segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Missa em homenagem às vítimas da Kiss relembra conselhos do Papa

Atividade da Igreja Católica marca um ano de incêndio na casa noturna. Grupo de 50 pessoas realizou caminhada na manhã desta segunda-feira.

Por Luiza Carneiro
Do G1 RS, em Santa Maria

Dom Helio celebra a missa em homenagem às vítimas da tragédia na boate Kiss (Foto: Luiza Carneiro/G1)Dom Helio celebra a missa em homenagem às vítimas da tragédia na boate Kiss (Foto: Luiza Carneiro/G1)
Em silêncio e muito emocionado, o grupo de cerca de 50 pessoas que realizou uma caminhada na manhã desta segunda-feira (20) pelas ruas de Santa Maria também participou de uma missa em homenagem às vítimas da boate Kiss. Cerca de 300 pessoas participaram da cerimônia na Basílica Nossa Senhora Medianeira e ouviram as palavras de consolo do arcepisbo Dom Helio Rupert por mais de uma hora. A tragédia que deixou 242 mortos completa um ano na próxima segunda-feira (27).


“Lembro bem o que o Papa Francisco me aconselhou no dia 27 de julho, quando se completaram seis meses da tragedia: abraçar a cruz, seguir Jesus e ir para frente”, pregou o arcebispo. Dom Helio também lembrou os mortos em uma tragedia semelhante em uma casa noturna de Buenos Aires, na decada de 1990. “O Papa me disse que conhecia a nossa dor pelo o que aconteceu na Argentina”, disse.

A missa da Igreja Católica dá início ao cronograma de atividades organizado pela Associação dos Familiares das Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM). Durante o rito, familiares e amigos erguiam faixas pedindo justiça. Outros vestiam camisetas e levavam cartazes com fotos dos jovens mortos. Alguns pais se emocionaram. O arcebispo e religiosos convidados vestiam túnicas vermelhas que, dentro das simbologias cristãs, significa o martírio de Jesus.

O coral da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) participou a missa. Mais cedo, pouco depois das 8h, foi realizada uma caminhada desde a Igreja Nossa Senhora de Fátima atá a basílica, em uma procissão silenciosa e de oração.
Kelen participou da missa na basílica (Foto: Luiza Carneiro/G1) 
Kelen participou da missa (Foto: Luiza Carneiro/G1)

‘Sempre rezo’, diz sobrevivente

A estudante Kelen Ferreira, de 20 anos, acompanhou a missa em homenagem às vítimas na Basílica Nossa Senhora Medianeira. Ela diz que o culto foi uma atividade importante para rezar pelas amigas que não resistiram, como ela, ao incêndio. “Achei a missa muito bonita. É um gesto que me faz lembrar das minhas amigas. Rezei por elas, rezo todos os dias, peço que me iluminem lá de cima. Sei que elas estão bem e que me ajudam a superar”, disse.

Para tentar minimizar a dor da perda, Kelen acredita que a fé é essencial. “Para superar tudo isso o mais importante é a fé em Deus. A ajuda dos amigos, da família também”, contou a garota, que retomou os estudos na faculdade em setembro e já voltou a sair à noite. “Já fui em boates de novo. Sempre saio. Não dou mais bola para as pessoas que ficam me olhando. Vou levar isso para o resto da vida. Vou ser sobrevivente da Kiss para sempre.”

Kellen ainda relatou sua rotina de recuperação. “Faço atendimento de segunda a sexta-feira com terapia ocupacional e fisioterapia. Na quarta-feira (22) tenho exames em Porto Alegre. Na última consulta estava com 72% no pulmão. Estou me recuperando. Vai demorar um pouco porque, além do pulmão e dos braços, tenho que reaprender a caminhar por causa da prótese.”


Entenda

O incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, na Região Central do Rio Grande do Sul, ocorreu na madrugada do dia 27 de janeiro de 2013. A tragédia matou 242 pessoas, sendo a maioria por asfixia, e deixou mais de 630 pessoas feridas. O fogo teve início durante uma apresentação da banda Gurizada Fandangueira e se espalhou rapidamente pela casa noturna, localizada na Rua dos Andradas, 1925.

O local tinha capacidade para 691 pessoas, mas a suspeita é de que mais de 800 estivessem no interior do estabelecimento. Os principais fatores que contribuíram para a tragédia, segundo a polícia, são: o material usado para isolamento acústico (espuma irregular), a utilização do sinalizador em ambiente fechado, saída única, indício de superlotação, falhas no extintor e exaustão de ar inadequada.

Estão em andamento os dois processos criminais contra oito réus, sendo quatro por homicídio doloso e tentativas de homicídio e outros quatro por falso testemunho e fraude processual. Os trabalhos estão sendo conduzidos pelo juiz Ulysses Fonseca Louzada. Sete bombeiros estão respondendo pelo incêndio na Justiça Militar. O número inicial era de oito, mas um deles fez acordo e deixou de ser réu.

Entre as pessoas que respondem por homicídio doloso, na modalidade de dolo eventual, estão os sócios da boate Kiss, Elissandro Spohr (Kiko) e Mauro Hoffmann, além dos integrantes da banda Gurizada Fandangueira, o vocalista Marcelo de Jesus dos Santos e o funcionário Luciano Bonilha Leão. Os quatro chegaram a ser presos nos dias seguintes ao incêndio, mas a Justiça concedeu liberdade provisória em maio do ano passado. Entre os bombeiros investigados está Moisés da Silva Fuchs, que exerceu a função de de comandante do 4º CRB de Santa Maria.

Atualmente, a Justiça está na fase de depoimentos dos sobreviventes da tragédia. O próximo passo será ouvir as testemunhas. Os réus serão os últimos a falar sobre o incêndio ao juiz. Quando essa fase for finalizada, o juiz deverá fazer a pronúncia, que é considerada uma etapa intermediária do processo. Se o magistrado pronunciar o réu, vai a júri. Senão, é absolvido. Outra possibilidade é a chamada desclassificação, quando o juiz não manda o réu para júri, mas reconhece que houve algum tipo de crime. Neste caso, ela vai julgar a causa de forma individual. Também existe a chance de absolvição sumária dos réus. Em todas as hipóteses cabe recurso.

No âmbito das investigações, três estão sendo conduzidas pela Polícia Civil. Além dos documentos sobre as licenças concedidas à boate, um inquérito apura as atividades da empresa Hidramix e outro uma suposta fraude no documento de estudo de impacto na vizinhança do prédio onde ficava a casa noturna. O Ministério Público, por sua vez, investiga as responsabilidades de servidores municipais na tragédia.

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