IHU - Com seu papado passando a marca de um ano de duração no mês passado, muitos católicos já se perguntam o que o Papa Francisco representa em relação aos predecessores, principalmente os papas João Paulo II e Bento XVI.
A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada pelo National Catholic Reporter, 01-04-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Por exemplo, perguntam-se como as ênfases especiais de Francisco – suas referências contínuas a uma “Igreja pobre para os pobres”
ou sua maneira simples e direta de comunicação – se enquadram no
esquema mais amplo do seu papado. Seria ele apenas mais um papa ou um
fenômeno novo para a Igreja Católica, instituição com 1.2 bilhão de membros?
Entre as diferentes perspectivas presentes na conferência teológica, ocorrida sexta-feira (29-04-2014) na Universidade de Georgetown (EUA) – instituição administrada pelos jesuítas – e que contou com mais de uma dúzia de acadêmicos que avaliaram o papado de Francisco,
um tema era constante: O papa, disseram os estudiosos, constitui uma
ruptura completa com seus predecessores, principalmente com Bento XVI e João Paulo II.
Nas palavras de Gerard Mannion, teólogo que ajudou a organizar o evento de um dia de duração e que se centrou na exortação apostólica do papa “Evangelii Gaudium” (A Alegria do Evangelho): “Não há exagero algum aqui”.
Ao chamar uma “dinamite eclesiológica” a exortação papal, Mannion
disse: “É difícil para qualquer pessoa que trabalhe em áreas como a
eclesiologia chegar a alguma outra conclusão que não seja a do simples
fato de que, em muitos dos mais importantes assuntos, há uma
continuidade substantiva muito, muito pequena com a agenda eclesial dos
predecessores do Papa Francisco”.
“Entramos (...) num momento de dissonância cognitiva na Igreja em que as coisas estão mudando rapidamente e, no entanto, muitos temem a mudança mais do que qualquer outra coisa”, falou Mannion, pesquisador do Centro Berkley para a Religião, Paz e Assuntos Internacionais, da Universidade de Georgetown.
O Centro Berkley organizou o evento de sexta-feira – chamado “Uma nova visão para a Igreja: A agenda do Papa Francisco para a Igreja, o mundo e a justiça social” – buscando reunir especialistas das três áreas separadas para avaliar o impacto da exortação do papa em cada uma delas.
A primeira sessão, focada na eclesiologia da exortação apostólica, ou
visão da forma e estrutura da Igreja global, apresentou o maior
consenso entre os especialistas.
Embora eles não tenham colocado de maneira tão acentuada quanto Mannion, que, a certa altura, disse que Francisco
“quer mudar radicalmente a forma como a Igreja acontece em sua prática e
em sua empresa”, todos concordaram que a mudança na ênfase é real.
“Esta mudança é nova e substancial”, falou Dennis Doyle, professor de estudos religiosos na Universidade de Dayton, em Ohio, administrada pelos marianistas, que disse que o Papa Francisco está fazendo acontecer uma nova “síntese” entre ideias teológicas e práticas pastorais na Igreja.
Doyle falou que uma pequena porém central mudança que se pode ver na exortação papal são suas referências repetidas à Igreja como “Povo de Deus” – frase usada com mais frequência durante o Concílio Vaticano II –, em vez de o “Corpo Místico de Cristo”, frase preferida por Bento XVI ou João Paulo II.
O foco do papa sobre o “Povo de Deus”, disse Doyle,
evidencia “uma Igreja que está a caminho (...), uma Igreja ainda
inacabada”. É uma Igreja que “inclui a todos, não somente o clero e os
religiosos consagrados”, acrescentou.
Sandra Mazzolini, professor de missiologia na Pontifícia Universidade Urbaniana, de Roma, disse que os escritos do Papa Francisco estão tendo “profundas implicações eclesiológicas”, em particular no foco que ele dá na possibilidade de descentralização das estruturas da Igreja para além do Vaticano.
Por exemplo, em certa passagem da Evangelii Gaudium, Francisco menciona o pedido do Concílio Vaticano II para que as conferências episcopais contribuam, de forma mais concreta, na governança da Igreja, escrevendo: “Este desejo não se realizou plenamente”.
Uma tal descentralização, afirmou Mazzolini,
implicaria uma “nova maneira” de exercer o papel do papa como líder da
Igreja, focado nas relações que os bispos locais têm com o povo de suas
dioceses.
Francisco, disse ela, está incentivando os bispos
locais a se comprometerem em “promover e desenvolver meios de
participação” entre os fiéis na Igreja. Em especial, o
papa quer que eles participem do “diálogo pastoral a partir de um desejo
de ouvir a todos, e não somente aqueles que lhes diriam o que gostariam
de ouvir”.
Em outras áreas, Mazzolini disse que o papa “rejeita
a identificação da doutrina cristã com uma doutrina monolítica
encerrada e que não deixa espaço para nuances”.
O pontífice reconhece que a situação da Igreja no mundo “exige que
constantemente procuremos formas de expressar a verdade numa linguagem
que traga a sua novidade duradoura”, disse a estudiosa.
Um outro foco no evento de sexta-feira centrou-se sobre como Francisco
e sua exortação têm mudado a ênfase dos católicos para com os pobres e
marginalizados na sociedade, em particular em sobre suas críticas do
sistema capitalista de mercado global.
Falando num painel a respeito do assunto, Mary Doak – professora associada de teologia na Universidade de San Diego – declarou que o papa critica uma “economia de exclusão, de uso e descarte das pessoas como se fossem mercadorias”.
“Ele certamente está se dirigindo aos EUA” quando trata deste assunto, afirmou Doak,
que também disse que o religioso está identificando o capitalismo como
um ídolo que “distorce a cultura e a sociedade tal como todos os falsos
deuses distorcem”.
Entre outros que participaram no evento sexta-feira na Universidade de Georgetown, estão os seguintes: o padre jesuíta Drew Christiansen, membro do Centro Berkley e ex-editor da revista jesuíta America; o padre Virgilio Elizondo, professor de teologia hispânica na Universidade de Notre Dame; Maureen O’Connell, professora associada de religião na Universidade La Salle (EUA); e a Irmã Maryanne Loughry (da Congregação das Irmãs da Misericórdia), diretora associada do Serviço Jesuíta aos Refugiados da Austrália.
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