Por Carlos Sodré Lanna
Em
Ouro Preto, a maior festa barroca de todos os tempos e um dos eventos
religiosos e sociais mais exuberantes da América Portuguesa
Nos idos de 24 de maio de 1733 realizou-se a solene
transladação do Santíssimo Sacramento da Igreja de Nossa Senhora do
Rosário para a nova Matriz de Nossa Senhora do Pilar, na antiga Via
Rica, hoje Ouro Preto.
Nenhum outro acontecimento celebrado em Minas Gerais teve tal
esplendor, requinte de luxo e pompa, em plena opulência do ouro. Ele
representou grande demonstração do profundo espírito religioso,
conjugado a festividades populares, que se observava no Brasil do século
XVIII.
Antecedentes
A comemoração preliminar começou vários dias antes. Desde o final de
abril, dois grupos de pessoas ricamente vestidas, com bandeiras de Nossa
Senhora do Rosário e de Nossa Senhora do Pilar, tendo na outra face a
custódia do Santíssimo Sacramento, percorriam as ruas da cidade e
arredores, anunciando a futura solenidade.
No dia marcado para a procissão, a cidade amanheceu engalanada. No
percurso entre as duas igrejas, as ruas foram atapetadas com flores e
folhagens. Como homenagem dos moradores, nas janelas foram colocadas
sedas e damascos, em meio a adornos de ouro e prata. Nas ruas, cinco
arcos ornamentais, um deles de cera, e um altar para descanso do
Santíssimo Sacramento. Antes da saída do cortejo foi celebrada uma
Missa, durante a qual o Divino Sacramento esteve colocado em um braço de
Nossa Senhora, em lugar do Menino Jesus.
Iniciaram a procissão 32 cavaleiros vestidos como cristãos e mouros,
com dois carros de músicos instrumentistas e vocalistas. Vinham depois
romeiros ricamente trajados, e músicos com alegorias diversas. A seguir,
quatro figuras a cavalo, representando os ventos dos pontos cardeais.
Todas ricamente revestidas com diamante, ouro, renda, seda e plumas.
Ouro Preto
Seguia-se um personagem representando Ouro Preto, bairro de Vila Rica
onde estava situada a Nova Matriz do Pilar, para onde se dirigia o
cortejo. Ele trajava vestes de tecidos finos, ornamentados com ouro e
diamantes. Seu cavalo era igualmente ajaezado com ouro, prata,
esmeraldas e veludo.
Vinham depois as esplendorosas figuras representando os corpos
celestes: Lua, Marte, Mercúrio, Sol, Júpiter, Vênus e Saturno, todas com
deslumbrantes indumentárias e fartamente escoltados.
Matriz do Pilar |
A seguir aparecia a figura que representava a Igreja Matriz do Pilar,
com exuberantes ornamentos, portando um estandarte com a inscrição
“Nossa Senhora do Pilar” em um dos lados, do outro o desenho da custódia
eucarística.
Após essas figuras, sumariamente descritas, vinham as irmandades,
conduzindo andores com seus santos padroeiros e cruzes de prata. Entre
essas confrarias estavam as do Santíssimo Sacramento, de Nossa Senhora
do Rosário, de Santo Antonio, de Nossa Senhora da Conceição e de Nossa
Senhora do Pilar. Todos os participantes portavam trajes esplendorosos com acabamento em veludo e seda, ouro, prata e pedrarias.
Fechando a procissão, o Santíssimo Sacramento, conduzido pelo vigário da Matriz do Pilar, debaixo de um pálio de tela carmesim com ramos e franjas de ouro, sustentados por seis varas de prata.
Logo atrás o Conde de Galvêas, Governador de Minas Gerais, com autoridades civis e militares da Província e do Município.
Apoteose |
Com toda a população de Ouro Preto e arredores presente, foi uma
grande apoteose: sinos tocando, bandas musicais, fogos e cânticos em
homenagem ao Santíssimo Sacramento. Os festejos prolongaram-se por três
dias, com Missas solenes, cavalhadas, corrida de touros e fogos de
artifício.
O Triunfo Eucarístico foi sem dúvida a maior festa barroca de todos
os tempos e um dos eventos religiosos e sociais mais exuberantes da
América Portuguesa.
Em seu livro O Triunfo Eucarístico – Exemplar da Cristandade
Lusitana, publicado em 1734, Simão Ferreira Machado, português residente
em Minas Gerais, se refere aos seus compatriotas como sendo “os
senhores dos mais finos diamantes de todo o mundo, em um momento ao qual
referiu não ter tido lembrança que visse no Brasil, nem consta, que se
visse na América ato de maior grandeza”.
Na Minas Gerais barroca, um Brasil autêntico que infelizmente se foi…
Mas nessas fulgurações da nacionalidade encontra-se a luz que ainda
pode nos indicar o caminho a retomar com vistas ao futuro. Luz que
brilha na constelação do Cruzeiro do Sul. Luz que se chama Civilização
Cristã.
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Fontes de referência:
1. Joaquim Furtado de Menezes, Igrejas e Irmandades de Ouro
Preto. Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas
Gerais, Belo Horizonte, 1962.
2. Eponina Ruas, Ouro Preto – Sua História, Templos e Monumentos, Departamento de Imprensa Nacional
Rio de Janeiro, 1950.
3. Paulo Kruger Corrêa Mourão, As Igrejas setecentistas de Minas, Editora Itatiaia, Belo Horizonte, 1964.
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