30 novembro 2013
Na batalha diária para fazer a vontade de Deus, os cristãos são chamados a imitar o testemunho dos mártires e trilhar o caminho do Céu.
Uma sentença do século III, de Orígenes, diz que “diante de uma tentação, um cristão sai mártir ou idólatra”.
Todos os dias os homens são confrontados pela tentação demoníaca que
oferece um caminho mais fácil, mais prazeroso. E não é diferente com os
seguidores de Jesus: é-lhes comumente apresentada a sedutora proposta de
abandonar a Deus e o caminho da Cruz, de adorar a criatura no lugar do
Criador, de procurar a felicidade onde ela não se encontra: no dinheiro,
na bebida, no sexo, na fama e em tantas outras coisas. Por outro lado,
rejeitar essas criaturas que se arrogam o direito de tomar o lugar de
Deus implica numa espécie de morte, de martírio.
Para fortalecer a coragem cristã, poucas coisas são tão importantes
quanto a leitura e a meditação assídua do Evangelho e da vida dos
santos. “A santidade na Igreja representa uma hermenêutica da Escritura
da qual ninguém pode prescindir”, indicava o Papa Bento XVI. “O Espírito
Santo que inspirou os autores sagrados é o mesmo que anima os Santos a
darem a vida pelo Evangelho. Entrar na sua escola constitui um caminho
seguro para efetuar uma hermenêutica viva e eficaz da Palavra de Deus”.
Pode acontecer que as pessoas, ao se debruçar sobre a riqueza
misteriosa das Escrituras, imaginem a santidade como algo muito
distante, seja no tempo, seja na própria dimensão das possibilidades de
vida humana. Ao ler a vida dos santos, no entanto, o cristão depara-se
com o Verbo que novamente se encarna na história. A santidade deixa de
ser uma realidade “do século I”, grafada em letras arcaicas ou “mortas”:
é uma verdade palpável, que toca também os homens dos nossos dias. É
especialmente no esbarrar-se com aqueles que viveram verdadeiramente a
Palavra de Deus que o ser humano se encontra com a “Beleza tão antiga e
tão nova” da qual fala Santo Agostinho em suas Confissões.
A mensagem de Cristo nunca é velha, atrasada ou “inadequada” para os tempos modernos, como muitas leituras anticlericais sugerem; ao contrário, ela se rejuvenesce a cada testemunho vigoroso de amor, a cada mártir que se recusa a trair sua fé.
Neste contexto, um relato forte retirado da Bíblia, embora aborde uma
perseguição ocorrida aos judeus, ajuda os cristãos a inflamar em si
mesmos o espírito de fortaleza e de coragem. O trecho em questão narra o
destemor de uma mãe e de seus sete filhos, todos mortos pelo rei
Antíoco IV Epifânio, durante uma perseguição violenta ocorrida em
Jerusalém, no século II a. C.
O Segundo Livro dos Macabeus afirma que os infantes “foram um dia
presos com sua mãe” e instados a comer carne de porco, “por meio de
golpes de azorrague e de nervos de boi” (7, 1). Um azorrague era uma
espécie de açoite feito com tiras de couro e que possuía, em cada ponta,
um instrumento cortante ou pedaços de articulações de carneiro. O
espírito daquela família, no entanto, era resoluto. Nenhum dos terríveis
golpes de azorrague diminuiu-lhes o fervor em cumprir a vontade de
Deus: “Estamos prontos a morrer, antes de violar as leis de nossos pais”(v. 2), disse um deles, sem medo.
As torturas se seguiam, como em um conto de terror. “O rei (…)
ordenou que aquecessem até a brasa assadeiras e caldeirões (…) [e] que
cortassem a língua do que falara por todos e, depois, que lhe
arrancassem a pele da cabeça e lhe cortassem também as extremidades,
tudo isso à vista de seus irmãos e de sua mãe” (v. 3-4).
O que fizeram, então, aqueles rapazes, vendo seu irmão ser cruelmente
torturado até o suplício? Não renunciavam a seu propósito, nem
titubeavam, mas “exortavam-se mutuamente a morrer com coragem” (v. 6). Animados pela esperança na ressurreição dos mortos, eles entregavam bravamente sua vida a Deus, um por um.
Chegando o momento de infligir a morte ao filho mais novo, Antíoco
recuou, por um instante. Ele insistia com ele, “prometendo-lhe com
juramente torná-lo rico e feliz, se abandonasse as tradições de seus
antepassados, tratá-lo como amigo e confiar-lhe cargos” (v. 24). Mas,
nem assim o jovem cedia. Então, o rei tentou conversar com sua mãe.
Narra o autor sagrado que ele “mandou que a mãe se aproximasse e o
exortasse (…) para que o adolescente salvasse sua vida” (v. 25).
E o que fez aquela mulher, que tinha visto os outros seis filhos
serem torturados e mortos diante de si? O que fez aquela mãe, cuja alma
se encontrava dilacerada, à semelhança de Nossa Senhora, no Calvário? A
Escritura diz que “ela consentiu em persuadir o filho” (v. 26), mas que,
em seguida, exortou-lhe, falando na língua materna: “Meu filho,
(…) não temas (…) este algoz, mas sê digno de teus irmãos e aceita a
morte, para que no dia da misericórdia eu te encontre no meio deles” (v. 27.29).
Esta santa mulher, mesmo acabrunhada pela dor de perder todos os seus
filhos, estava consciente de que havia algo muito pior que a morte do
corpo: a perdição da alma. “Seguindo as pegadas de todos os seus filhos, a mãe pereceu por último” (v.
41). Naquele dia, uma família inteira entregava-se em sacrifício a
Deus. Eles preferiram morrer a violar as leis de seus pais, a abandonar
as tradições de seus antepassados.
Olhando para a história da Igreja, não é difícil encontrar dramas
muito parecidos com este contado pelo Espírito Santo. De São Pedro a São
Maximiliano Kolbe, de São Josafá aos mártires deste tempo, inúmeros são
os exemplos de homens e mulheres que ofereceram a sua vida em
holocausto, preferindo a morte a ofender a Deus. No dia a dia, todos os
cristãos são chamados a testemunhar a mesma coragem destes grandes
servos da fé, senão pelo sangue, pelo sacrifício quotidiano e pela
prática da penitência. Este é o único caminho possível para o Céu. O
outro é a idolatria – que, por sua vez, conduz à morte eterna.
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