Reflexões de Dom Alberto Taveira, Arcebispo Metropolitano de Belém do Pará.
Belém do Pará,
(Zenit.org)
Por
Dom Alberto Taveira Corrêa
"Desperta, tu que dormes, levanta-te dentre os mortos e
sobre ti Cristo resplandecerá" (Ef 5, 14). A luz e o dia que vencem a
escuridão são imagens que perpassam as culturas e as épocas, presentes
também em várias concepções da vida humana em diversas religiões. Também
a Sagrada Escritura recorre com frequência a esta polarização entre a
luz e as trevas, como apresenta a Igreja durante estes dias de Quaresma.
A Igreja vive uma estação claramente catecumenal, proporcionando
aos que já são batizados acompanharem os irmãos e irmãs que serão
batizados na Vigília Pascal e renovarem seus compromissos. Neste
percurso formativo, todos os cristãos são convidados a se confrontarem
com Cristo, Água viva que sacia a humanidade, Luz do Mundo, vencedor das
trevas do pecado, Cristo, Ressurreição e vida. Na presente etapa, o
convite é dirigido a todas as pessoas que querem deixar-se tocar por
Jesus, acompanhados por um certo cego de nascença, na narrativa
esplendorosa do Evangelho de São João (Jo 9, 1-38). Jesus realiza uma
obra nova, recria o cego, que alcança o ponto mais alto de sua
existência: "Quando Jesus o encontrou, perguntou-lhe: 'Tu crês no Filho
do Homem?' Ele respondeu: 'Quem é, Senhor, para que eu creia nele?'
Jesus disse: 'Tu o estás vendo; é aquele que está falando contigo. Ele
exclamou: 'Eu creio, Senhor!' E ajoelhou-se diante de Jesus" (Jo
9,35-38).
Ouvi de uma mulher, cega de nascença, na autoridade de seus mais de
oitenta anos, uma afirmação desconcertante: "Agradeço a Deus por ser
cega, pois a maior parte dos pecados começa com a vista! Não enxergando,
posso pecar menos, dizia magistralmente esta senhora que nunca leu uma
letra, diante de alguém que se tinha debruçado várias vezes diante da
palavra do Evangelho: "Se teu olho direito te leva à queda, arranca-o e
joga para longe de ti! De fato, é melhor perderes um de teus membros do
que todo o corpo ser lançado ao inferno" (Mt 5,29). Trata-se uma
revolução na escala de valores que pode orientar a vida, na qual importa
efetivamente uma vida distante do pecado! É que Deus não nos fez para o
egoísmo e a maldade, mas para a virtude e para o bem!
O presente de Deus que nos foi confiado no Batismo, a iluminação da
fé, abre horizontes diferentes para a vida inteira. O próprio Batismo já
foi chamado "iluminação". Os cristãos hão de aproveitar a graça da
purificação quaresmal, lavar seus olhos, ou quem sabe passar um bom
colírio (Cf. Ap 3,18), para enxergar de novo e de forma renovada a vida e
os acontecimentos. Cabe-lhes mudar o rumo da vida e contribuir para que
o mundo se conforme aos valores do Reino de Deus. Ora, trata-se de
fazer opções diferentes, afastando-se da escuridão do pecado, buscando
lá dentro, no Batismo recebido, as forças para lutar contra a
correnteza.
A Igreja nos oferece, através das leituras da Escritura escolhidas
para o Tempo Quaresmal, indicações precisas, para que a luz de Deus, que
um dia brilhou em nós pelo Batismo, jamais se esconda e não se apague
em nós o seu fulgor, como muitas vezes cantamos num hino de renovação do
Sacramento da iluminação! Sim, queremos que o amor plantado em nossos
corações ajude os irmãos a caminharem, guiados pelas mãos de Deus, na
nova Lei do Evangelho. É na escola de São Paulo (Ef 5, 8-14) que
encontramos os frutos da luz!
A luz de Deus resplandece na bondade com que os cristãos são chamados
a agir. Pequenos gestos de atenção, olhares feitos de simplicidade,
iniciativas comunitárias, compromisso com o bem. Mesmo quando nos
sentimos limitados, ou quando efetivamente pecamos pela fraqueza que nos
acompanha, ser filhos da luz significa não compactuar com as más
intenções, mas purificar-nos decididamente, comprometendo-nos com o bem.
Os homens e as mulheres marcados pela graça batismal se comprometem
com a justiça e não aceitam qualquer vínculo com meios ilícitos em vista
de objetivos como o lucro, a projeção social ou qualquer outro proveito
a ser alcançado indignamente. Consequências? Palavra dada, lisura nos
negócios, retidão na administração dos bens, irrepreensibilidade no
comportamento social.
Mais ainda, no programa de vida decorrente do Batismo: a opção pela
verdade. A história da Igreja e da humanidade está repleta de exemplos
de homens e mulheres retilíneos em seu comportamento, capazes de
suscitar santa inveja em gerações que os sucedem. É claro que tal
escolha tem consequências, inclusive sofrimento ou derramamento do
próprio sangue para serem coerentes com a verdade. São pessoas das quais
"o mundo não era digno"(Hb 11,38), que enfrentaram todos os desafios,
sem jamais ceder no compromisso assumido. E escolheram a Verdade que é
Jesus Cristo, sem inventar suas próprias verdades ou meias-verdades.
Para alcançar tais alturas, as quais todos somos destinados, quem se
descobre filho da luz, no sentido que São Paulo, na Carta aos Efésios
(5, 8-14) e a Igreja entendem, busca o discernimento do que agrada ao
Senhor. Um dos pontos de referência se encontra nos mandamentos,
resumidos no amor a Deus e ao próximo. Outra ajuda preciosa no
discernimento é a chamada "regra de ouro" (Cf. Mt 7,12), que propõe
fazer aos outros aquilo que desejamos que seja feito a nós mesmos. Vale
também escutar as outras pessoas, conselheiros e conselheiras que nos
ajudam a ver ângulos diferentes quando se trata de tomar decisões. Mais
ainda, é na escuta da Palavra de Deus e na oração que se identifica cada
passo a ser dado na vida.
A seriedade com que o cristão assume sua vida exige ainda que ele não
se associe com as obras das trevas. De fato, tudo o que precisa ficar
escondido, resistindo à luz da verdade, traz consigo suspeita e
desconfiança, pelo que a prática das virtudes evangélicas acrescenta
ainda a exigência de radicalidade. Não dá para ser meio cristão e meio
pagão. Se quisermos ser honestos com a própria consciência e com a
verdade, não será possível manter conceitos como "não praticante",
referindo-se a cristãos que entenderam a beleza da graça recebida no
Batismo.
O apelo feito pela Igreja é, sim, pela seriedade na vivência cristã. E
este é o tempo oportuno, a hora da graça e da salvação. Cresça em
número e qualidade o povo amado por Deus. E como, graças a Deus, a
maioria das pessoas que se envolvem conosco recebeu o Batismo, é hora de
dizer: ninguém fique de fora!
Nenhum comentário:
Postar um comentário