[domtotal]
Apóstolo acreditava, talvez mais do que os outros. Contudo ele quis ver e tocar.
Por Evaldo D´Assumpção*
Chegamos à Páscoa do Senhor, celebração que nos recorda a vitória de
Jesus sobre a morte. Com a ressurreição, acontecida em tempos
messiânicos, entre povos que falavam, mas não acreditavam na
ressurreição, Cristo confirma, de modo indiscutível, a sua condição de
Filho de Deus. Ele, o Deus encarnado, o Emanuel esperado por tantos e
por muitos que até hoje, incapazes de reconhece-lo, continuam esperando
por um Messias. Que veio e não foi reconhecido, nem pelos seus.
Voltando imaginariamente no tempo e no espaço, chegamos a Jerusalém no
domingo após a Páscoa judaica. Vemos a agitação da cidade retornando às
suas atividades normais. Milhares de pessoas se preparam para regressar
às suas casas. São partos, medos, elamitas, mesopotâmios, capadócios e
tantos outros que foram surpreendidos ao ouvirem os apóstolos, homens
simples do povo, pescadores e cobradores de impostos, falando
misteriosamente num idioma que a todos era compreensível. E que
corajosamente enfrentavam o poder dos sacerdotes e fariseus, anunciando o
inacreditável acontecimento: um sepulcro vazio testemunhara, juntamente
com a própria guarda do Templo que ali fora posta pelo sumo-sacerdote,
temeroso de alguma fraude, o cumprimento da promessa de Jesus: “Em três
dias reerguerei o Templo que vocês destruírem!”
Se todos entendiam a pregação dos apóstolos, poucos compreendiam o que
estava acontecendo. Como era possível um morto ressuscitar dentre os
mortos? Ainda mais alguém que fora esmagado pela violência dos soldados
romanos, tanto quanto pela hipocrisia e crueldade de sacerdotes e
fariseus, invejosos e amedrontados pela pregação do carpinteiro de
Nazaré.
Deixando o burburinho das ruas, voltamos ao Cenáculo. Ali, os discípulos
reunidos ao lado de Maria, a mãe que tivera o filho estraçalhado, em
seu regaço de dor, se alegravam pela vitória do filho e mestre. Jesus
realmente ressuscitara como prometera!
Contudo, entre eles estava alguém que passaria a história como um
incrédulo. Seu nome, Tomé. “Se eu não vir nas mãos os sinais dos cravos e
não puser a minha mão na sua ferida do lado, não acreditarei!” Oito
dias depois, segundo o relato de João, novamente estavam todos reunidos
quando Jesus Cristo se faz presente. E entre eles, também Tomé. Mas,
uma leitura cuidadosa do texto nos mostra algo muito instigante: ao ser
autorizado a tocar as chagas de Jesus, ele não o fez. Prostrou-se diante
do Mestre ressuscitado e disse simplesmente: “Meu Senhor e meu Deus!” A
partir daí, a história o condenou a ser o mais incrédulo dos
discípulos.
Podemos, contudo, fazer outra leitura do seu gesto. Tomé, em seu
evangelho apócrifo, atribui a Jesus esta frase: “Que aquele que procura
não deixe de procurar até que encontre. Quando encontrar, ficará
perturbado. Quando estiver perturbado, ficará maravilhado e dominará
tudo. E (tendo dominado) descansará” (Sentença 2, Papiro de Oxirrinco
654,8-9).
Tomé foi lição para os nossos dias, quando muitas pessoas se entregam a
crendices religiosas sem nenhum questionamento. O que lhes disserem,
aceitam. Depois, as vicissitudes da vida lhe fazem defrontar com
dificuldades, com doenças, com perdas e sofrimentos e sua “fé” desaba.
Afinal era uma opção infantil, dócil, mas sem consistência. E isso vamos
encontrar em todas as religiões e até mesmo entre ministros destas
religiões.
Tomé não duvidava. Ele acreditava, talvez mais do que os outros. Contudo
ele quis ver e tocar. Não para crer, mas para amadurecer a sua fé. Este
ver não é o olhar com os olhos, nem o tocar e apalpar com as mãos, mas
um comprometimento interior pela elaboração mental e emocional, como
base para um amadurecido e sólido crescimento espiritual. Hoje as pessoas têm preguiça de pensar. Preguiça de ler. Preguiça de
refletir. Falta-lhes a consciência crítica que Tomé deixou bem claro
para nós, como o verdadeiro caminho da fé. A verdadeira fé que, sendo um
dom de Deus – por isso mesmo, Cristo lhe afirmou: “Bem-aventurados os
que não viram e creram!” – exige mais do que um acomodamento como se
fossemos um grupo de privilegiados, diferentes e acima dos outros que
não têm fé. O caminho em busca da fé adulta é pesado. Perturba, pois nos
desinstala, derruba nossas crendices. Mas o seu encontro nos maravilha e
nos permitirá, um dia, repousar no regaço do Pai, do Filho e do
Espírito Santo, em quem acreditamos.
*Evaldo D'Assumpção é médico e escritor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário