quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Evangélicos curtem inovar na cama e até compram em sex shop gospel

Yannik D´Elboux
Do
UOL, no Rio de Janeiro 
Kleber Laurindo Fotografia/Arquivo pessoal

Daniela Marques, casada com Felipe Marques há 10 anos, acredita que é possível ter uma vida sexual sem neuras, mesmo acreditando em valores cristãos 
Daniela Marques, casada com Felipe Marques há 10 anos, acredita que é possível ter uma vida sexual sem neuras, mesmo acreditando em valores cristãos


A máxima que diz que entre quatro paredes vale tudo não serve para quem usa a bíblia como manual para o sexo. Para a maioria dos evangélicos (22,2% da população, segundo o censo 2012 do IBGE, incluindo todas as vertentes da religião), antes do desejo vem a vontade de Deus. Mas nem só de oração vivem os casais religiosos. Apesar das restrições que envolvem os lençóis daqueles que seguem o que se costuma chamar de sexualidade cristã, a busca pelo prazer também existe.
A ideia do sexo apenas como ato para a procriação já anda ficando para trás na grande parte das correntes religiosas evangélicas de missão e de origem pentecostal. O assunto é cada vez mais abordado, inclusive dentro das igrejas, a despeito dos tabus que ainda se proliferam.
Percebendo a importância de uma boa vida sexual para o equilíbrio do casamento, os fiéis também estão interessados em esquentar as coisas na cama. A curiosidade crescente pelo tema tem impulsionado até o surgimento de um mercado erótico exclusivo para esse público, com sex shops que geralmente trazem as palavras "cristão", "evangélico" ou "gospel" no nome. 
As diferenças em relação a sex shops convencionais não se resumem ao nome. A loja virtual Para Evangélicos, por exemplo, deixa claro logo na primeira página do site que é um sex shop para "casais casados". Além disso, o proprietário Rafael Pedroso explica que o leque de brinquedos eróticos disponíveis é um pouco diferente. "Não focamos a exposição de produtos voltados ao sadomasoquismo e aos homossexuais".
A loja também não exibe imagens muito explícitas e evita divulgar produtos como próteses penianas e vaginais, apesar de comercializá-las. O destaque maior é para os cosméticos, como óleos, bolinhas explosivas e géis. Pedroso, que já atua no ramo erótico há cinco anos, conta que decidiu criar o negócio depois de perceber que a maioria dos seus clientes das vendas por catálogo era formada por evangélicos.

Prazer e pecado


Mesmo querendo quebrar a rotina sexual, muitos casais evangélicos têm dúvidas de até onde podem ir sem cair no pecado. A bíblia é uma só, mas as interpretações e divergências são muitas. Para o médico ginecologista Waldir Moreno Arevalo, especialista em Terapia Sexual e membro da Primeira Igreja Batista de Santo André (SP), a liberdade do casal é grande, desde que de comum acordo e com base no amor, carinho e afeto.
"No Livro de Cantares (da bíblia) existem várias passagens em que o casal usa locais eróticos, como jardins, frutas para se revigorar, visualização do corpo nu para se erotizar, coisas que depois de séculos a ciência veio orientar para a melhora do desempenho sexual", afirma Arevalo, sobre o que é válido para apimentar a relação sem fugir dos valores cristãos, segundo sua orientação religiosa.



VEJA POSIÇÕES QUE AJUDAM A SUPERAR OBSTÁCULOS DO SEX 

Clique na imagem para navegar pelo infográfico (indisponível para celulares e tablets) 

O médico, que também é palestrante na área e autor do livro "O Sexo Que Deus Criou", não vê problema no uso de alguns produtos eróticos, como cremes e óleos aromáticos. "Na orientação bíblica, o único sexo no casamento que deve ser evitado é o sexo anal", diz Arevalo.

Não é raro nas congregações mais conservadoras a condenação até do sexo oral. Para Daniela Marques, autora do blog Salve Meu Casamento, que se intitula apenas como cristã, o parâmetro do que é permitido ou não entre quatro paredes deve ser a intenção e os sentimentos que norteiam a união.

"Colocar a boca em alguma parte do corpo do cônjuge, ir ao motel, fazer canguru perneta ou utilizar adereços para apimentar a relação só será pecado se o que vier de dentro for ruim, ou seja, se a intenção do coração for má. Se for prazeroso para ambos, feito com amor e dentro da aliança do casamento, não vejo problema algum", declara Daniela, com a segurança de quem já está acostumada a falar sobre assuntos polêmicos sem meias palavras.

Tabus e culpa


O pastor Cláudio Duarte, autor do livro "Sexualidade Sem Censura" (Editora Central Gospel), também não tem dificuldade em discorrer sobre sexo com desenvoltura e humor. Os vídeos com trechos de suas palestras acerca do assunto contabilizam milhões de visualizações no YouTube.
Apesar do tom descontraído de suas pregações, o pastor, que atua na Igreja Batista Monte Horebe, em Campo Grande e na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, acredita que alguns limites devem ser seguidos, mesmo que exista amor e entendimento entre o casal. Duarte condena idas ao motel e, apesar de ser a favor de alguns produtos eróticos, como óleos e bolinhas explosivas, diz que a proximidade com sex shops pode ser perigosa, por causa dos outros itens que também são vendidos, mas afirma que "cada caso é um caso".

"Não posso dizer que ir ao motel é pecado, mas não recomendo, por causa do ambiente espiritual. Mais de 90% dos relacionamentos mantidos em motéis são extraconjugais ou homossexuais. E a Bíblia diz que não devo colocar minha esposa em um leito maculado, ou seja, sujo espiritualmente", justifica.

Mesmo defendendo algumas restrições no sexo, Duarte acredita na importância do prazer na vida a dois. Entretanto, reconhece que muitos líderes religiosos ainda têm dificuldade em tratar do tema, às vezes confundindo suas próprias preferências com mensagens da bíblia, e que faltam informações para os fiéis. "Por muito tempo, a igreja tratou o sexo como se ele fosse o pecado de Adão e Eva", lembra.
Reprodução 
Página do sex shop virtual Para Evangélicos traz imagens românticas e nada de sexo explícito
 
Daniela Marques também percebe a desinformação, além de vários tabus e sentimento de culpa, nos muitos e-mails que recebe com pedidos de orientação. "Conheço casais que pedem perdão depois do sexo. Isso não tem fundamento bíblico algum".

A blogueira também desenvolve um trabalho de aconselhamento com pastores, para auxiliá-los a falar do assunto com mais naturalidade. Para Daniela, casada há 10 anos com Felipe Marques, os valores cristãos não a impedem de ter um relacionamento sexual prazeroso, satisfatório e sem neuras. "Muitos cristãos que realmente entenderam a grandeza do amor de Deus por nós, através da vida e dos ensinamentos de Jesus, conseguem viver uma vida sexual plena e livre da culpa", diz ela. 

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