Por Otávio Mantia
O corpo e a alma da Bíblia
Para definirmos a Bíblia necessitamos ter em consideração dois
elementos que a constituem: o texto (sua parte escrita) e seu
ensinamento (a parte espiritual), transcendente a meras palavras ou
símbolos textuais.
Se tomarmos a parte escrita, a Bíblia é um a coleção de livros
inspirados pelo Espírito Santo, de caráter sagrado, origem divina e de
conteúdo e eficácia sobrenatural. Mas, ampliando um pouco seu
significado, obteremos um horizonte mais largo e formoso do que
verdadeiramente pode significar a Bíblia.
Os livrinhos sagrados…
O nome Bíblia vem de grego βιβλος “livro”, que no plural diminutivo fica βιβλια,
que significa mais especificamente “livrinhos”. Sendo uma coleção de
livros sagrados, devemos nos perguntar, sagrados por quê? Porque o
próprio Deus inspirou que fossem escritos e entregou-os aos homens.
Assim, estes homens escolhidos, eleitos por Deus a receber a Revelação
tornaram-se os portadores de textos sagrados, que constituíam a bíblia.
…que constituíram a Sagrada Bíblia
A primeira versão da bíblia foi conhecida como versão hebréia, que se
dividiu em três partes: nas leis ou Pentateuco (תרה), nos profetas
(תבים), e nos outros escritos históricos (כתבים). Posteriormente, com a
vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo, efetuou-se a plenitude da Revelação:
acrescentou-se aos antigos escritos sagrados as revelações que o
próprio Filho de Deus veio trazer aos homens. Assim, os Evangelhos,
Cartas Católicas e Apocalipse completaram a Bíblia do Novo Testamento.
O Cânon bíblico foi se formando por um longo processo em que a Santa
Mãe Igreja, com o passar dos séculos, trabalhou em distinguir os
diversos textos verdadeiramente inspirados dos apócrifos, e outros
escritos sem apostolicidade, até se definir a Bíblia que lemos hoje.
A parte espiritual
Agora tomando em consideração mais os ensinamentos que a Bíblia nos
traz, sua parte “espiritual”, podemos reconhecer que ela se trata de uma
verdadeira guia até Deus que o homem deve encetar pela obediência a sua
Palavra e sua Lei. Obediência a sua Lei e a sua Palavra? Sim, pois a
palavra e a Lei de Deus se confundem e se entrelaçam num mesmo conceito.
E a Palavra se fez Lei…
Ao lermos Dt 30, 11-14 nos deparamos com uma singular aproximação da
Lei de Deus e de sua Palavra. Os mandamentos e leis de Deus não estão
acima de nossas forças, nem fora do nosso alcance. Não estão no céu nem
no mar, para que possamos escusar-nos de não poder possuí-los. Mas “esta
palavra está perto de ti, na tua boca e no teu coração: e tu a podes
cumprir”. Assim, a Bíblia não é um tratado filosófico ou um compêndio de
ciências, nem uma enciclopédia ou uma bela obra de literatura. É muito
mais: é palavra de Deus. É עהוה דבר (Dabar Yahveh), e neste sentido, a palavra דבר (Dabar) tem a mesma raiz da palavra תרה (Torá),
ou seja lei. A Palavra de Deus é a Sua própria Lei dada aos homens. É
por meio de sua palavra que Deus ensina os homens, como devem agir para
cumprir Sua vontade.
Pode-se concluir daí que a Bíblia, mais que dados históricos da
criação do mundo, fatos da vida do povo eleito, elementos dos costumes
judaicos e trechos de profecias muito bonitas, nos proporciona uma norma
de vida, uma lei para se “meditar dia e noite” (Sl 1, 2).
Lei que se deve amar
Uma lei que Deus coloca em nossos corações como nos dia Jeremias 31,
33: “Incutir-lhe-ei a minha lei; gravá-la-ei em seu coração”. Pois o
lugar da lei é o coração (לב), de onde partem todas as intenções e
decisões do homem, sejam elas boas ou más. Mas, por que o coração é o
lugar da lei de Deus e de sua Palavra? Porque o coração também é o
receptáculo dos amores do homem e o homem deve amar a palavra de Deus
com todo seu ser, com total desapego e sem exigir recompensa.
Mas… amar como?
A este respeito cumpre lembrar os quatro amores que o vocabulário
grego proporciona, a saber: o amor entre varão e mulher no matrimônio (ερον); o amor familiar (ζεργον); o amor de amizade meramente humano (φιλειν); e o amor de holocausto, de entrega total, o amor que se tem apenas a Deus (αγαπε).
Ao lermos Lucas 21, 15-17 vemos claramente esta diferença dos amores
no sublime diálogo entre Jesus Nosso Senhor e São Pedro. O que as
traduções geralmente deixam passar despercebido, o grego revela com uma
peculiar riqueza de termos, preciosa grandeza e pungente profundidade o
que houve entre os dois olhares que se cruzavam durante esta conversa.
Mas o que conversavam o Filho do Homem e Simão, filho de João?
O exemplo princeps
Nosso Senhor pergunta se São Pedro o amava com amor divino: “Αγαπας με?”. E Simão responde que o amava com amor humano: “Φιλο σε”.
E Jesus prossegue com o mandato de apascentar com cuidado os cordeiros
frágeis de seu rebanho: “Βοσκε αρνια”. Uma segunda vez pergunta se São
Pedro o amava com amor total e desinteressado: “Αγαπας με?”. Mas São Pedro, responde que o amor divino ainda não o abrasa: “Κυριε, Φιλο σε”. E Jesus prossegue, recomendando que Simão apascente as ovelhas mais velhas e fortes: “Ποιμανε προβατα”. A terceira vez, Deus se abaixa até Simão e lhe pergunta: “Simão, filho de João, Φιλεις με?”.
E São Pedro, profundamente entristecido, pois percebera que ainda não
galgara o perfeito amor de Deus responde: “Senhor tu sabes tudo, tu
sabes que “Φιλο σε”. E o Senhor prossegue recomendando: “Βοσκε προβατα”.
Ou seja: “Pois bem Simão, tu, que sois velho e forte e prometeste dar a
vida por mim, me negaste três vezes. Professa seu amor por mim três
vezes em reparação e reconhece que ainda és imperfeito. Saibas que como
tu, muitos são frágeis. Assim, apascenta com cuidado (βοσκε) inclusive as ovelhas fortes do rebanho (προβατα), pois estas, como tu, também podem ceder.
Conclusão
Esta é uma lição para nós. Pois o amor que faltou a São Pedro quando
Nosso Senhor lhe pergunta três vezes se o amava também falta ao mundo
hodierno. Os homens devem amar a Deus e a sua Palavra, a sua Lei, que
está na Bíblia com este amor Αγαπε, ou seja, sem querer nada em troca, reciprocidade ou retribuição. O Αγαπε
deve reger o mundo de hoje a obedecer a Lei de Deus e a sua Palavra
pelos ensinamentos de Nosso Senhor Jesus Cristo nas sagradas escrituras.
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