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O IOR depois dos escândalos, o C9 à frente do novo governo, o destino de Fisichella e Ravasi. Como avança a reforma de Bergoglio do poder romano?
A reportagem é de Francisco Peloso, publicada no jornal Pagina 99, 17-05-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Se o Papa Francisco está mudando em muitos aspectos a
relação entre a Igreja e o mundo, resta saber até que ponto chegou a
reforma do poder romano, isto é, daquela Cúria vaticana marcada até não
muito tempo atrás por escândalos e corvos, por confrontos entre grupos
de cardeais, por denúncias interessadas nos hábitos privados dos
monsenhores, por vazamentos de documentos confidenciais.
"Obras em andamento" é a frase que poderia aparecer na residência de Santa Marta, a residência interna aos muros leoninos na qual Bergoglio optou por viver, até mesmo para fugir dos consumados ritos da corte vaticana.
1. Desmantelar os lobbies
No mandato recebido do conclave pelo ex-arcebispo de Buenos Aires,
em primeiro lugar estava a demanda de desmantelar as facções italianas
que, continuando a se devorar entre si, minavam a credibilidade da
instituição. O que preocupava os purpurados da América do Norte e do Sul, ou os da Europa continental ou da África,
era o fato, que já se tornou evidente, de que a Igreja italiana também
estava afetada pelo enfraquecimento das classes dirigentes do país, além
de a Itália ter se tornado, de repente, "pequena" na Europa e no mundo.
Os bispos italianos, por sua parte, haviam se refugiado em um pacto
trono-altar – em que não era secundário também um perfil econômico – que
teve o seu fulcro na virada clerical da direita berlusconiana. Tudo
iria aos pedaços em poucos anos, e, enquanto a CEI e o
secretário de Estado se enfrentavam sem exclusão de golpes pelo controle
das instituições católicas (e políticas) do país, a Igreja universal
sofria de modo pesado com esse cenário sombrio.
2. O IOR e os escândalos
No fim de abril, reuniu-se no Vaticano pela quarta vez o Conselho dos oito cardeais (ao qual também foi acrescentado o secretário de Estado, Pietro Parolin),
encarregado de trabalhar na reforma da Cúria. Até agora, já foram
enfrentados alguns capítulos particularmente urgentes, dentre os quais
se destaca a matéria incandescente do IOR e dos escândalos financeiros. Portanto, está em estudo a reescrita de um documento – a Pastor bonus –
que, de fato, é uma espécie de constituição vaticana em que são
elencados objetivos e tarefas de cada órgão, pontifício conselho,
congregação e assim por diante.
No entanto, ao término do último encontro o porta-voz da Santa Sé, Pe. Federico Lombardi,
explicou que "não se deve esperar uma conclusão dos trabalhos até o fim
deste ano; se chegará a isso em 2015". "Estão atrasando?" foi a
pergunta que surgiu naquele ponto entre os jornalistas que há muito
tempo acompanham os eventos vaticanos. A questão existe, mas também se
deve considerar o método-Bergoglio.
3. A dupla Cúria
Depois do Vatileaks, o papa foi bem sucedido em uma
primeira passagem: o de despojar a Cúria das suas pretensões de
representação pomposa, do seu exclusivismo de costumes, dos ornamentos
que mascaravam o vazio e o cinismo de um poder desgastado. Ele fez isso
esvaziando-a por e dentro, isto é, renunciando aos artifícios da corte
que, desde sempre, tinham cercado o papa (e abraçado Bento XVI mortalmente).
No entanto, o risco que Bergoglio corria – estando
bem consciente dele desde o início – era o de ser primeiro freado e,
depois, detido pelas resistências de um aparato nada fácil para as
mudanças. O papa respondeu aqui com uma certa habilidade política, ou
seja, não desafiou frontalmente a estrutura vaticana, mas,
progressivamente, sobrepôs aos velhos órgãos os novos, depois
multiplicou as comissões de estudo sobre os problemas mais delicados,
esperou um ano para substituir o secretário de Estado; medida, esta
última, invocada por muitos purpurados como urgentíssima.
De fato, grande parte dos chefes de dicastério (com algumas
importantes exceções) foram confirmados. Espera-se que o plano de
reforma chegue ao seu destino para eventuais substituições. O papa
procede assim, porque "não quer dar a impressão de que está sendo posta
em ação uma vingança", explicou um dos homens mais próximos a ele.
4. Todo o poder ao C9
Mas a verdadeira reforma institucional foi feita pelo papa quase no
dia seguinte à sua eleição, com a criação de um conselho de cardeais
(por enquanto nove), no qual estão representados os diversos
continentes. É esse o órgão encarregado não só de reformar a Cúria, mas
também – e principalmente – de ajudar o pontífice no governo da Igreja.
Trata-se de uma mudança fundamental destinada a ter o seu peso no
futuro.
Além disso, desse grupo provêm alguns dos cardeais escolhidos por Francisco para assumir papéis-chave: George Pell, australiano, presidente da nova Secretaria para a Economia; Reinhard Marx, alemão, do conselho para a economia (especialistas leigos e religiosos que preparam planos de gastos e orçamento); Sean Patrick O'Malley, capuchinho de Boston, coordena a pontifícia comissão antiabusos.
Depois, houve a intervenção de adequação do IOR aos
padrões internacionais, a nomeação de uma nova comissão de vigilância do
instituto do qual foi excluído o clã dos bertoninanos; em seguida, a
definição da APSA – a Administração do Patrimônio da Sé Apostólica – como banco central do Vaticano, embora os poderes e as funções ainda devam ser esclarecidos.
5. Que fim tiveram?
Que fim tiveram, nesse meio tempo, os chefes de dicastério? Vagavam pela Via della Conciliazione e a Cidade do Vaticano à espera de conhecer o seu destino. Dom Rino Fisichella, antigamente hóspede fixo do programa Porta a Porta, permaneceu à frente do Pontifício Conselho para a Nova Evangelização, organismo destinado à reevangelização de uma Europa que se tornou muito cética; mas não parece que essa seja uma prioridade deste pontificado.
O cardeal Gianfranco Ravasi se transformou em uma espécie de responsável da cultura e de grandes eventos do Vaticano: do Salão do Livro de Turim à Bienal de Veneza, passando pela Expo de Milão. Órgãos como o Pontifício Conselho para os Migrantes, liderado pelo cardeal Antonio Maria Vegliò, ou o da santidade, nas mãos do arcebispo polonês Zygmunt Zimowski ("ministério" sob investigação judiciária), não parecem ter mais um grande papel.
O mesmo vale para diversos outros dicastérios. Será que se tornarão
simples escritórios operacionais, sem tarefas de elaboração e direção? É
uma hipótese. Enquanto isso, no entanto, entre os empregados vaticanos,
espalhou-se outro medo: o da spending review [revisão de gastos]. Em breve, as várias sociedades de consultoria internacionais entregarão ao C9
os planos de economia, cortes e racionalização das despesas de gestão
dos sagrados palácios. Entre os objetivos do novo governo da Igreja,
está também o de reduzir a imponência da máquina burocrática vaticana.
Em suma, menos centro e mais periferia, segundo o credo bergogliano.

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