27 fevereiro 2014
- “Sabia o demônio, antes da Paixão e da Morte de Jesus Cristo, que Ele era Deus? Em caso negativo, atualmente sabe que Jesus é Deus?” (Jolide – Petrópolis-RJ).
Antes da Paixão, logo no limiar da vida pública de Jesus, o demônio O quis tentar por três vezes, como referem os Evangelistas (Mateus 4,1-11; Lucas 4,1-13; Marcos 1,13).
Tal fato é claro indício de que o Maligno ignorava ser Jesus o próprio
Deus. Essa ignorância manteve-se até o fim da vida pública de Cristo,
pois São Paulo insinua que, se os demônios tivessem conhecido o plano
misterioso de Deus,“nunca teriam crucificado o Senhor da glória” (1Coríntios 2,8).
Satanás, porém, suspeitava que Jesus fosse um varão extraordinário,
escolhido por Deus para ser Profeta ou talvez mesmo o Messias aguardado —
o Messias que, conforme a opinião mais corrente em Israel, não seria
Deus em sentido próprio, mas poderia chamar-se “Filho de Deus” por ser
criatura muito unida à Divindade. Foi, portanto, para certificar-se da
missão messiânica (não propriamente para certificar-se da Divindade) de
Jesus e pô-la à prova que o demônio lhe fez as sugestões tentadoras,
usando da fórmula:“Se és o Filho de Deus…” (cf. Mateus 4,36);
note-se que a terceira sugestão, a qual prometia a Jesus a posse de
todos os reinos deste mundo (cf. Mateus 4,8-9), correspondia claramente
ao conceito de Messias mais propalado entre os judeus: o Messias
político, que libertaria Israel do jugo dos romanos e instauraria a
hegemonia internacional de sua nação.
Conforme Marcos 1,24, o demônio confessava que Jesus era o “Santo de Deus”. Este título, segundo a sua etimologia, significava “o homem posto à parte e consagrado ao serviço de Deus”; embora não fosse designação habitual do Messias, bem podia significar “o Salvador” (cf. a confissão de Pedro em João 6,69:“o Santo de Deus”).
O demônio teria então reconhecido em Jesus o Messias como o concebiam
os judeus: criatura eminente, não o próprio Deus Encarnado. São Lucas
confirma esta conclusão, quando narra: “Os demônios saíam de muitos
(possessos), clamando e dizendo: ‘Tu és o Filho de Deus!’; Ele, porém,
preceituando-lhes com poder, não os deixava falar, porque sabiam que era
o Cristo (=palavra grega correspondente ao hebraico ‘Messias’)'” (Lucas
4,41; cf. Marcos 1,34).
O fato de Jesus não permitir, no início da sua vida pública, que os
maus espíritos O proclamassem “Messias” se explica em vista da concepção
errônea que os fariseus nutriam a respeito do Messias; esperando um rei
que sacudisse o domínio estrangeiro, poderiam ter feito de Jesus um
chefe de revolução nacionalista, fechando-se assim por completo ao
genuíno sentido do Evangelho. Só aos poucos foi Cristo revelando o
significado da sua missão; o pensamento do Senhor ficou bem claro, pois
foi precisamente por se ter declarado Messias num sentido transcendente
que Ele sofreu a morte (cf. Marcos 14,61-84; Mateus 24,63-65; Lucas
22,67-71).
Quanto aos tempos atuais, ensinam os teólogos que o demônio não sabe
que Jesus é Deus no sentido estrito; não conhece o mistério do Verbo
Encarnado. Contudo percebe e analisa, ainda com mais acuidade do que os
homens, os indícios de que a obra de Cristo e a história da Igreja são
algo de Divino. Coagido pela evidencia, ele reconhece algo do plano de
Deus no mundo; este reconhecimento, porém, nada tem de sobrenatural; “os demônios creem, e estremecem”, diz São Tiago (2,19).
Satanás tem consciência, entre outras coisas, de que a morte e a
glorificação de Cristo lhe vão progressivamente arrebatando as almas;
seu domínio vai sendo debelado nas regiões e nos povos em que ele
outrora, pela idolatria e os falsos cultos, reinava incontestado.
Suspeita que seu poder terá fim; por isto, estremece (como diz o
Apóstolo) e se atira sobre as almas com furor cada vez mais requintado,
sabendo que é preciso aproveitar toda e qualquer oportunidade (cf.
Apocalipse 12,17). Vãs, porém, ficam as suas invectivas contra aqueles
que se firmam no Rochedo que é o Cristo (cf. 1Coríntios 10,4); o demônio
é como o cão acorrentado que ladra, mas só pode morder a quem, por
iniciativa própria, dele se aproxime (cf. Santo Agostinho)!
- Fonte: Revista Pergunte e Responderemos nº 4:1957 – ago/1957.
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