Antes de entrar no mar, garoto faz alongamento e exercícios lúdicos. Escola Radical, em Santos, é a primeira pública de surfe no país.
Uma criança de Santos,
no litoral de São Paulo, diagnosticada com paralisia cerebral,
surpreendeu a família e os professores ao aprender a andar 8 meses após
começar a praticar aulas de surfe. Raphael dos Santos, de 12 anos,
conseguiu deixar a cadeira de rodas aos 10 e, atualmente, chega às aulas
caminhando, sempre ao lado da mãe.
Raphael dos Santos Nascimento foi diagnosticado
com paralisia cerebral (Foto: Mariane Rossi/G1)
com paralisia cerebral (Foto: Mariane Rossi/G1)
A luta do menino começou nos primeiros dias de vida. "Ele nasceu
praticamente morto, mas Deus me deu ele de volta", conta a mãe, Fabiana
dos Santos. O garoto ficou alguns dias em uma Unidade de Terapia
Intensiva (UTI) e depois foi levado para casa. Porém, nos primeiros
meses, Fabiana percebeu que o filho era diferente das outras crianças.
"Uma doutora me disse que ele não tinha capacidade de andar, de falar
nem de sentar. A médica disse que ele iria ficar mole, como quando
estava no meu colo", diz. Pouco tempo depois, Raphael foi diagnosticado
com paralisia cerebral.
Separada do marido, Fabiana passou a levar o menino à Casa da Esperança
para receber tratamento específico, com a ajuda da avó dele. O garoto
foi crescendo, mas não conseguia andar nem falar, só engatinhava e
ficava sentado. Aos 9 anos, Raphael passou por uma cirurgia nas pernas e
ficou em uma cadeira de rodas. Logo depois, o surfe surgiu na vida
dele.
"Eu conheci um amigo do Cisco (surfista) que trabalha com fisioterapia e ele me indicou as aulas", lembra a mãe.
Os professores Cisco Araña e Carolina Leite com
Rapha, de 12 anos (Foto: Mariane Rossi/G1)
Rapha, de 12 anos (Foto: Mariane Rossi/G1)
Mesmo com medo, Fabiana resolveu levar o menino para a Escola Radical,
em Santos, a primeira pública de surfe no país, coordenada por Cisco
Araña. No primeiro dia de aula, Raphael não saía da cadeira de rodas.
Por causa da cirurgia, as pernas dele só ficavam esticadas e ainda não
haviam voltado ao normal.
"O Cisco o levou para o mar. Eu pensei que iriam afogar meu filho,
fiquei na areia olhando, eu tremia. No dia seguinte, fomos de novo",
revela a mãe.
O aluno e os professores (Foto: Mariane Rossi/G1)
O professor Leonardo Scarpa acompanhou Rapha, como ele começou a ser
chamado por todos, nos primeiros dias de aula. O instrutor lembra que o
garoto tinha muitas dificuldades de locomoção.
"Ele veio para cá no formato da cadeira de rodas, bem travadinho mesmo.
Ele não tinha muito controle do pescoço. Mas, pelo simples fato de
ficar deitado na prancha, ele tinha que levantar para não ir água no
rosto e na boca dele", explica.
O contato com o professor foi crescendo a cada aula. Antes de entrar no
mar, Scarpa incentivava Rapha a fazer exercícios de alongamento e
brincadeiras lúdicas. A intenção era fazer com que o garoto soltasse
mais as pernas e também sentisse a liberdade de uma vida em meio à
natureza.
"Como ele é criança, o importante é brincar mesmo. Por mais difícil que
seja, ele está aqui na praia, fazendo amigos, conhecendo pessoas. E,
por mais que seja adaptado, ele está se divertindo, fazendo uma
atividade de que gosta", destaca o professor.
Menino com paralisia cerebral passou a andar após ter aulas de surfe em Santos (Foto: Mariane Rossi/G1)
Depois de uma semana de surfe, as pernas de Rapha começaram a dobrar
novamente e ele voltou a engatinhar. Mas a grande superação do menino
ainda estava por vir.
"Aconteceu com 8 meses de aulas, foi no Dia das Mães. Eu fui colocar a
roupa na máquina de lavar e, quando voltei para a sala, ele estava em pé
e deu 8 passos. Foi uma surpresa", recorda a mãe. Segundo Fabiana, em
todas as consultas médicas, os profissionais afirmavam que seu filho
nunca daria um único passo.
Para a mãe do garoto, o esporte foi responsável pela melhora dele. "Eu
pensava que, com o surfe, não aconteceria nada, mas vi meu filho andar.
Eu estava esperando por isso há 10 anos. Foi muito rápido, foi o surfe",
afirma Fabiana.
Além disso, Raphael desenvolveu a fala. Os professores pediam que o
menino conversasse com eles, que deixasse de apontar para os objetos e
usasse palavras para dizer o que queria. "Ele tentava falar várias
vezes. Na terceira, conseguia falar direito", conta a mãe.
Raphael em cima da prancha no mar de Santos, litoral de São Paulo (Foto: Mariane Rossi/G1)
Agora, Rapha já largou a cadeira de rodas. Hoje, o menino caminha com
dificuldade até o mar, com a ajuda da mãe, dos colegas e professores da
escolinha de surfe.
"Ele não vê a hora de ir para a água. Eu só fico na torcida e, quando
ele pega uma onda, brinco dizendo que ele é o 'Titanic da Mamãe'", diz
Fabiana. Após o alongamento, Rapha entra na água com a ajuda dos
professores. O menino então sobe na prancha – usada normalmente por
pessoas cegas, já que é mais macia e tem algumas características que
melhoram a postura do deficiente –, dá meia-volta e aguarda uma onda
perfeita para fazer aquilo de que mais gosta.
Para o surfista Cisco Araña, a evolução do aluno foi resultado de um trabalho feito com amor. Ele conta que Rapha progrediu muito, tanto no aspecto físico quanto mental. E acredita que o esporte, principalmente o surfe, realmente pode mudar vidas.
Para o surfista Cisco Araña, a evolução do aluno foi resultado de um trabalho feito com amor. Ele conta que Rapha progrediu muito, tanto no aspecto físico quanto mental. E acredita que o esporte, principalmente o surfe, realmente pode mudar vidas.
"O mar tem vários minerais essenciais à saúde. O movimento das ondas
faz um trabalho para as pernas melhorarem, ajuda na articulação, na
lateralidade [predominância motora de um dos lados do corpo] e na
coordenação motora", explica Araña.
Segundo ele, também há a vitamina D vinda do sol e o ar puro da praia.
"A atmosfera de amor, de compartilhar com o outro, de trocar
experiências faz muita diferença, como fez para o Raphael", enumera o
surfista.
Garoto e professores depois de uma aula em
praia de Santos (Foto: Mariane Rossi/G1)
praia de Santos (Foto: Mariane Rossi/G1)
A professora Carolina Coelho Leite, que também acompanhou as aulas do
garoto, conta que o viu crescendo e se desenvolvendo. Para ela, Rapha é
um exemplo para muitos.
"Aqui é um ambiente que proporciona um novo desafio de se portar dentro
da água. Eu pego onda e, se para mim já é mágico, imagina para ele. É
uma lição de vida. O limite está na cabeça. É bem legal, eu agradeço
essa oportunidade", afirma a professora.
Já para o professor Leo, cada superação do garoto é uma alegria diária.
Além disso, ele percebe que Rapha fica animado a cada aula de surfe.
"Hoje, ele já brinca, é muito mais tranquilo. O que o motiva a vir aqui
é o oceano. É legal estar participando disso, mas o mérito é do mar",
diz. Além da melhora física, Leo acredita que o esporte ajuda na
autoestima e na vida social do menino.
"Para mim, é gratificante estar participando do processo. Foi o que
mais me motivou a ficar aqui. É uma amizade para sempre", ressalta o
professor.
Surfista Cisco Araña mostra a prancha usada
por alunos cegos (Foto: Mariane Rossi/G1)
por alunos cegos (Foto: Mariane Rossi/G1)
Surfe para deficientes
Cisco Araña foi o responsável por criar a escolinha pública de surfe de
Santos. Ele teve a oportunidade de lidar com pessoas de todas as idades
e com diversas deficiências, promovendo a inclusão. O professor
transformou o surfe não apenas em um esporte para essas pessoas, mas
também em um meio social para agregar idosos, deficientes e todos os
tipos de pessoa no mar.
O surfista criou uma prancha própria para cegos, especialmente para
Valdemir Pereira Corrêa, o Val, que foi o primeiro surfista com
deficiência visual do Brasil e começou a praticar o esporte em Santos.
"Ele fez muita diferença. A partir do Val, é que vieram outras pessoas.
Nós criamos a prancha, daí vieram os outros, com déficit de atenção,
síndrome de down, tetraplegia", lembra Araña.
O professor conta que o projeto foi surgindo aos poucos. "A primeira turma que veio para cá foi de surdos. A gente começou a trabalhar com eles, e o resultado foi positivo. Os desenhos vieram mais coloridos, começaram a reparar nas coisas e surgiram sorrisos", diz o surfista.
Agora, a ideia de Araña é criar, a partir de maio, um núcleo de terapia com pranchas adaptadas. Para isso, ele busca apoiadores para o projeto.
O professor conta que o projeto foi surgindo aos poucos. "A primeira turma que veio para cá foi de surdos. A gente começou a trabalhar com eles, e o resultado foi positivo. Os desenhos vieram mais coloridos, começaram a reparar nas coisas e surgiram sorrisos", diz o surfista.
Agora, a ideia de Araña é criar, a partir de maio, um núcleo de terapia com pranchas adaptadas. Para isso, ele busca apoiadores para o projeto.
"Vamos triplicar o nosso amor e a nossa doação por essa causa", acredita.
Professores e Raphael entram no mar para uma aula de surfe (Foto: Mariane Rossi/G1)
Rapha e o professor Leo, em cima da prancha (Foto: Mariane Rossi/G1)
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