terça-feira, 18 de março de 2014

A Igreja e o aborto - Parte I

Uma síntese histórica

São Paulo, (Zenit.org)
Por Ivanaldo Santos

“Causa horror o simples pensamento de que existam crianças que jamais poderão ver a luz do dia, vítimas do aborto” (Papa Francisco).



Atualmente, o Brasil e o mundo vivem uma nova onda de manifestações e pressões políticas, econômicas e midiáticas para a legalização do aborto. Numa situação como essa, como sempre a Igreja Católica, fiel aos ensinamentos de Jesus Cristo e a tradição herdada diretamente dos apóstolos, se posiciona totalmente contrária à legalização do aborto e de qualquer outra manifestação da cultura da morte (eutanásia, infanticídio, etc). O motivo dessa posição é simples: o aborto é uma forma direta e radical de ferir e de negar o direito fundamental à vida. Direito este concedido por Deus a sua “imagem e semelhança” (Genesis 1, 26), ou seja, ao ser humano.

Entretanto, circulam em veículos midiáticos, em ambientes universitários, em grupos que defendem o aborto e até mesmo dentro da própria Igreja um argumento que afirma, dentre outras coisas, que a Igreja já tolerou o aborto e que, por isso, as atuais sanções da Igreja contra essa prática podem ser retiradas. Se isso acontecer, a Igreja passaria a apoiar o aborto, pelo menos passaria a apoiar algum tipo de aborto, alguma forma de manifestação da prática abortiva.

Esse tipo de argumento pode ser encontrado, por exemplo, na edição do mês de março de 2011 da revista Super Interessante[i]. Nessa edição, a revista traz o argumento que a interrupção da gravidez só se tornou pecado em 1869, por causa de um acordo entre o Papa Pio IX e o imperador francês Napoleão III. De acordo com a revista, isso aconteceu porque a França passava por uma crise de baixa natalidade que incomodava os planos de industrialização do governante. Então, motivado por questões políticas, o Papa disse para a população que a partir daquele momento o aborto – em qualquer fase da gravidez – era pecado. Até aquele ano, a Igreja oscilava entre condenar ou admitir o aborto em certas fases da gravidez de acordo com o contexto histórico. De acordo com a revista Super Interessante a condenação da Igreja ao aborto dada da segunda metade do século XIX, logo é uma condenação muito recente. Vale salientar que esse e outros argumentos são utilizados por grupos pró-aborto para afirmarem que a prática abortiva é válida. 

Não se trata de buscar dar explicações a Super Interessante, pois esse tipo de revista “busca polemizar ao invés de informar”[ii]. Entretanto, a matéria da Super Interessante é muito superficial e tendenciosa. O motivo é que o citado acordo não é exatamente entre o Papa Pio IX e o imperador francês Napoleão III, mas sim entre o Papa e o Estado francês. Esse acordo tinha por objetivo restabelecer e garantir o culto cristão dentro da França. O motivo desse acordo foi o fato de durante a revolução francesa e durante os sucessivos governos que seguiram essa revolução, as atividades da Igreja Católica praticamente ficaram proibidas. O acordo, que foi citado pela revista Super Interessante, realizado em 1869 não dispunha exatamente sobre a proibição do aborto, mas, dentro das suas regras, existe a reafirmação da doutrina da Igreja sobre o homem e a sociedade. Essa doutrina tem como um dos seus pontos basilares, a defesa da vida e, por conseguinte, a condenação do aborto. Uma prova de que muito antes do ano de 1869 a Igreja e os cristãos já condenavam o aborto é que, sob forte influência dos ideais cristãos, na “França, até a Revolução Francesa, os médicos, os cirurgiões e as parteiras que praticassem aborto seriam condenados à forca. Com o advento da Revolução Francesa esta pena foi reduzida para vinte anos de cadeia”[iii].

É comum se encontrar argumentos e pessoas que dizem que, no passado, a Igreja já defendeu o aborto e que existe na Bíblia algum tipo de fundamento para a prática abortiva. Esse tipo de discussão aparece até mesmo em setores da Igreja, setores que se alto proclamam de progressistas, revolucionários e de vanguarda teológica. Um bom exemplo disso é a conflituosa e problemática relação existente entre a Teologia da Libertação (TL) e o aborto[iv]. No entanto, nenhum setor da sociedade que defende o aborto consegue apresentar uma única prova histórica, bíblica ou doutrinal que a Igreja Católica, em algum momento de sua história, defendeu o aborto. Tudo não passa de especulações no estilo: eu ouvi dizer. 

[Continua amanhã...]
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[i] UMA VERDADE INCONVENIENTE: A IGREJA CATÓLICA JÁ TOLEROU O ABORTO. In: Super Interessante, Edição Especial, março de 2011.

[ii] É VERDADE QUE A IGREJA CATÓLICA NEM SEMPRE CONDENOU O ABORTO?. In: Presbíteros, p. 1. Disponível em http://www.presbiteros.com.br/site/e-verdade-que-a-igreja-catolica-nem-sempre-condenou-o-aborto/. Acessado em 28/01/2014. 

[iii] HISTÓRIA DA FORMAÇÃO DA PROBLEMÁTICA DO ABORTO. E-Book, p. 36. Disponível em http://www.documentacatholicaomnia.eu/03d/sine-data,_AA_VV,_Historia_Da_Formacao_Da_Problematica_Do_Aborto,_PT.pdf. Acessado em 29/01/2014.

[iv] Sobre as relações conflituosas e problemáticas existentes entre a Teologia da Libertação e o aborto, recomenda-se consultar: SANTOS, Ivanaldo. A Teologia da Libertação e o aborto. In: SANTOS, Ivanaldo. (Org.). Teologia da Libertação: ensaios e reflexões. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2010, p. 165-193.

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