IHU - Antes do início da Comissão sobre o Status da Mulher – reunião anual com duração de duas semanas que conta com representantes dos Estados membros da ONU
para discutir os progressos no sentido da igualdade de gênero e
empoderamento da mulher –, houve uma inquietação no aparente silêncio do
Vaticano sobre o teor do documento final da conferência.
A reportagem é de Liz Ford, publicada pelo jornal The Guardian, 20-03-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Teria a Santa Sé, que possui acento na ONU
como Estado observador permanente não membro, decidido ficar fora das
discussões este ano? Estaria ela discretamente influenciando as ações de
países com grande população católica sem se expor? Teria ela entrado
nas negociações tardiamente? Parece que a opção foi por este último.
Nesta semana a Santa Sé se apresentou nos debates exigindo a retirada, no documento final da Comissão sobre o Status da Mulher, das referências às profissionais do sexo, aos direitos das lésbicas, gays, transexuais e bissexuais, além do palavreado envolvendo os direitos sexuais e direitos reprodutivos – em particular o relacionado ao aborto e à educação sexual.
Também compreende-se querer que o documento relacionado inclua
referências explícitas à importância da família. Quando o Vaticano fala
sobre este assunto, ele quer dizer em sentido tradicional, nuclear: um
homem, uma mulher e seus filhos.
Embora não haja motivo algum para crer que estas exigências atrapalhem as negociações – o Vaticano
publicou comunicados relacionados aos direitos sexuais e direitos
reprodutivos no ano passado, mas, após uma batalha, um contundente
documento resultou da Comissão –, a referência particular à “família” desencadeou alguns pontos a seres observados.
Os defensores dos direitos da mulher
afirmam que a formulação usada ao se falar sobre a família pode
reforçar os papéis e estereótipos de gênero: as mulheres como esposas,
mães, donas de casa. E pode também ignorar a diversidade das famílias:
famílias monoparentais, casas chefiadas por filho ou por mulher, ou
famílias homoafetivas.
Os defensores aqui sustentam o acréscimo de um parágrafo apenas, que
estaria relacionado ao papel da família: o reconhecimento de sua
diversidade.
Os defensores dos direitos da mulher estão acostumados com as lutas,
em particular contra o Vaticano, contra outros grupos religiosos e
governos mais conservadores. Mas há um sentimento de que, este ano, o
Vaticano esteja começando a perder um pouco de sua influência.
Shannon Kowalski, diretora de defesa e política na Coalizão Internacional pela Saúde da Mulher,
diz que um resultado positivo vindo da conferência dos Estados
latino-americanos e caribenhos – que concordaram em fortalecer as
políticas em favor das mulheres em suas sociedades – é o isolamento da Santa Sé quanto à sua base tradicional de apoio.
Kowalski afirma que não se incomoda com as
exortações vaticanas sobre os direitos sexuais e direitos reprodutivos,
mas teme que problemas possam vir de um outro lado. A União Europeia e os Estados Unidos não estão felizes com o que se diz em torno do comércio, da justiça econômica da mulher e da mudança climática.
“Estamos começando a assistir um monte de debates tradicionais de
norte a sul sobre o comércio, sobre a mudança climática e outros
assuntos”, diz ela. “Estes têm mais potencial para barrar as
negociações”.
Outras forças contrárias vêm do bloco de países africanos, que mais
uma vez ficaram do lado da cláusula de soberania, que, com efeito, é uma
carta na manga dos governos que lhes permite assinar o documento final,
ignorando os aspectos dos quais não gostam: em geral, os aspectos que
poderiam potencialmente restringir práticas culturais e religiosas. Um
parágrafo semelhante de soberania foi incluído no documento do ano
passado, porém foi retirado ao final sob a condição de que as
referências às profissionais do sexo, e aos direitos das lésbicas, dos gays, bissexuais e transgêneros fossem também retiradas. Um acordo similar é esperado este ano.
Também há uma batalha sobre as referências a financiamentos para organizações de direitos da mulher. Entende-se que o Reino Unido esteja defendendo um tom mais forte aqui, em comparação a países – entre estes os EUA, a Rússia e os Estados caribenhos – que querem uma linguagem mais diluída.
Claro, há muitos aspectos positivos no projeto de texto sobre os
quais há amplo acordo: uma meta independente sobre a igualde de gênero a
ser incluída nas próximas metas de desenvolvimento após
2015; claras referências à proteção da mulher e meninas contra a
violência, incluindo o fim a práticas nocivas tais como mutilação
genital feminina, casamento infantil e crimes “de honra”; a proteção aos
ativistas dos direitos da mulher no trabalho; e o cumprimento do papel crucial que as mulheres desempenham nas negociações de paz e segurança. O documento final deve sair em 21 de março.
Embora ninguém irá ser complacente, os pequenos sinais de que estão
perdendo força os que lutam para combater os direitos das mulheres
duramente conquistados serão animadores para os ativistas. No futuro
isso poderá significar que menos tempo perdido em discutir o palavreado
será o mesmo que ter mais tempo para discutir a implementação de
políticas e garantir que os governos se responsabilizem, o que serão
ótimas notícias para as mulheres de todo o mundo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário