IHU - Na Igreja Católica da Alemanha, espalha-se um sentimento de libertação. Bispos como Ackermann, de Trier, ou Overbeck, de Essen, se expressam sem medo sobre moral sexual ou celibato. E, apesar disso, até mesmo no Vaticano são vistos como possíveis candidatos para a sucessão do cardeal Meisner, de Colônia.
A reportagem é de Daniel Deckers, publicada no jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung, 07-02-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto
Muitos são os chamados, mas poucos os escolhidos – mas por quem e
para quê? No que diz respeito às nomeações episcopais da Igreja Católica
na Alemanha, até pouco tempo atrás, foi relativamente
fácil responder a essa pergunta. Nos anos 1990, quem tinha expressado
argumentos contrários à opinião defendida pelo cardeal Joseph Ratzinger
no debate a favor ou contra a presença da Igreja Católica nas clínicas
de planejamento familiar certamente não podia contar com sua presença na
terna de nomes proposta ao Vaticano, a partir da qual os capítulos da catedral, com base na concordata da Prússia e de Baden, tinham que escolher um candidato a bispo. E, mesmo nas nomeações "livres" dos bispos por parte de João Paulo II e Bento XVI, podia-se ter a certeza de que, para todos os candidatos, houvera um exame aprofundado sobre a sua chamada fidelidade ao papa.
Certamente, o critério da fidelidade ao papa era composta por mais de
um elemento. A atitude com relação às clínicas de planejamento familiar
devia ser posto no âmbito da política eclesiástica e da obediência
pura. Em um nível mais importante da ortodoxia, eram levados em conta
dois outros elementos: a posição dos candidatos em relação ao problema
da ordenação de mulheres e ao da ética sexual, particularmente em
relação à proibição da contracepção artificial definido pela encíclica Humanae vitae, de Paulo VI, em 1968.
Eclesiásticos sobre os quais se sabia ou se dizia, de uma forma ou de
outra, algo negativo podiam ter a certeza de que não se tornariam uma
coisa: bispos. Além disso, o mesmo valia para a concessão do "nada
obsta", como pressuposto para a nomeação a uma cátedra em uma faculdade
teológica católica, seja em instituições estatais, seja em
eclesiásticas.
Eliminação de aspirantes a bispo não fiéis ao papa
Os efeitos desses tabus, que exortam ao silêncio, de discursos
motivados acadêmica ou pastoralmente, entretanto, são muito
perceptíveis. Razão pela qual jovens levas acadêmicas nas faculdades de
teologia moral são escassas, assim como em qualquer outra faculdade:
quem esperava uma carreira acadêmica era aconselhado a ficar longe de
potenciais "zonas perigosas" no âmbito da moral sexual.
O resultado: nos debates dentro da sociedade sobre questões éticas
como eutanásia, doação de órgãos ou diagnóstico de pré-implantação, a
voz da teologia moral é cada vez menos ouvida. As exceções, como o
teólogo moral Eberhard Schockenhoff, confirmam a regra.
Mesmo nas fileiras dos bispos, a desconfiança generalizada com
relação à teologia acadêmica alemã e a eliminação sistemática de
candidatos sobre os quais se dizia que não eram "fiéis ao papa" deixaram
suas marcas há muito tempo.
Por isso, entre os bispos que foram escolhidos ou nomeados nos
últimos 20 anos, muito poucos são aqueles que foram professores, como Karl Lehmann ou Walter Kasper antigamente. O cardeal de Munique, Reinhard Marx, antes da sua nomeação como bispo auxiliar de Paderborn, em 1996, lecionou sociologia cristã por alguns meses. O bispo de Limburg, Franz-Peter Tebartz-van Elst, tivera somente por dois anos uma cátedra de teologia pastoral e liturgia em Passau.
Sobre o bispo de Regensburg, Rudolf Voderholzer, apenas poucos "iniciados" sabiam, que ele era titular de uma cátedra em Trier. Só o antecessor de Voderholzer, Gerhard Ludwig Müller, podia ostentar uma reputação internacional. O aluno do professor Karl Lehmann e atual prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé ensinava há vários anos na Universidade de Munique antes da sua nomeação a Regensburg, em 2002.
O questionário sobre a família
Pensando nas palavras do Papa Francisco sobre as
qualidades que os bispos deveriam ter, nos próximos anos também deve
haver muito poucos estudiosos entre os bispos alemães. Aos embaixadores
do papa (os núncios), aos quais é confiado um papel-chave na escolha dos
candidatos em cada país, o Papa Francisco disse em
junho passado que os grandes teólogos devem permanecer nas universidades
e nelas fazer o bem. "É de pastores que precisamos!"
A partir de 13 de março de 2013, a fidelidade ao papa devia ser
demonstrada de modos diferentes do silêncio ou da defesa da moral
católica baseada em proibições. Na realidade, não sabemos se o
questionário, que está a base de um julgamento sobre o caráter de um
potencial candidato para bispo, foi elaborado depois do início do cargo
do Papa Francisco ou se simplesmente foi apagada a referência à Humanae vitae. Mas os bispos alemães não renunciaram, em novembro passado, sob a liderança do seu presidente cessante, Robert Zollitsch, a tornar público o questionário vaticano
para a preparação do próximo Sínodo dos Bispos sobre o tema da família e
a pedir informações aos fiéis sobre a sua posição com relação à
regulamentação dos nascimentos, aos divorciados em segunda união ou à
homossexualidade.
Ainda mais: bispos como o cardeal de Mainz, Lehmann, e o próprio cardeal de Colônia, Meisner, pessoalmente tornaram públicos os resultados facetados que as perguntas, na sua maior parte, tiveram. Mas ainda mais: a Conferência dos Bispos da Alemanha
foi (até agora) a única, ao lado da suíça, a tornar pública a "sua"
resposta às perguntas vaticanas – uma síntese honesta e precisa das
cerca de 10 mil (não inesperadas) respostas dos católicos alemães.
Essas respostas podem ser lidas, segundo muitos, como se, com a iniciativa do Vaticano,
tivesse sido tirado um peso enorme dos ombros dos fiéis. E eles não são
os únicos a ter esse sentimento de libertação. Dois dos bispos mais
jovens, Stephan Ackermann, de Trier, de 51 anos, e Franz-Josef Overbeck, de apenas 49, bispo de Essen e, ao mesmo tempo, bispo militar católico, mas em parte também o cardeal Marx, de Munique,
se expressam publicamente, de maneira decididamente intrépida e
fundamentada sobre todas as questões espinhosas na Igreja, do A, de Angst (medo), passando pelo H, de Homosexualität (homossexualidade), ao Z de Zölibat (celibato), de uma forma que, até um ano atrás, era quase impensável.
Zukunft auf katholisch
Esse desenvolvimento não pode ser explicado apenas pelo efeito Francisco. Overbeck refere-se claramente a que muita coisa mudou nos seus cinco anos como bispo de Ruhr.
Pouco depois da sua nomeação a bispo, ele tinha se deixado provocar em
um programa de TV, chegando a declarar que os homossexuais eram
pecadores. Nesse meio tempo, ele se tornou o bispo que, na Alemanha, se
ocupa do modo mais aprofundado dos aspectos pastorais das muitas formas
de vida as quais a hierarquia da Igreja cola o rótulo de "irregulares".
Além do processo de diálogo da diocese de Essen intitulado Zukunft auf katholisch ("Futuro em língua católica", disponível em www.zukunft-auf-katholisch.de),
nasceu nesse meio tempo uma imagem de futuro que quer levar em
consideração as mudanças radicais da paisagem religiosa do século XXI.
Nos últimos anos, Ackermann também viveu muitos processos de aprendizagem. Desde 2010, como encarregado pela Conferência dos Bispos da Alemanha
por todos os problemas ligados aos abusos sexuais, ele se encontra
olhando para abismos humanos e institucionais infinitos. E foi o
primeiro bispo diocesanos há décadas a convocar um sínodo chamado de
"assembleia diocesana".
Não é de se admirar que ambos os nomes sempre voltem cada vez mais
frequentemente quando se trata da cobertura de muitas sedes episcopais
que estão atualmente vagas ou que o serão nos próximos anos – em
primeiro lugar, a sucessão do cardeal Meisner, de Colônia. A esse respeito, há um ano, poderíamos estar certos de que os nomes de Overbeck e Ackermann seriam os primeiros a ser apagados das listas de candidatos em Roma.
Enquanto isso, parece que, em Roma, muitos esperam que os vários capítulos da catedral encontrem a coragem de propor personalidades fortes.
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