Uma síntese histórica
Por
Ivanaldo Santos
Aborto na Bíblia
A crítica e o combate ao aborto surgem, entre os cristãos, logo
após os missionários terem atravessado as fronteiras que separavam o
antigo Israel do Império Romano. Vale salientar que no direito romano
quem tinha a pátria potestas possuía direito de decidir sobre a
vida, inclusive a vida dos filhos já nascidos. Com isso, o pai poderia
matar um filho nascido (o infanticídio) ou então determinar a morte do
filho não nascido (o aborto). Para a cultura greco-romana, o aborto
provocado era uma prática habitual, comum. Diante dessa situação e, ao
mesmo tempo, tendo em mente que a vida inicia-se já no “ventre da mãe”
(Números 12, 12; Jó 31, 18; Salmos 71, 6; Eclesiastes 5, 15; Mateus 19,
12; Lucas 1, 15; Atos 3, 2), os cristãos tomam uma posição contrária ao
aborto.
É preciso ter em mente que a mentalidade cristã primitiva, em grande
medida, é derivada da mentalidade hebraica. De fato, além do mandato do
Decálogo de “Não matar” (Êxodo 20, 13; Deuteronômio 5,17), não existe um mandato específico de “Não abortar”.
Isso se dá pela clara razão de que para as culturas hebraica e cristã
primitiva o aborto era algo impensável. Como demonstra Germain Gabriel
Grisez[i], em um povo que considerava a vida como um valor
paradigmático a todos os demais valores, que considerada a vida como um
dom de Deus, que via os filhos como uma bênção e a esterilidade como uma
maldição, que aceitava a noção do poder criador de Deus já no seio
materno e que podia crer em uma relação pessoal entre Deus e a criança
ainda não nascida, a prática do aborto provocado encontraria bem pouca
acolhida. Por isso, o silêncio do Antigo Testamento sobre o aborto
provocado indica que uma legislação sobre o tema seria inútil e não que
se aprovava tacitamente o aborto.
É preciso esclarecer que mesmo importantes pesquisadoras que
defendem o aborto são honestas em reconhecer que na Bíblia não existe
qualquer fundamento ou argumento para defender o aborto. Entre essas pesquisadoras é possível citar, por exemplo, Elaine Gleci Neuenfeldt, Carmina Navia Velasco e Adriana Kuhn.
Elaine Gleci Neuenfeldt deixa bem claro que a “Bíblia não tem
referências diretas que regulamentariam decisões sobre a vida sexual e
reprodutiva no que se refere especificamente a interrupção da gravidez
não desejada [a prática do aborto]”[ii]. Esse fato se torna
importante porque é comum militantes e grupos pró-aborto afirmarem que
existem na Bíblia referências que podem regulamentar o aborto e que tais
referências seriam mantidas em segredo pela Igreja.
Sobre uma possível presença de referência que regulamentem o aborto
nos textos bíblicos, Elaine Gleci Neuenfeldt é enfática ao negar a
existência dessas referências. Em suas palavras: “Há um silencio total
sobre as possibilidades de controle da natalidade nos textos bíblicos.
Não há referência à interrupção da gravidez não desejada no AT [Antigo
Testamento]. Aliás, numa sociedade onde a função primordial das mulheres
estava centrada na maternidade, não é de se admirar que não se encontre
nenhuma referência ao aborto ou a decisões de não ser mãe”[iii].
Já Carmina Navia Velasco nega que a Bíblia trate da temática do
aborto. Para ela é “difícil, para não dizer impossível, encontrar uma
posição bíblica perante o aborto. Há um silencio quase total perante
esta realidade”[iv]. Sem contar que, de acordo com a
pesquisadora, se “passarmos ao Novo Testamento, o panorama não é
diferente. Não há palavra ou situação alusiva ao aborto. Em Jesus de
Nazaré encontramos uma clara mensagem, não só de defesa, mas também de
cuidado pela vida”[v]. O tipo de reflexão desenvolvida por
Carmina Navia Velasco é importante porque ajuda a afastar qualquer
dúvida sobre se existe na Bíblia alguma referência ou uma mera
possibilidade para a defesa do aborto.
Por sua vez, Adriana Kuhn nega que a Bíblia tenha algum tipo de
conteúdo ou referência que possa ser usada para defender o aborto. Em
suas palavras: “O texto bíblico não menciona a prática do aborto. [...]
encontramos um silêncio quase que absoluto do texto no que diz respeito
ao aborto. [...] a lei mosaica, em alguns casos bem explícitos no que
diz respeito à defesa da vida, não fala sobre o aborto. [...]. Existem
poucas passagens onde o termo aborto (nefel) aparece; dentre
elas podemos citar SI 58 e Jó 3. Nestes textos, o aborto é mencionado em
termos de comparação e indica algo não desejável”[vi].
[Continua amanhã...]
[i] GRISEZ, Germain Gabriel. Abortion: the myths, the realities, and the arguments. The World Publishing Company: Washington, 1970.
[ii] NEUENFELDT, Elaine Gleci. Errâncias e itinerários da
sexualidade, dos direitos reprodutivos e do aborto – Abordagens
bíblico-teológicas. In: Revista de Interprtação Bíblica Latino-Americana, n. 57, 2007, p. 67.
[iii] NEUENFELDT, Elaine Gleci. Errâncias e itinerários da
sexualidade, dos direitos reprodutivos e do aborto – Abordagens
bíblico-teológicas. op., cit, p. 62.
[iv] VELASCO, Carmina Navia. Um abraço soroal na mulher que aborta. In: Revista de Interprtação Bíblica Latino-Americana, n. 57, 2007, p. 73.
[v] VELASCO, Carmina Navia. Um abraço soroal na mulher que aborta. op., cit, p. 74.
[vi] KUHN, Adriana. Como uma colcha de retalhos – Observações
sobre vida e pessoa na discussão sobre o aborto, a partir do Antigo
Testamento. In: Revista de Interprtação Bíblica Latino-Americana, n. 57, 2007, p. 92.
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