foi ordenada online pela Igreja da Vida Universal.
A cerimônia, realizada em um centro de conferência, incluiu uma chupá, a
tenda sob a qual se realiza o casamento judaico, e a tradicional quebra
do copo. As Sheva Brachot (sete bênçãos) vieram de
fontes apaches e budistas, entre outras. Em reconhecimento à herança
irlandesa de Knapp, uma bênção foi uma oração em gaélico.
Em um aspecto, a dificuldade para planejar o casamento pode ter
provado um ponto importante para os defensores do casamento gay. "Essa é
realmente uma grande demonstração das liberdades religiosas que
existem", disse Ross Murray, que cuida da iniciativa religiosa para o grupo de defesa GLAAD.
"As pessoas que defendem a igualdade no casamento continuam dizendo que
ninguém forçará o clero a realizar cerimônias de mesmo sexo. A questão
difícil dos casais inter-religiosos mostra isso."
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