[globo]
24/03/14
Seguidores conservadores criticam seu discurso por ser muito simples e sua falta de atenção a alguns valores éticos.
ROMA - Jorge Bergoglio acaba de completar seu primeiro ano de
pontificado com uma popularidade sem precedentes e um coro unânime de
louvor pela forma como começou a transformar a Igreja Católica
“estacionada há 200 anos”, como observou o cardeal Carlo Maria Martini,
outro jesuíta, pouco antes de sua morte.
Se há um ano, quase de
imediato, uma ala conservadora começou a fazer oposição ao papa "do fim
do mundo", que disse que queria "uma Igreja pobre para os pobres",
agora, a resistência - mesmo que por parte de uma minoria - se sente com
mais força.
"Na era moderna, um papa nunca teve tanta resistência
como Francisco e este é um sinal de que a Igreja está mudando",
escreveu Andrea Riccardi, fundador da Comunidade de Santo Egídio e
historiador, em um chamativo editorial que apareceu no último número do
semanário católico "Família Cristiana". Intitulado "Quem resiste ao papa
Francisco", o artigo observou que, embora a simpatia das pessoas pelo
sacerdote argentino não diminui depois de um ano, não é necessário
esconder que "há alguns que ignoram o Papa".
"Há resistência
daqueles que não querem mudanças e, há resistência mais estruturada.
Subestimam o discurso do Papa e fazem um contra-ponto com o discurso de
Bento XVI. Com a visão ideológica do cristianismo, a Igreja não cresce e
se fecha em um modelo ou uma fórmula. Critica-se Bergoglio porque ele
desconsideraria os valores éticos", escreveu ele.
Em um momento de
popularidade nunca antes visto, com a Praça de São Pedro lotada de
fiéis entusiasmados aos domingos e às quartas-feiras, poucos se atrevem a
criticar o Papa "superstar" - proclamado pela revista Fortune o mais
importante líder do mundo - a frase de Riccardi é bastante
significativa.
Sobretudo, chamou a atenção sua afirmação, como
historiador, de que nenhum pontífice da era moderna teve tantas
resistências como Bergoglio. Neste sentido, recordou Riccardi, que Paulo
VI (1963-1978) também foi submetido a severas críticas, mas que tinha
mais a ver com o clima que levou ao Concílio Vaticano II. E se Bento XVI
(2005-2013), papa emérito, também recebeu críticas, "eram expressadas
mais pela opinião pública externa e internacional", disse ele.
"As
oposições à Francisco são para mim mais forte e, acima de tudo,
internas", disse Riccardi à "Vatican Insider". "Há algumas resistências
que foram declararam publicamente; outras, em voz baixa; e outras
caracterizadas pelo silêncio e distanciamento.
Desde o começo,
Francisco, que rejeitou alguns símbolos - como a mozeta vermelha, a cruz
peitoral dourada, os sapatos vermelhos entre outros - e quebrou antigas
tradições, passou a viver numa casa simples de Santa Marta e lavou os
pés de duas mulheres muçulmanas - foi atacado em blogs e sites do mundo
tradicionalista. Esses gestos fez com que o papa argentino fosse
considerado um populista e começaram a chamá-lo de "Papa Evita" - que
com a sua proximidade com as pessoas e sua simplicidade descaracteriza a
figura intocável de um Papa.
Um ano mais tarde, como disse
Riccardi, as resistências - mínimas, em comparação com o imenso apoio
popular - começaram a ser sentidas internamente. Em 23 de fevereiro
passado, depois de ter formado seus primeiros cardeais, Francisco
lembrou-lhes que eles não estavam entrando para "uma corte e sim para a
Igreja de Roma" e que deveriam ser "servos" e evitar "intriga, fofocas,
panelinhas, favoritismo e preferências".
As resistências também
tem a ver com a profunda reforma que o Papa está fazendo na cúria
romana, e, especialmente, em termos de transparência de gestão do
dinheiro do Vaticano, que tem um passado tão obscuro. Como parte da
revolução de austeridade e da transparência, o novo "super ministério da
Economia", recém-criado, também dirigido por um cardeal "do fim do
mundo", o australiano George Pell, haverá grandes mudanças e drásticos
cortes nos gastos.
Em meio a uma enxurrada de livros sobre o Papa,
lançados em decorrência deste primeiro ano de papado, um deles, escrito
por Giuliano Ferrara, "ateu devoto" e editor do "Il Foglio", diário que
desde o início ecoa críticas de setores tradicionalistas, recebeu o
nome de "Este Papa gosta demais".
De fato, nas últimas semanas,
Il Foglio se dedicou a atacar duramente o cardeal alemão Walter Kasper,
muito próximo de Francisco, por ter criado uma solução para que os
divorciados que voltaram a casar possam voltar a receber a comunhão,
algo considerado um sacrilégio por conservadores. O Papa está ciente do
aumento da resistência? Definitivamente. Mas, acostumado a tempestades
meteorológicas desde seus dias como provincial dos jesuítas, Francisco
não perde a paz nem o sono.
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