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É preciso compreender o sentido dessas práticas para não ficarmos numa atitude superficial.
Jejum e oração: Jamais o homem pode pensar que se basta a si mesmo, que pode se fechar para Deus.
Por Dom Orani Tempesta*
Uma das características do tempo da Quaresma é a penitência, que deve se manifestar em uma mudança de vida e aprofundamento da fé. A tradição da igreja nos coloca o jejum, a abstinência e outros sacrifícios como oportunidades de ascese. A penitência pode consistir em uma simples abstinência, que é renúncia a algum alimento, ou pode chegar ao jejum, que consiste no privar-se das refeições de modo total ou parcial. Muitas vezes, podem ser outras formas, de acordo com a situação e a pessoa. É muito salutar a prática de tal forma de penitência.
Mas, por que jejuar? Por que abster-se de alimentos? É necessário compreender o sentido profundo que o cristianismo dá a essas práticas para não ficarmos numa atitude superficial, às vezes até folclórica ou, por ignorância pura e simples, desprezarmos algo tão belo e precioso no caminho espiritual do cristão.
O jejum nos ensina que somos radicalmente dependentes de Deus. A ideia que isso exprime é que nossa vida não vem de nós mesmos, não a damos a nós próprios; nós a recebemos continuamente: ela entra pela nossa garganta com o alimento que comemos, a água que bebemos, o ar que respiramos. Jamais o homem pode pensar que se basta a si mesmo, que pode se fechar para Deus.
Quando jejuamos, sentimos certa fraqueza e fragilidade e, às vezes, nos vem mesmo um pouco de tontura. Isso faz parte da “psicologia do jejum”: recorda-nos o que somos sem essa vida que vem de fora que nos é dada por Deus continuamente. A prática do jejum impede-nos, então, da ilusão de pensar que a nossa existência, uma vez recebida, é autônoma, fechada, independente. Nunca poderemos dizer: “A vida é minha; faço como eu quero!” A vida será sempre e, em todas as suas etapas, um dom de Deus, um presente gratuito, e nós seremos sempre dependentes dele. Essa dependência nos amadurece, nos liberta de nossos estreitos e mesquinhos horizontes, nos livra da autossuficiência e nos faz compreender “na carne” nossa própria verdade, recordando-nos que a vida é para ser vivida em diálogo de amor com Aquele que no-la deu.
O alimento é uma de nossas necessidades básicas, um de nossos instintos mais fundamentais, juntamente com a sexualidade. A abstenção do alimento nos exercita na disciplina, fortalecendo nossa força de vontade, aguçando nossa capacidade de vigilância, dando-nos a capacidade para uma verdadeira disciplina.
Nossa tendência é ir atrás de nossos instintos, de nossas tendências, de nossa vontade desequilibrada. Aliás, essa é a grande fraqueza e o grande engano do mundo atual. Dizemos: “não vou me reprimir; não vou me frustrar” e vamos nos escravizando aos desejos mais banais e às paixões mais contrárias ao Evangelho e ao amor pelo próximo.
O próprio Jesus, de modo particular, e a Escritura, de modo geral, nos exortam à vigilância e à sobriedade. O jejum e a abstinência, portanto, são treinos para que sejamos senhores de nós mesmos, de nossas paixões, desejos e vontades. Assim, seremos realmente livres para Cristo, sendo livres para realizar aquilo que é reto e desejável aos olhos de Deus! Jesus afirmou que quem comete pecado é escravo do pecado!
O jejum tem também a função de nos unir a Cristo no seu período de 40 dias no deserto. O cristão jejua por amor a Cristo e para unir-se a Ele, trazendo na sua carne as marcas da cruz do Senhor. É uma união com o Senhor que não envolve somente a alma, com seus sentimentos e afetos, mas também o corpo. É o homem todo, a pessoa na sua totalidade, que se une ao Cristo. Nunca é demais recordar que o cristianismo não é uma religião simplesmente da alma, mas atinge o homem em sua totalidade. Pelo jejum, também o corpo reza, também o corpo luta para colocar-se no âmbito da vida nova de Cristo Jesus. Também o corpo necessita, como o coração, ser esvaziado do vinagre dos vícios para ser preenchido pelo mel, que é o Espírito Santo de Jesus.
O jejum e a abstinência fazem-nos recordar aqueles que passam privação, sobretudo a fome, abrindo-nos para os irmãos necessitados. Há tantos que, à força, pela gritante injustiça social em nosso País, jejuam e se abstêm todos os dias, o ano todo! O jejum nos faz sentir um pouco a sua dor, tão concreta, tão real, tão dolorosa! Por isso mesmo, na tradição mística e ascética da Igreja, o jejum e a abstinência devem ser acompanhados sempre pela esmola: aquele alimento do qual me privo já não é mais meu, mas deve ser destinado ao pobre. É o sentido da coleta da solidariedade do Domingo de Ramos: a oferta dos valores referentes à penitência quaresmal para os trabalhos sociais da Igreja. Eis o jejum perfeito: ele me abre para Deus e para os irmãos. Nesse ponto é enorme a insistência seja da Sagrada Escritura, seja dos Padres da Igreja (os santos doutores dos primeiros séculos do cristianismo).
Nesse sentido podemos notar que o jejum vai de encontro com a caridade, ou seja, o ato de ajudar o próximo. É por isso que, justamente para valorizar o espírito do amor ao próximo e da ação social, quis dedicar na Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, o ano de 2014 como Ano da Caridade. Este se iniciou no dia 20 de janeiro e vai até dia 23 de novembro. Não deixa de ser interessante perguntar o que vai ser feito no Ano Arquidiocesano da Caridade, pois a reposta não poderia ser mais simples: vamos praticar a caridade e motivar os outros a seguirem o mesmo caminho. Isso vale para cada pessoa, grupo e instituição. O importante é perceber: ninguém está isento de colocar em prática o mandamento do Senhor Jesus naquela parte que se refere a amar ao próximo.
Caridade pode ser como estamos acostumados a conceber, ajuda imediata na hora do sofrimento agudo. O mais comum nestes casos é a ajuda diante da fome. Isso é muito bom. Isso é indispensável. A fome não tem idade, raça, religião, sexo nem qualquer outra condição. Fome é fome e precisa ser enfrentada com ajuda urgente. Acontece, porém, que nem sempre as pessoas têm apenas o que chamamos de fome material, isto é, ausência de alimentos. As pessoas têm outras necessidades que podem ser materiais, como também afetivas, emocionais e espirituais.
Caridade é, portanto, doação gratuita. É doar um sorriso, uma gentileza, uma atenção, respeito, alimento e roupas, engajamento nas obras sociais, participação no âmbito das políticas públicas em prol do bem comum, diálogo com quem pensa diferente. Esta lista, na verdade, não termina.
Uma das características do tempo da Quaresma é a penitência, que deve se manifestar em uma mudança de vida e aprofundamento da fé. A tradição da igreja nos coloca o jejum, a abstinência e outros sacrifícios como oportunidades de ascese. A penitência pode consistir em uma simples abstinência, que é renúncia a algum alimento, ou pode chegar ao jejum, que consiste no privar-se das refeições de modo total ou parcial. Muitas vezes, podem ser outras formas, de acordo com a situação e a pessoa. É muito salutar a prática de tal forma de penitência.
Mas, por que jejuar? Por que abster-se de alimentos? É necessário compreender o sentido profundo que o cristianismo dá a essas práticas para não ficarmos numa atitude superficial, às vezes até folclórica ou, por ignorância pura e simples, desprezarmos algo tão belo e precioso no caminho espiritual do cristão.
O jejum nos ensina que somos radicalmente dependentes de Deus. A ideia que isso exprime é que nossa vida não vem de nós mesmos, não a damos a nós próprios; nós a recebemos continuamente: ela entra pela nossa garganta com o alimento que comemos, a água que bebemos, o ar que respiramos. Jamais o homem pode pensar que se basta a si mesmo, que pode se fechar para Deus.
Quando jejuamos, sentimos certa fraqueza e fragilidade e, às vezes, nos vem mesmo um pouco de tontura. Isso faz parte da “psicologia do jejum”: recorda-nos o que somos sem essa vida que vem de fora que nos é dada por Deus continuamente. A prática do jejum impede-nos, então, da ilusão de pensar que a nossa existência, uma vez recebida, é autônoma, fechada, independente. Nunca poderemos dizer: “A vida é minha; faço como eu quero!” A vida será sempre e, em todas as suas etapas, um dom de Deus, um presente gratuito, e nós seremos sempre dependentes dele. Essa dependência nos amadurece, nos liberta de nossos estreitos e mesquinhos horizontes, nos livra da autossuficiência e nos faz compreender “na carne” nossa própria verdade, recordando-nos que a vida é para ser vivida em diálogo de amor com Aquele que no-la deu.
O alimento é uma de nossas necessidades básicas, um de nossos instintos mais fundamentais, juntamente com a sexualidade. A abstenção do alimento nos exercita na disciplina, fortalecendo nossa força de vontade, aguçando nossa capacidade de vigilância, dando-nos a capacidade para uma verdadeira disciplina.
Nossa tendência é ir atrás de nossos instintos, de nossas tendências, de nossa vontade desequilibrada. Aliás, essa é a grande fraqueza e o grande engano do mundo atual. Dizemos: “não vou me reprimir; não vou me frustrar” e vamos nos escravizando aos desejos mais banais e às paixões mais contrárias ao Evangelho e ao amor pelo próximo.
O próprio Jesus, de modo particular, e a Escritura, de modo geral, nos exortam à vigilância e à sobriedade. O jejum e a abstinência, portanto, são treinos para que sejamos senhores de nós mesmos, de nossas paixões, desejos e vontades. Assim, seremos realmente livres para Cristo, sendo livres para realizar aquilo que é reto e desejável aos olhos de Deus! Jesus afirmou que quem comete pecado é escravo do pecado!
O jejum tem também a função de nos unir a Cristo no seu período de 40 dias no deserto. O cristão jejua por amor a Cristo e para unir-se a Ele, trazendo na sua carne as marcas da cruz do Senhor. É uma união com o Senhor que não envolve somente a alma, com seus sentimentos e afetos, mas também o corpo. É o homem todo, a pessoa na sua totalidade, que se une ao Cristo. Nunca é demais recordar que o cristianismo não é uma religião simplesmente da alma, mas atinge o homem em sua totalidade. Pelo jejum, também o corpo reza, também o corpo luta para colocar-se no âmbito da vida nova de Cristo Jesus. Também o corpo necessita, como o coração, ser esvaziado do vinagre dos vícios para ser preenchido pelo mel, que é o Espírito Santo de Jesus.
O jejum e a abstinência fazem-nos recordar aqueles que passam privação, sobretudo a fome, abrindo-nos para os irmãos necessitados. Há tantos que, à força, pela gritante injustiça social em nosso País, jejuam e se abstêm todos os dias, o ano todo! O jejum nos faz sentir um pouco a sua dor, tão concreta, tão real, tão dolorosa! Por isso mesmo, na tradição mística e ascética da Igreja, o jejum e a abstinência devem ser acompanhados sempre pela esmola: aquele alimento do qual me privo já não é mais meu, mas deve ser destinado ao pobre. É o sentido da coleta da solidariedade do Domingo de Ramos: a oferta dos valores referentes à penitência quaresmal para os trabalhos sociais da Igreja. Eis o jejum perfeito: ele me abre para Deus e para os irmãos. Nesse ponto é enorme a insistência seja da Sagrada Escritura, seja dos Padres da Igreja (os santos doutores dos primeiros séculos do cristianismo).
Nesse sentido podemos notar que o jejum vai de encontro com a caridade, ou seja, o ato de ajudar o próximo. É por isso que, justamente para valorizar o espírito do amor ao próximo e da ação social, quis dedicar na Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, o ano de 2014 como Ano da Caridade. Este se iniciou no dia 20 de janeiro e vai até dia 23 de novembro. Não deixa de ser interessante perguntar o que vai ser feito no Ano Arquidiocesano da Caridade, pois a reposta não poderia ser mais simples: vamos praticar a caridade e motivar os outros a seguirem o mesmo caminho. Isso vale para cada pessoa, grupo e instituição. O importante é perceber: ninguém está isento de colocar em prática o mandamento do Senhor Jesus naquela parte que se refere a amar ao próximo.
Caridade pode ser como estamos acostumados a conceber, ajuda imediata na hora do sofrimento agudo. O mais comum nestes casos é a ajuda diante da fome. Isso é muito bom. Isso é indispensável. A fome não tem idade, raça, religião, sexo nem qualquer outra condição. Fome é fome e precisa ser enfrentada com ajuda urgente. Acontece, porém, que nem sempre as pessoas têm apenas o que chamamos de fome material, isto é, ausência de alimentos. As pessoas têm outras necessidades que podem ser materiais, como também afetivas, emocionais e espirituais.
Caridade é, portanto, doação gratuita. É doar um sorriso, uma gentileza, uma atenção, respeito, alimento e roupas, engajamento nas obras sociais, participação no âmbito das políticas públicas em prol do bem comum, diálogo com quem pensa diferente. Esta lista, na verdade, não termina.
SIR/Arquidiocese do Rio de Janeiro
*Dom Orani Tempesta é cardeal e arcebispo do Rio de Janeiro.
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