IHU - Doleiros usam imunidade tributária conferida por lei a templos
religiosos para lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio e sonegação
fiscal.
A prática é investigada em inquéritos e procedimentos preparatórios
do Ministério Público nos Estados e pelas procuradorias da República,
fato que preocupa a Justiça Eleitoral em ano de escolha de presidente,
governadores, deputados e senadores.
A reportagem é de André Guilherme Vieira, publicada pelo jornal Valor, 25-03-2014.
As igrejas contam com uma condição fiscal privilegiada no Brasil. A
Constituição estabelece no artigo 150 que é vedado à União, Estados,
Distrito Federal e municípios, instituir impostos sobre templos de
qualquer culto. A proibição compreende patrimônio, renda e serviços
relacionados às finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas. O
Supremo Tribunal Federal (STF) já definiu que "templo" não está
restrito ao espaço físico do culto religioso, compreendendo o conjunto
de bens da organização religiosa, que devem estar registrados como
pessoa jurídica.
"O uso de 'templos de fachada' ou 'igrejas-fantasma' está se disseminando no país", alerta o desembargador federal Fausto Martin de Sanctis,
especializado no combate a crimes financeiros e à lavagem de dinheiro. O
magistrado, autor de livros sobre o tema no Brasil e nos Estados
Unidos, destaca que a condição tributária singular franqueada às igrejas
tornou-se um expediente eficaz para abrigar recursos de procedência
criminosa, sonegar impostos e dissimular o enriquecimento ilícito: "É
impossível auditar as doações dos fiéis. E isso é ideal para quem
precisa camuflar o aumento de sua renda, escapar da tributação e lavar
dinheiro do crime organizado. É grave", conclui Sanctis.
Doações de organizações religiosas a partidos políticos são proibidas
pela legislação. Elas podem significar cassação do diploma ou
indeferimento da candidatura. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) firmou
convênio com a Receita e a Polícia Federal (PF), para agilizar punições
quando detectadas operações de caixa dois e outros ilícitos: "Sempre
nos preocupamos com essa forma de doação, porque, além de criminosa,
desequilibra a corrida eleitoral", diz o juiz assessor da presidência do
Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP), Marco Antonio Martin Vargas.
"Agora há maior facilidade de aferição de recursos, por conta do
cruzamento com dados das declarações de imposto de renda", assinala
Vargas. Ele salienta que a colaboração da sociedade é fundamental para
reprimir o fluxo de valores não contabilizados e a lavagem de dinheiro. "
A doação ilegal existe, claro. E aquele que recebe por caixa 2 corre
por fora da declaração de arrecadação e gasto".
Na opinião do procurador da República em São Paulo, Silvio Luís Martins de Oliveira, que investigou e denunciou criminalmente responsáveis pela Igreja Universal do Reino de Deus
por lavagem de dinheiro, evasão de divisas, formação de quadrilha e
estelionato, é preciso refinar a fiscalização sobre atividades
financeiras de entidades religiosas: "Eu acho que se a igreja cumpre um
papel social, tudo bem quanto ao tratamento fiscal diferenciado. Mas
quando começa a virar empresa de telecomunicações, fazer doações a
políticos, aí é preciso refrear". Segundo o procurador, o mecanismo
utilizado em templos destinados à lavagem de dinheiro continua sendo o
sistema paralelo conhecido como dólar-cabo, embora, algumas vezes,
também envolva a compensação bancária: "Costuma ser um doleiro de
confiança que busca ajuda de casas de câmbio, pois a quantidade de
cédulas é enorme. É o que chamam de 'dinheiro sofrido', porque o fiel
costuma pagar o dízimo com notas amassadas", esclarece.
Uma das lideranças mais polêmicas da bancada evangélica na Câmara dos Deputados, o deputado Marco Feliciano
(PSC-SP), discorda que falte fiscalização às doações realizadas às
igrejas: " Essa citada falta de fiscalização é questão de ponto de
vista. Se o legislador após longo debate na Assembleia Nacional
Constituinte isentou as instituições religiosas de impostos, nada mais
fez do que atender aos anseios da maior parte da sociedade", pondera.
O número de igrejas e templos abertos no país segue em crescimento, segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação.
São 55.166 organizações religiosas em atividade em 2014, contra 54.402
no ano passado e 46.010 em 2012. Crescimento de 18,24% na variação entre
2012 e 2013, e de 1,4% na comparação deste ano com 2013. O número de
entidades religiosas já é maior que o de sindicatos (33.837) e que o de
cooperativas (40.196).
O estudo "Religião e Território" (2013), dos pesquisadores Cesar Romero Jacob, Dora Rodrigues Hees e Philippe Waniez,
indica expansão exponencial dos chamados "evangélicos não
determinados". Eles passaram de 580 mil no ano 2000 para impressionantes
9,2 milhões em 2010. Os evangélicos de missão cresceram de 6,9 milhões
para 7,6 milhões no mesmo período, enquanto os evangélicos pentecostais
passaram de 17,6 milhões para 25,3 milhões em dez anos.
Seguiu engessado por quase um ano na Comissão de Finanças e
Tributação (CFT) da Câmara dos Deputados, Projeto de Lei Complementar
(PLP) que suspenderia a imunidade tributária de templos de qualquer
culto, partidos políticos, sindicatos e de instituições educacionais e
de assistência social sem fins lucrativos. Mas a proposta foi retirada
pelo próprio autor, deputado Marcos Rogério Brito
(PDT-RO): "Foi o partido que me pediu para reapresentar o projeto, que
originalmente teve outro deputado como autor, Gustavo Fruet (PDT) [atual
prefeito de Curitiba]. Mas demandaria modificar a Constituição, então
teria de ser pela via da emenda constitucional. Por isso retirei",
explica.
O parlamentar nega ter havido pressão para o descarte da proposta e
afirma considerar a possibilidade de reconfigurar a ideia nos moldes de
uma PEC. Mas diz que o estudo ainda não foi concluído pela área técnica
da Câmara. No entanto, Brito diz que, pessoalmente, é favorável à imunidade tributária "para igrejas, partidos políticos, jornais e revistas".
A manutenção da condição ímpar de isenção fiscal a que as entidades
religiosas foram alçadas pela Constituição, é defendida
intransigentemente pela bancada evangélica da Câmara dos Deputados, que
conta com 73 parlamentares eleitos em 2010 e vem ganhando
representatividade a cada nova legislatura. O deputado Marcos Feliciano
declara-se "visceralmente" a favor da imunidade fiscal aos templos, em
nome da 'liberdade religiosa'. Sobre o uso das casas religiosas para
práticas de moral e legalidade questionáveis, Feliciano
faz uma alusão indireta a entidades católicas: "Se partirmos do
pressuposto que uma entidade não deve ter tratamento especial pela
possibilidade de malfeitores se aproveitarem, por analogia o mesmo
princípio se aplicaria às Santas Casas e Universidades mantidas por
Fundações sem fins lucrativos".
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