22 de maio de 2014
Alguns aspectos do simbolismo dos números
O “Simbolismo dos números” era patrimônio da sabedoria não só dos
famosos pitagóricos e platônicos (gregos), mas também dos povos
orientais e, diga-se explicitamente, dos israelitas. Eis as principais
expressões desta mentalidade na Sagrada Escritura:
O Simbolismo do número como tal
O número por si costuma significar ordem, harmonia. É o que explica a
afirmação de SB 11,20: Deus tudo dispôs “conforme medida, número e
peso”. É também o que ilustra a admoestação de Jesus: “Mesmo os cabelos
de vossa cabeça estão todos contados. Não temais!” (Mt 10,30); o Senhor,
com isto, ensina que a Providência Divina dispõe ordenadamente até as
mínimas circunstâncias da vida humana.
Por conseguinte, a história dos justos é geralmente apresentada
dentro de um quadro numérico, ou seja, com a indicação de datas ou
cifras equivalentes a datas- coisa que frequentemente falta na linhagem
dos ímpios.
Já que os números frequentemente indicam qualidades, entende-se que
as expressões de plural na Sagrada Escritura não designam sempre
multidão, extensão, mas intensidade de um predicado.
Por exemplo, ocorrem no texto hebraico da Sagrada Escritura
substantivos em forma plural que inegavelmente designam o único Deus, o
Deus de Israel. Assim:
Elohim, plural de ‘El, Deus ou Forte’ (Gn 5,22; 6,9.11; 7,18; Dt 4,35; Is 46,9);
Qedoshim, plural de Qadosh, Santo (Js 24,19; Os 12,1; Pr 9,10; 30,3);
Elyonim, plural de Elyon, Excelso (Dn 7,18).
Estas formas de plural não indicam multiplicidade de sujeitos ou
desuses, mas são maneiras de realçar a qualidade expressa pelo
respectivo nome: a fortaleza, a santidade, a sublimidade do único Deus.
Aplicando a Deus os termos concretos “Fortes, Santos, Excelsos”, os
israelitas queriam dizer que o Senhor é a Fortaleza, a Santidade, a
Sublimidade mesma (em hebraico, o conceito abstrato era expresso pelo
plural do termo concreto).
Aliás, sabe-se que também os povos pagãos, referindo-se a uma
Divindade, empregavam formas de plural. O deus lunar Sin era chamado
ilani scha ilani, os deuses dos deuses, isto é, o deus supremo. Os
vassalos cananeus do Egito dirigiam-se ao Faraó mediante a fórmula
ilania, “os seus deuses”.
O simbolismo peculiar de alguns números
Dentre os números, gozavam de preferências os ímpares. Julgava-se em
certos círculos (mormente no pitagorismo, a partir do séc. VI a. C.) que
o número um é por excelência o Princípio não produzido, perfeito; o
número dois, que se origina pela intervenção do vazio ou do intervalo na
unidade, parecia essencialmente imperfeito. Em geral, os números pares
eram considerados inferiores, moles ou femininos, quebradiços, por
admitirem divisão em duas partes inteiras; ao contrário, os números
ímpares, opondo-se a isto, eram tidos por fortes, viris, perfeitos.
A) O número sete
O número sete é dos mais dotados de valor simbólico na mentalidade antiga e na Escritura Sagrada.
O significado importante do septenário entre os orientais
compreende-se pelo fato de que estes povos dividiam o tempo conforme as
fases da Lua. Em Israel, a estima geral dedicada ao número sete parecia
sancionada pela própria Bíblia, que reconhecia e promulgava, já em suas
primeiras páginas, a distribuição do tempo em semanas (cf. Gn 1, 1-2,
4a).
Visto que o número sete determina períodos mais ou menos completos,
definidos, da vida humana, atribuíam-lhe o significado de totalidade,
plenitude e perfeição. É com este sentido que ele ocorre, por exemplo,
aa) nas fórmulas de contratos e juramentos: Abraão
deu a Abimeleque sete ovelhas como penhor de que cumpriria sua palavra
(cf. Gn 21, 30). De resto, os hebreus derivaram o verbo shaba, prestar
juramento, dizer palavra firme, da mesma raiz que sheba, sete;
bb) sempre que se queira exprimir a totalidade, tão
grande quanto seja; assim o discípulo de Cristo há de perdoar setenta
vezes sete vezes, isto é, indefinidamente, sempre que haja ocasião para
isto (cf. Mt 18, 21s.; Lc 17, 4). O autor de Pr 24, 16 se refere a sete
(=todas as) quedas do justo. Veja-se ainda Gn 4, 15.24 (a vingança de
Caim e a de Lameque).
Um fenômeno literário interessante ainda solicita atenção: no texto
hebraico de 2Sm 12, 6 lê-se que o homem que haja roubado uma ovelha é
obrigado a restituir quatro outras (de acordo com a lei formulada em Êx
20, 37; cf. Lc 19, 8). Eis porém, que os judeus de Alexandria, ao
traduzirem o trecho para o grego, em lugar de “quatro” puseram “sete
ovelhas”. Esta tradução, à primeira vista, é estranha; contudo ela se
explica muito bem, se se penetra na mentalidade dos tradutores: no caso,
longe de atribuir a “sete” significado quantitativo, matemático,
quiseram por meio deste número indicar melhor o que o texto original
subentende, a saber: que se há de fazer a compensação cabal, exata do
furto cometido (de resto, em Pr 6, 31 está dito que o ladrão deve
restituir sete vezes o que roubou!);
cc) quando se quer indicar um dia ou um ano de
repouso, de renovação, ano que mais se assemelhe à perfeição da vida
celeste; tal dia ou tal ano é determinado pelo número sete (sétimo dia
ou sábado, sétimo ano ou ano sabático, ano jubilar ou quinquagésimo [7 x
7 + 1]). Cf. Gn 2, 2; Êx 20, 10; Lv 25, 1-17.
B) O número três
O número três gozava também de grande estima entre os semitas, não
somente por ser o primeiro composto ímpar, mas também porque o triângulo
equilátero constitui um dos símbolos mais expressivos de firmeza e
perfeição; é figura que sobre qualquer de suas bases está sempre em pé,
não se deixando de modo nenhum derrubar.
O ternário ocorre com frequência na Escritura, embora mais parcimoniosamente do que o número sete. Sejam aqui mencionados apenas
os três filhos de Noé (Gn 6,10), os três amigos de Jó (2, 11), os
três justos de Ezequiel (14, 14), os três companheiros de Daniel (3,
23), os três anjos que apareceram a Abraão (Gn 18,2), os três dias
passados por Jonas no ventre do monstro marinho (2, 1)…
Em cada um destes trechos, o sentido do número três há de ser analisado à luz do gênero literário adotado pelo hagiógrafo.
C) O número dez
O número dez tornou-se importante entre os antigos pelo fato de que o
homem primitivo, ao contar, recorria aos dedos de suas mãos; desta
praze se originou o sistema decimal. Em tais circunstâncias, o número
dez foi tido como símbolo de um “todo completo, fechado em si”. É
certamente este o significado que lhe compete nas genealogias dos
setitas (Gn 5, 1-32) e dos semitas (Gn 11, 10-32): o hagiógrafo, ao
mencionar dez Patriarcas em cada uma, de modo nenhum entendia dizer
quantas gerações mediaram respectivamente entre Adão e Noé, Noé e
Abraão, mas apenas queria referir-se a todos quantos (…) tenha realmente
havido, ficando a cifra exata desconhecida tanto ao escritor como ao
leitor. O que interessava ao autor sagrado era dizer que entre Adão e
Noé, Noé e Abraão, a série dos tempos foi preenchida sem algum
acontecimento digno de nota para a historiografia religiosa.
Sejam mencionados ainda:
os dez servos (=um grupo completo), as dez dracmas (= número
redondo), as dez virgens (= todos os cristãos), nas parábolas de Cristo
(Lc 19, 13; 15, 8; Mt 25, 1);
o catálogo (taxativo, não exaustivo) de dez adversários que não conseguem arrebatar ao cristão o amor de Cristo (Rm 8, 38s.);
a menção de dez vícios (não exaustiva), que excluem do reino de Deus (1 Cor 6, 9s);
a série de dez milagres narrados sucessivamente para comprovar a
autoridade de Jesus após o importantíssimo sermão sobre a montanha (Mt
8s.);
as dez prescrições dirigidas a quem queira subir à montanha do Senhor (Sl 14).
D) O número doze
O número doze adquiriu apreço em virtude da divisão do ano em doze
meses, divisão que já babilônios e egípcios observavam. Era natural que a
cifra, abrangendo um período definido em si, simbolizasse, por sua vez,
totalidade ou plenitude.
Na Sagrada Escritura, o número doze é básico para a história do povo
de Deus. Este constava de doze tribos, portadoras da fé e da esperança
messiânicas; em consequência, o reino messiânico mesmo é frequentemente
assinalado pelo número doze. Com efeito, ele se propaga mediante a
pregação dos Apóstolos, escolhidos pelo Senhor para constituírem o elo
entre as doze tribos (a totalidade) do antigo Israel e a plenitude do
novo Israel, agora recrutado dentre todas as nações. Baseado sobre os
doze Apóstolos quais pedras fundamentais , o reino messiânico é descrito
no Apocalipse como Cidade Santa, a nova Jerusalém, cuja estrutura é
impregnada do mesmo número: tem doze portas, guardadas por tribos de
Israel; sobre cada qual das pedras da base acha-se o nome de um dos
Apóstolos; a cidade, sendo quadrada, tem doze mil estádios de lado; a
muralha perimetral mede cento e quarenta e quatro côvados (cf. Ap 21,
12.14.16s. 20s.). Tais indicações significam o caráter de plenitude,
consumação, que toca à nova Jerusalém ou à Igreja de Cristo; esta
constitui o reino teocrático por excelência, em que os bens outrora
outorgados às tribos de Israel se acham multiplicados e oferecidos a
todos os homens.
Fonte: Bettencourt, Estêvão. Para entender o Antigo Testamento. 4ªed. Editora Santuário: Aparecida,SP.1990. pp.78-83

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