quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

“Os bispos já não transferem nem colocam em outras paróquias os sacerdotes abusadores”, afirma o cardeal Turkson

IHU - Passou quase um ano desde que foi eleito Papa, mas os problemas que o Vaticano sofria antes da eleição de Francisco continuam. A Comissão de Direitos da Criança das Nações Unidas criticou o Vaticano por não agir decisivamente contra o abuso de menores. Os defensores dos direitos dos homossexuais continuam enfrentando a Igreja por sua posição em relação ao tema. Segue entrevista com o cardeal Peter Turkson (foto), presidente do Pontifício Conselho Justiça e Paz.
Fonte: http://bit.ly/1lxRXnN
A entrevista está publicada no sítio BBC, 10-09-2014. A tradução é de André Langer.
Eis a entrevista.

Cardeal Turkson, quando a Uganda debatia recentemente sua lei contra os homossexuais, você disse que a intensidade da reação sobre temas gay não leva em conta a tradição desses países. O que quis dizer com isto?

Em muitas sociedades tradicionais da África, as relações entre pessoas do mesmo sexo são consideradas tabu e por isso não são toleradas. Não é apenas em Uganda; a Nigéria também legislou contra estas relações.

Então você diz que atormentar, perseguir, prender e, em alguns casos, matar homossexuais em alguns países da África e outros lugares deveria ser entendido porque está demarcado por uma tradição cultural?

Você está mudando minhas palavras. Quando alguém pergunta por que um grupo de pessoas age de determinada maneira, seria importante que a gente procurasse entender. Procurar entender não é o mesmo que justificar.

Mas, como você procura entender a perseguição de homossexuais em seu continente?

Se em uma sociedade em que a taxa de natalidade é tão importante para o aumento do número da população de uma localidade, uma localidade, por exemplo, que sofre de um alto grau de mortalidade infantil, para comunidades assim aumentar o número de pessoas é crucial.

Contudo, outras práticas, como a mutilação genital feminina, estão muito inseridas na tradição cultural africana. Você vai dizer que devemos entender isso também?

Não. O que estou dizendo é que é muito difícil entender qualquer elemento da realidade sem ter certa dose de compreensão histórica. Esse entendimento da História nos permite depois dizer: “com o que conhecemos agora, de acordo com o desenvolvimento contemporâneo, vamos continuar a fazer estas coisas?” Explicação não é o mesmo que justificação. Há uma diferença. É como o caso do comércio de escravos. Naquele momento da História as pessoas encontraram razões para justificá-lo. Precisamos entender essas razões.

Mas o condenamos, e você não está condenando agora estas práticas.

O condenamos, mas a partir do nosso presente.

Você, por exemplo, disse que a hostilidade da África para com a homossexualidade ajudará esse continente a proteger-se dos abusos. Você foi criticado por essa declaração porque você está misturando duas coisas, e a homossexualidade é muito diferente do abuso de menores.

Eu aceito que são coisas diferentes.

Falando de abusos de menores. A Comissão de Direitos da Criança da ONU criticou o Vaticano. Por exemplo, alegando que a Igreja católica não abriu seus arquivos sobre estes casos. Por que o Vaticano não tem sido mais transparente a este respeito?

Nós não podemos concluir que o Vaticano tem arquivos de abusos de menores em todo o mundo. O Vaticano reconheceu a necessidade de ajudar todas as vítimas, o Vaticano decidiu assinar esta Convenção que o levou a Genebra para ser interrogado, o Vaticano mostrou sua colaboração com todas as organizações de ajuda às vítimas. Se há arquivos destes casos, estes devem ser procurados nas dioceses. Ali deve ser buscada a informação sobre as vítimas e os abusadores.

Mas, uma pergunta que as pessoas se fazem é se a Igreja informou sobre estes abusos as autoridades seculares que protegem a lei nesses países.

Definitivamente.

Mas não é o que diz o relatório. O relatório diz que há provas de sacerdotes que cometeram abusos em suas paróquias e depois eram transferidos para outras paróquias, inclusive outros países.

Aqui é quando eu digo que é preciso certa compreensão histórica. O Vaticano, neste momento, agora, entende que tem estes problemas e concorda em colaborar com os organismos que tratam deste problema. E disse aos seus bispos para que reconheçam que as autoridades civis dos lugares onde estes sacerdotes vivem são os responsáveis. Que qualquer abusador deve enfrentar a lei do país onde vive. Contudo, o relatório da ONU diz que a Igreja implementou políticas que permitem a continuação dos abusos e da impunidade dos agressores. Volto à história, embora você diga que não. Com o passar do tempo, nossa compreensão deste fenômeno aumentou e mudou. Houve um tempo em que os bispos que sabiam de um abuso de um menor por parte de um sacerdote pensavam que se podia resolver o problema levando o sacerdote a um hospital para tratamento. Era isso que faziam.

Mas agora vocês expulsam o indivíduo de seu lugar na Igreja? O que fazem?

O entendimento dos bispos mudou. Os bispos já não os transferem. Não são colocados à frente de outras paróquias.

Mas, são expulsos?

Você se refere a laicizar? Existe um processo determinado que o bispo deve encarar. Se depois disso se chega à conclusão que o sacerdote deve ser reduzido ao estado laical, será reduzido. Mas também penso que o bispo tentará ajudar o sacerdote.

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