Uma síntese histórica
São Paulo,
(Zenit.org)
Por
Ivanaldo Santos
“Causa horror o simples pensamento de que existam crianças que jamais poderão ver a luz do dia, vítimas do aborto” (Papa Francisco).
Atualmente, o Brasil e o mundo vivem uma nova onda de manifestações
e pressões políticas, econômicas e midiáticas para a legalização do
aborto. Numa situação como essa, como sempre a Igreja Católica, fiel aos
ensinamentos de Jesus Cristo e a tradição herdada diretamente dos
apóstolos, se posiciona totalmente contrária à legalização do aborto e
de qualquer outra manifestação da cultura da morte (eutanásia,
infanticídio, etc). O motivo dessa posição é simples: o aborto é uma
forma direta e radical de ferir e de negar o direito fundamental à vida.
Direito este concedido por Deus a sua “imagem e semelhança” (Genesis 1,
26), ou seja, ao ser humano.
Entretanto, circulam em veículos midiáticos, em ambientes
universitários, em grupos que defendem o aborto e até mesmo dentro da
própria Igreja um argumento que afirma, dentre outras coisas, que a
Igreja já tolerou o aborto e que, por isso, as atuais sanções da Igreja
contra essa prática podem ser retiradas. Se isso acontecer, a Igreja
passaria a apoiar o aborto, pelo menos passaria a apoiar algum tipo de
aborto, alguma forma de manifestação da prática abortiva.
Esse tipo de argumento pode ser encontrado, por exemplo, na edição do mês de março de 2011 da revista Super Interessante[i].
Nessa edição, a revista traz o argumento que a interrupção da gravidez
só se tornou pecado em 1869, por causa de um acordo entre o Papa Pio IX e
o imperador francês Napoleão III. De acordo com a revista, isso
aconteceu porque a França passava por uma crise de baixa natalidade que
incomodava os planos de industrialização do governante. Então, motivado
por questões políticas, o Papa disse para a população que a partir
daquele momento o aborto – em qualquer fase da gravidez – era pecado.
Até aquele ano, a Igreja oscilava entre condenar ou admitir o aborto em
certas fases da gravidez de acordo com o contexto histórico. De acordo
com a revista Super Interessante a condenação da Igreja ao
aborto dada da segunda metade do século XIX, logo é uma condenação muito
recente. Vale salientar que esse e outros argumentos são utilizados por
grupos pró-aborto para afirmarem que a prática abortiva é válida.
Não se trata de buscar dar explicações a Super Interessante, pois esse tipo de revista “busca polemizar ao invés de informar”[ii]. Entretanto, a matéria da Super Interessante é
muito superficial e tendenciosa. O motivo é que o citado acordo não é
exatamente entre o Papa Pio IX e o imperador francês Napoleão III, mas
sim entre o Papa e o Estado francês. Esse acordo tinha por objetivo
restabelecer e garantir o culto cristão dentro da França. O motivo desse
acordo foi o fato de durante a revolução francesa e durante os
sucessivos governos que seguiram essa revolução, as atividades da Igreja
Católica praticamente ficaram proibidas. O acordo, que foi citado pela
revista Super Interessante, realizado em 1869 não dispunha
exatamente sobre a proibição do aborto, mas, dentro das suas regras,
existe a reafirmação da doutrina da Igreja sobre o homem e a sociedade.
Essa doutrina tem como um dos seus pontos basilares, a defesa da vida e,
por conseguinte, a condenação do aborto. Uma prova de que muito antes
do ano de 1869 a Igreja e os cristãos já condenavam o aborto é que, sob
forte influência dos ideais cristãos, na “França, até a Revolução
Francesa, os médicos, os cirurgiões e as parteiras que praticassem
aborto seriam condenados à forca. Com o advento da Revolução Francesa
esta pena foi reduzida para vinte anos de cadeia”[iii].
É comum se encontrar argumentos e pessoas que dizem que, no passado, a
Igreja já defendeu o aborto e que existe na Bíblia algum tipo de
fundamento para a prática abortiva. Esse tipo de discussão aparece até
mesmo em setores da Igreja, setores que se alto proclamam de progressistas, revolucionários e de vanguarda teológica. Um bom exemplo disso é a conflituosa e problemática relação existente entre a Teologia da Libertação (TL) e o aborto[iv]. No entanto, nenhum
setor da sociedade que defende o aborto consegue apresentar uma única
prova histórica, bíblica ou doutrinal que a Igreja Católica, em algum
momento de sua história, defendeu o aborto. Tudo não passa de
especulações no estilo: eu ouvi dizer.
[Continua amanhã...]
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[i] UMA VERDADE INCONVENIENTE: A IGREJA CATÓLICA JÁ TOLEROU O ABORTO. In: Super Interessante, Edição Especial, março de 2011.
[ii] É VERDADE QUE A IGREJA CATÓLICA NEM SEMPRE CONDENOU O ABORTO?. In: Presbíteros, p. 1. Disponível em http://www.presbiteros.com.br/site/e-verdade-que-a-igreja-catolica-nem-sempre-condenou-o-aborto/. Acessado em 28/01/2014.
[iii] HISTÓRIA DA FORMAÇÃO DA PROBLEMÁTICA DO ABORTO. E-Book, p. 36. Disponível em http://www.documentacatholicaomnia.eu/03d/sine-data,_AA_VV,_Historia_Da_Formacao_Da_Problematica_Do_Aborto,_PT.pdf. Acessado em 29/01/2014.
[iv] Sobre as relações conflituosas e problemáticas existentes
entre a Teologia da Libertação e o aborto, recomenda-se consultar:
SANTOS, Ivanaldo. A Teologia da Libertação e o aborto. In: SANTOS,
Ivanaldo. (Org.). Teologia da Libertação: ensaios e reflexões. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2010, p. 165-193.
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