Comitê de Direitos da Criança critica modo como Igreja lida com pedofilia. Santa Sé nega acusação de que dificulta trabalho da Justiça contra padres.
Homem
protesta nesta quinta-feira (16) contra a Santa Sé em frente ao
quartel-general do Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU em
Genebra; 'Vaticano protege pedófilos', diz cartaz (Foto: Fabrice
Coffrini/AFP)
"Existem abusadores entre os membros das profissões mais respeitadas do mundo e, mais lamentavelmente, inclusive entre membros do clero e de funcionários da Igreja", disse o monsenhor Silvano Tomasi, representante da Santa Sé na ONU.
A apresentação do Vaticano no comitê foi uma oportunidade de a Igreja Católica participar de um debate público focado nos abusos sexuais de crianças cometidos por sacerdotes.
"A Santa Sé cuidadosamente delineou políticas e procedimentos no intuito de ajudar a eliminar tal abuso e a colaborar com as respectivas autoridades estatais para lutar contra esse crime. A Santa Sé também se comprometeu a ouvir cuidadosamente as vítimas de abuso e a admitir o impacto de tais situações nos sobreviventes e em suas famílias", disse Tomasi ao comitê.
'Interesses do clero'
O comitê pediu "diligência" (rapidez) à Igreja no tratamento dos casos de pedofilia e criticou a maneira como a Santa Sé lida com os casos."O exemplo que a Santa Sé deve dar ao mundo precisa virar um precedente. Tem que marcar um novo enfoque", disse Sara Oviedo, investigadora que integra o comitê da ONU.
Ela denunciou que, na gestão dos escândalos de pedofilia, "deu-se preferência aos interesses do clero".
"A Santa Sé não estabeleceu nenhum mecanismo para investigar os acusados de cometer abusos sexuais, nem tampouco para processá-los", afirmou.
Sara também criticou as medidas tomadas pelo Vaticano em relação aos autores de abusos sexuais.
"Os castigos aplicados nunca parecem refletir a gravidade" (dos atos), destacou.
Vaticano nega
Em entrevista à Rádio Vaticano, Tomasi rebateu a acusação das associações de vítimas de pedofilia que afirmam que a Igreja dificulta o trabalho da Justiça contra os padres pedófilos."Essa denúncia me parece um pouco privada [ausente] de fundamento", afirmou.
"A Santa Sé apoia o direito e o dever de cada país de julgar os crimes contra menores. A crítica de que [a Igreja] está tentando interferir, obstruir [as investigações] não se sustenta. Pelo contrário, queremos que haja transparência e que a Igreja siga seu curso", acrescentou Tomasi.
Também falando à Rádio Vaticano, o padre Federico Lombardi, porta-voz do Papa Francisco, tentou desvincular a competência da Santa Sé na aplicação da Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, ratificada em 1989 e em vigor desde 1990.
Segundo ele, "o direito canônico próprio da Igreja católica é muito diferente das leis civis dos Estados. A Santa Sé, portanto, e em virtude da Convenção, não é obrigada a responder às demandas de informação relativa a investigações realizadas com base no direito canônico".
Lombardi justificou, assim, a negativa do Vaticano em responder ao questionário que a ONU enviou, em julho do ano passado, sobre dados das 4 mil investigações eclesiásticas que as dioceses enviaram durante anos à Congregação para a Doutrina da Fé, órgão responsável por julgar internamente as denúncias.
As associações de vítimas de pedofilia veem nessa negativa uma tentativa de encobrir os autores dos crimes, apesar de a Santa Sé argumentar que sua intenção é justamente proteger as testemunhas e as vítimas.
Série de escândalos
Durante mais de uma década, a Igreja Católica foi abalada por uma série de escândalos de abusos sexuais cometidos por religiosos contra menores de idade, o que começou na Irlanda e se estendeu à Alemanha, aos EUA e a vários países latino-americanos.Os abusos foram, em muitas vezes, encobertos por superiores hierárquicos dos autores dos crimes, que em muitos casos foram apenas transferidos para outras paróquias, em vez de serem denunciados à polícia.
Assim como os demais signatários da Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, a Santa Sé se compromete a enviar informes regulares sobre o respeito às normas do documento, e aceita a supervisão dos investigadores do comitê.
O Papa Bento XVI, que esteve à frente da Igreja Católica entre 2005 e 2013, foi o primeiro a pedir perdão às vítimas da pedofilia. Ele também exigiu uma política de "tolerância zero" contra os autores de abusos contra menores.
O atual Papa, Francisco, eleito em março do ano passado, criou no início de dezembro uma comissão para ajudar as vítimas de padres pedófilos e evitar novos casos.
A comissão, formada segundo recomendações de oito cardeais que assessoram Francisco na reforma da Cúria Romana (o governo da Igreja), deve trabalhar com os bispos e as conferências episcopais e sugerir medidas para proteger as crianças.
Anteriormente, Tomasi havia dito que a Santa Sé é a responsável legal pela aplicação da convenção da ONU apenas no território da Cidade do Vaticano, onde vivem 36 crianças. A posição dele foi bastante criticada.
No entanto, o monsenhor acrescentou que o Vaticano, como liderança da Igreja, está trabalhando com as paróquias para combater os casos de pedofilia.
O Vaticano informou que recebe cerca de 600 denúncias anuais de pedofilia contra sacerdotes, muitas delas sobre fatos ocorridos nos anos 1960, 70 e 80.
Embaixador
do Vaticano na ONU, monsenhor Silvano Tomasi (esq.), fala com o
ex-responsável por investigar abusos na Igreja Charles Scicluna, antes
do início de seu questionamento (Foto: Fabrice Coffrini/AFP)
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