IHU - “Não encontrei nenhuma
outra pessoa ou organismo que tenha respondido ao questionário, a não
ser talvez ‘em segredo’”, diz o ex-vice-presidente Mundial do Movimento
Familiar Cristão.
Foto: Missão Edificar |
“Houve uma reação silenciosa da Igreja local, indiferente à difusão efetiva desses questionamentos provocativos”, declara Helio Amorim, ao comentar a divulgação do questionário do Sínodo Extraordinário para a Família entre os católicos brasileiros. O questionário foi elaborado e enviado pelo Vaticano às dioceses do mundo inteiro, como documento preparatório da III Assembleia Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos sobre a Família, convocada pelo Papa Francisco para outubro de 2014. O questionário deveria ser respondido até o mês de janeiro.
De acordo com Helio Amorim, entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, poucos católicos souberam do questionário no Brasil,
ou “aparentemente, não lhe deram importância ou, ainda, tiveram
preguiça de responder a essa extensa e surpreendente pesquisa do Vaticano”.
Membro do Movimento Familiar Cristão - MFC, ele informa que também em seu grupo “não houve manifestações ou divulgação motivadora”. E relata: “Tentei divulgar o questionário do Sínodo
entre todos que estão na minha lista de amigos e internautas.
Respostas: zero. Fui convidado por amigos para uma reunião de pessoas
engajadas e maduras.
Presentes o Leonardo Boff, o padre chileno que motivou essa reunião de 20 pessoas, convocadas por serem leigos atuantes, mais professores da PUC, teólogos/as. Nenhum dos presentes sabia desse questionário! Apenas um dos presentes tinha recebido, mas não havia respondido”.
De acordo com Amorim,
no grupo de 20 pessoas do qual participou, as questões que mais
despertaram polêmica foram as relacionadas “à teimosa norma da
indissolubilidade do casamento cristão, sem a possibilidade de novo casamento (...); por consequência, a ‘excomunhão’
sem lógica nem caridade dos recasados, proibidos de participar
efetivamente da eucaristia, portanto o único ‘pecado’ sem perdão (o que
não se aplica ao assassino da esposa que, tendo se confessado e se
arrependido, foi perdoado.)”.
Helio Amorim é ex-presidente Nacional e Latino-Americano do Movimento Familiar Cristão - MFC e ex-vice-presidente mundial do MFC.
Foto: Testemunho de Fé |
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Como o questionário do Sínodo Extraordinário para a Família está sendo divulgado e discutido no Brasil entre os leigos? Na Alemanha, Áustria e Inglaterra há bastante repercussão, inclusive Igrejas inglesas recorreram à internet para distribuir o questionário entre os católicos.
Helio Amorim - Acho que vou decepcioná-la. Tentei divulgar o questionário do Sínodo
entre todos que estão na minha lista de amigos e internautas.
Respostas: zero. Fui convidado por amigos para uma reunião de pessoas
engajadas e maduras. Presentes o Leonardo Boff, o padre
chileno que motivou essa reunião de 20 pessoas, convocadas por serem
leigos atuantes, mais professores da PUC, teólogos/as. Nenhum dos
presentes sabia desse questionário! Apenas um dos presentes tinha
recebido, mas não havia respondido.
Não encontrei nenhuma outra pessoa ou organismo que tenha respondido ao questionário, a não ser talvez “em segredo”. Na paróquia que frequento, o pároco convocou um pequeno grupo de paroquianos para responder a “uma parte das perguntas” do questionário, “selecionadas” por ele, “por ser muito extenso”.
IHU On-Line - Que avaliação o Movimento Familiar Cristão fez do questionário do Sínodo Extraordinário para a Família e como se organizaram para respondê-lo?
Helio Amorim - Também no Movimento Familiar Cristão,
ao menos da nossa pequena equipe de 20 pessoas, não houve manifestações
ou divulgação motivadora. Em suma, poucos souberam do questionário ou,
aparentemente, não lhe deram importância ou, ainda, tiveram preguiça de
responder a essa extensa e surpreendente pesquisa do Vaticano.
Finalmente, nossa pequena equipe respondeu, enviei as respostas à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB (Presidente e Secretário Geral e outros membros destacados da Conferência), ao Conselho Nacional do Laicato do Brasil - CNLB, a todos pedindo que enviassem o nosso trabalho ao Vaticano. No questionário não havia nenhuma indicação sobre como nem para quem enviar as respostas.
|
IHU On-Line - Como o questionário foi discutido e distribuído pela CNBB? A CNBB tem uma diretriz de como os bispos devem proceder em relação à distribuição e resposta do questionário?
Helio Amorim - Tampouco conheço qualquer iniciativa visível da CNBB para a divulgação ampla do questionário. Aparentemente foi enviado aos bispos e por estes (todos?)
encaminhado às paróquias, não aos meios de comunicação, para
conhecimento amplo dessa consulta inédita do Papa para estimular
respostas de leigos, como foi feito em outros países. Posso estar sendo
injusto, mas acho que houve uma reação silenciosa da Igreja local, indiferente à difusão efetiva desses questionamentos provocativos.
Nossas respostas foram discutidas na nossa equipe do MFC, pequena, mas qualificada, durante mais de um mês. Fazem parte da nossa equipe os coordenadores estadual e municipal do MFC Rio de Janeiro, o que dá a ela um certo peso.
IHU On-Line - Como vê a iniciativa do papa Francisco de pedir que os leigos sejam consultados e inclusive respondam ao questionário?
Helio Amorim - A iniciativa surpreendente do papa Francisco
abre caminho para uma nova atmosfera de confiança no laicato e a
expectativa de profundas mudanças nas estruturas e numa visão de Igreja
participativa, menos autoritária e defensiva de normas e princípios
ultrapassados na história contemporânea. O êxodo de fiéis católicos para
outras igrejas ou para nenhuma igreja é impressionante. Na Europa,
muito mais do que na América Latina. Também nos Estados Unidos, esse retrocesso é importante e ganham expressão maior os setores mais conservadores da Igreja norte-americana.
IHU On-Line - Quais questões foram mais polêmicas de serem respondidas?
Helio Amorim -
Avaliamos, sem uma consulta específica, mas imersos na vida da Igreja, e
observamos que muitos católicos, adultos na fé e ativos na
transformação da sociedade, não foram incentivados a responder ao
questionário. Entretanto, estamos seguros de que as respostas deles às
perguntas mais provocativas estariam próximas das que encaminhamos.
Referem-se à teimosa norma da indissolubilidade do casamento cristão,
sem a possibilidade de novo casamento, talvez mesmo mais cristão do que o
desfeito, ante realidades cruéis e desumanas da relação conjugal
fracassada; por consequência, a “excomunhão” sem lógica nem caridade dos recasados, proibidos de participar efetivamente da eucaristia, portanto o único “pecado”
sem perdão (o que não se aplica ao assassino da esposa que, tendo se
confessado e se arrependido, foi perdoado). Também, a proibição imposta
ao casamento dos padres
com a fuga pela renúncia crescente da ordem (em nossa equipe participam
quatro felizes padres casados); a já quase extinta neurose eclesiástica
contra o uso de preservativos médicos para regular uma paternidade
responsável que já prejudicou, por décadas, casais cristãos; e outras
questões centrais no campo do casamento e da família, temas do sínodo
deste ano.
“Percebe-se claramente essa quebra de paradigmas nas novas gerações, às vezes como impulso de autoafirmação” |
IHU On-Line - A problemática da família ainda é valorizada nas discussões da Igreja brasileira? Por onde perpassa esse debate?
Helio Amorim - O tema
família é muito valorizado e caro a todos os católicos, leigos e
clérigos, mas os aspectos valorizados não são os mesmos para todos.
Ainda predomina uma visão da família tradicional e seus valores
absolutos, que não se atualizaram para acolher os novos desafios da
sociedade moderna ou pós-moderna.
O cenário mudou. Os atores mudaram.
Casais divorciados e recasados, antes evitados socialmente e vistos por
muitos como exceções lamentáveis, são hoje tranquilamente acolhidos sem
restrições ou rejeição social. Nada obstante, a família de casados ou
recasados segue muito valorizada, mesmo pelos jovens que, muitas vezes,
constituem sua nova família dispensando ritos religiosos ou mesmo
legais. São posturas talvez provocativas para a sociedade, própria dessa
fase juvenil. Mais tarde, acabam aceitando esse formalismo, após “um tempo de prova”.
O fato é que se percebe claramente essa
quebra de paradigmas nas novas gerações, às vezes como impulso de
autoafirmação. Entretanto, pode-se afirmar que a instituição família
segue muito valorizada por todos, e sua problemática é estudada e
cuidada por muitas organizações e movimentos de inspiração humanística e
religiosa.
IHU On-Line - Qual a contribuição específica que a experiência da Igreja do Brasil pode dar ao Sínodo?
Helio Amorim - Sendo o
povo brasileiro ainda predominantemente católico, embora os índices
estatísticos confirmem uma cadência para apenas metade da população do
Brasil, com tendência de queda, essa realidade deveria ser levada e
discutida no Sínodo. Quais as razões dessa dispersão? Acreditamos que os
bispos tenham a resposta. Tivemos décadas de papados incapazes de viver
uma Igreja cativante, atuante fora dos seus limites,
denunciando toda e qualquer injustiça ou violência no mundo,
repreendendo governos e grupos que mantêm destruidores e sangrentos
conflitos, acirrando ódios que atravessam gerações.
O papa Francisco
inaugurou uma postura proativa, arquivou o silêncio e a prudência, está
atento ao que se passa no mundo e não se cala. Os discursos e
posicionamentos desse primeiro ano de papado já mudaram a face da Igreja,
que se torna não só portadora do anúncio evangélico, mas deixa de ser
alienada ou pouco corajosa na denúncia que é inseparável daquele
anúncio.
“O papa Francisco inaugurou uma postura proativa, arquivou o silêncio e a prudência, está atento ao que se passa no mundo e não se cala” |
IHU On-Line - Alguns setores da Igreja foram contrários ao questionário. Ao mesmo tempo grupos de católicos divulgaram o questionário nas redes. Como vê ações como essa? O que elas indicam?
Helio Amorim - Creio que Francisco já sabe ou mesmo sabia antes o que o esperava por essa postura ausente do Vaticano
há tanto tempo. O que já se percebe é uma reação de grupos mais
conservadores, com medo das consequências esperadas dessa postura
crítica exigida dos cristãos. Já não se pode tolerar a passividade e a
acomodação. As injustiças estão por toda parte nos países, cidades,
bairros onde residimos e nas nossas próprias famílias. Dois terços da
população mundial não têm recursos para atender suas necessidades
básicas, enquanto do outro lado prevalece o desperdício de bens e
dinheiro para manter o conforto e segurança dos abastados. Esse quadro é
injusto e instável, gerador de guerras e mortes. Não pode prevalecer
por futuras gerações. O papa assumiu essa missão e logo desencadeou
falas e gestos concretos. Deus o proteja.
IHU On-Line - Já é possível avaliar quais são os resultados da distribuição do questionário? Já está sendo feita uma síntese das respostas?
Helio Amorim - Para mim, as respostas soam como estridente silêncio. Nada na mídia, nada nas falas da Igreja para a população majoritariamente católica (ainda). Certamente uma síntese já está sendo feita no Vaticano,
talvez por amostragem, por ser impossível processar centenas de
milhares de respostas em sete idiomas. Na verdade o importante foi o
movimento provocado de avaliação crítica dos cristãos em seus países,
desencadeado mundo afora, mesmo sabendo ser impossível a leitura senão
de uma pequena amostragem de questionários respondidos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário