ihu - No início deste mês o Comitê sobre Direitos da Criança, da ONU, publicou um relatório que castigou o Vaticano por políticas precárias que estariam aquém na proteção infantil, em particular na proteção contra abusos sexuais.
A opinião é expressa em editorial de National Catholic Reporter, 27-01-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
A condenação veio de um comitê composto de 18 especialistas independentes que monitoram a implementação do tratado da ONU, de 1989 – ratificado pela Santa Sé em 1990 –, relacionado à proteção infantil e aos direitos da criança. Entre as principais críticas do comitê estão a de que o Vaticano
“não reconheceu a extensão dos crimes cometidos”, que seus sistemas e
procedimentos são sigilosos, protegendo os abusadores e negando justiça
às vítimas, e a de que a rede global da Igreja tem sido usada para
esconder os perpetradores e obstruir as investigações.
Críticos têm pontado falhas no relatório da ONU por
não ter mantido seu foco sobre o abuso sexual de menores. Em vez disso,
afirmam eles, o relatório acabou criticando as políticas vaticanas (nós
chamaríamos de doutrinas) sobre o aborto, o controle de natalidade, a
homossexualidade e mesmo a punição corporal.
Ao trazer estes assuntos – que o comitê pode não ter conseguido
evitar por causa de seu amplo espectro –, fez com que o relatório fosse
ignorado muito facilmente por aquelas pessoas que exatamente deveriam
ser despertadas para a ação. Ele também se focou demais no registro
histórico e ignorou alguns dos recentes progressos feitos pelo Vaticano.
Por causa disso o relatório aparece como estando desatualizado, dando
aos críticos mais munição para rejeitá-lo. Um relatório mais
politicamente esclarecido poderia ter tido um impacto maior. Analistas e
comentadores – mesmo os do site National Catholic Reporter – consideraram o relatório como pobre, executado de forma descuidada e constituindo uma oportunidade desperdiçada.
Embora reconheçamos estas fraquezas, não devemos perder de vista a
verdade que o relatório contém: quando se trata de abuso sexual, as
autoridades eclesiásticas continuam se escondendo, enganando os fiéis e
agindo com impunidade.
Há um ano os sobreviventes de abusos prevaleceram após uma longa batalha contra a arquidiocese de Los Angeles, e milhares de páginas de documentos foram tornadas públicas; estas mostraram claramente que o cardeal Roger Mahony – arcebispo emérito de Los Angeles – e seus comandados acobertaram sacerdotes abusadores do escrutínio público de uma possível aplicação da lei.
O atual arcebispo, Dom José Gomez, publicamente repreendeu o seu predecessor e tentou restringir os deveres públicos de Dom Mahony. No entanto, este provou que um cardeal, mesmo sendo emérito, excede em hierarquia um arcebispo. Mahony teve que enfrentar a crítica pública para abrir caminho em vista de sua presença no conclave que elegeria o Papa Francisco. Ninguém aparentemente tem a autoridade de parar um cardeal de fazer o que quiser.
Em 18-02-2014, Mahony postou este tuíte: “Em Roma
para encontros com cardeais e com o Papa Francisco. Santo Espírito,
derrame sobre todos nós sua sabedoria de modo que possamos seguir a
Jesus mais de perto!” Eis aí uma oração bastante audaciosa para alguém
que passou anos manipulando o sistema legal na tentativa de esconder a
verdade.
Na cidade de Los Angeles, no dia 19-02-2014, um acordo de 13 milhões de dólares entre os sobreviventes dos abusos sexuais e a Arquidiocese de Los Angeles foi anunciado. Em sua maioria, são casos contra o Pe. Nicolas Aguilar-Rivera,
sacerdote mexicano que deixou sua diocese natal em 1987 por “questões
de saúde” e que durante 10 meses na comunidade de imigrantes de Los Angeles molestou duas dúzias de meninos. Avisado pela chancelaria diocesana de uma investigação policial, Aguilar-Rivera
fugiu e ainda hoje encontra-se foragido. Desde 2002, a arquidiocese
pagou 740 milhões de dólares em acordos relativos a abusos, além de
quantias desconhecidas com honorários judiciais.
Em Minneapolis, no dia 19-02-2014, ficamos sabendo pela Rádio Pública de Minnesota que, em vez da lista dos “sacerdotes acusados” da arquidiocese de St. Paul/Minneapolis ter 33 nomes, ela possui 70. A própria arquidiocese acrescentou nove nomes em 17 de fevereiro, quando ficou sabendo que a Rádio Pública de Minnesota
estava revendo os registros jurídicos, os acordos particulares, alguns
relatórios policiais e centenas de documentos internos da Igreja.
A Rádio relata: “Havia listas escritas a mão e listas enviadas por
email, além de memorandos sobre listas armazenadas em computadores e em
gabinetes na chancelaria arquidiocesana de St. Paul.
Alguns homens apareciam em todas as listas, outros em uma ou duas. Todas
as listas obtidas por nós contêm informações as quais a polícia nunca
teve acesso. Mais tarde os funcionários da chancelaria pararam de
escrever listas por temer que elas pudessem ser obtidas via ação
judicial, contou à Rádio a ex-funcionária para assuntos canônicos Jennifer Haselberger”.
Antes de reconhecerem o quão grave este assunto é, autoridades da Igreja irão protestar, dizendo que isso é história, que a maioria destes casos remonta a décadas atrás.
Em Chicago, no dia 19-02-2014,
surgiram notícias de que três homens entraram com ação na justiça,
alegando que haviam sido abusados entre os anos de 2000 e 2005 pelo um
ex-sacerdote Daniel McCormack, quem o cardeal Francis George permitiu ficar no ministério até a sua segunda prisão por abuso. George, que foi instalado em Chicago no ano de 1997, atribuiu os crimes cometidos por McCormack a seu predecessor.
Na cidade de Kansas (Missouri), católicos leigos pediram ao papa uma investigação penal envolvendo o Dom Robert Finn, condenado em 2012 por deixar de relatar suspeitas de abuso infantil. Finn continua bispo como se nada tivesse acontecido, enquanto cumpre um período de dois anos de liberdade condicional no Condado de Jackson (Missouri)
e um acordo judicial no Condado de Clay, encontrando-se com o promotor
local uma vez por mês. Os leigos dizem que se puseram a fazer frente no
caso porque os sacerdotes na diocese têm medo de se pronunciarem
publicamente.
Em 06-02-2014, o Vaticano – que recebeu relatórios de padres alegando que Dom Cristian Contreras abusou sexualmente de meninos – anunciou ter aberto uma investigação sobre o bispo chileno Contreras,
que negou as acusações, após este ter “expressado o desejo” de ser
investigado. O Vaticano teve que obter sua permissão para investigar?
Como um todo e como dioceses tomadas individualmente, a Igreja tem feito um tremendo progresso na abordagem da questão envolvendo padres que abusam menores. Em muitas regiões – a cidade de Kansas
é uma delas agora –, a Igreja local tem programas de treinamentos
exemplares de proteção infantil para funcionários e voluntários. Jeff Anderson, o cavaleiro inimigo noturno das autoridades católicas em todo o país, elogiou o programa de assistência às vítimas da Arquidiocese de Chicago como um dos melhores dos EUA. A Igreja está fazendo muitas coisas de forma correta.
O que ela ainda não fez foi tomar medidas para dizer a verdade e
abordar a impunidade das altas autoridades eclesiásticas. Por
recomendação de seu Conselho dos Cardeais,
o papa anunciou que irá nomear uma comissão especial para assessorá-lo
diretamente sobre as melhores práticas de se lidar com a questão do
abuso sexual. Para demonstrar determinação nos níveis mais elevados de
que a tolerância zero é parte permanente da cultura da Igreja, o mandato
desta nova comissão deve também incluir o estabelecimento de
procedimentos disciplinares para bispos e funcionários da chancelaria
que obstruem ou ignoram a aplicação do direito canônico sobre os casos
de abuso sexual por parte do clero.
Em alguns aspectos, o relato da ONU pode ter sido
falho, mas nas questões essenciais da crise advinda dos abusos sexuais,
ele estava simplesmente nomeando a verdade que tem sido aparente para
tantas pessoas por muito tempo.
No mês de janeiro, o Papa Francisco anunciou que a comissão se abrigará na Congregação para a Doutrina da Fé.
Todavia, a comissão ainda está para ser oficialmente constituída.
Sabemos que o papa pode agir de forma rápida quando ele quer. Sobre esta
questão ele deve agir mais rapidamente.
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