Santo Atanásio (295-373) foi simultaneamente o Bispo mais
amado e o mais odiado e perseguido do seu tempo. Para os seus defensores,
Atanásio era a garantia da ortodoxia católica, o salvador da Fé, um autêntico
sucessor dos Apóstolos; para os seus adversários, Atanásio era um orgulhoso,
teimoso, intransigente, rebelde, insolente inimigo da paz e da concórdia entre
os cristãos.
Desde o ano 33 houve perseguições contra a Igreja. Primeiro
pelos judeus, depois pelos pagãos. Desde o ano 64, até ao 311, no Império
Romano, que se estendia sobre três continentes – Europa, África e Ásia – ser
cristão era digno da pena de morte, por proibição legal. Estalaram perseguições
sangrentas, por vezes locais, outras vezes gerais. Milhares de cristãos: papas,
bispos, sacerdotes e fiéis, depois de terem sofrido as mais espantosas
privações e torturas, morreram mártires. Milhares de confessores padeceram as
calúnias, a confiscação de todos os seus bens, o desterro, a fome, a sede e os trabalhos
forçados. Houve também quedas lamentáveis e, inclusive, apostasias. São
Cipriano reconhece-o. Foi uma luta de três séculos entre a Igreja Católica e as
forças das trevas, que se serviam dos cultos pagãos, dos governos romano e
persa e das seitas supostamente cristãs, que já então pervertiam a Bíblia.
Nesse tempo, a Igreja cumpriu a sua missão pregando e
defendendo a pureza da fé, custasse o que custasse. Não quis dialogar com os
hereges nem com as autoridades pagãs que propunham o “diálogo inter-religioso”,
com condição de colocar Cristo no mesmo nível dos ídolos Júpiter, Apolo, Mitra
e os falsos profetas.
De 303 a 311, os Imperadores Diocleciano e Galério quiseram
acabar com o Cristianismo, declarando guerra total contra a Igreja. O sangue
cristão foi derramado a jorros.(1) Mas Cristo triunfou pelos seus mártires. “As
perseguições causaram efeito contrário ao que prosseguiam os seus instigadores.
A Igreja desenvolvia-se com o sangue dos mártires.” (2)
O triunfo do Cristianismo
Em 311, Galério, muito doente, deu-se conta, por experiência
própria, do poder divino de Cristo, e reconheceu, pela primeira vez, a
existência legal do Cristianismo.(3) Em 313, os Imperadores Constantino e seu
cunhado e colega Licínio, deram liberdade à Igreja.
Em 324, Constantino é o único Imperador. Declara-se protetor
da Igreja; manda construir basílicas em Roma, Constantinopla, Jerusalém; começa
a cristianizar o Direito; declara o Domingo festa principal da semana; favorece
o clero e a cristianização do Império. Será batizado antes de morrer, em 337.
Para salvar a fé na divindade de Cristo, Santo Atanásio
sofreu calúnias, juízos iníquos, perigo de morte, cinco desterros durante 17
anos, ódios de muitos bispos e dos imperadores filiados à heresia, e finalmente
a “excomunhão” pelo Papa Libério.(4) Contudo a Igreja proclamou-o santo, Padre
da Igreja, Doutor e salvador da fé católica. A história reconhece que, sem a
resistência e os sofrimentos heroicos de Santo Atanásio e dos seus companheiros
bispos e sacerdotes, assim como do povo fiel, a fé católica teria naufragado no
século IV. Naufrágio fomentado, favorecido e imposto ao povo católico por
alguns teólogos, bispos e sacerdotes, intrigantes e racionalistas, que haviam
tomado o poder na Igreja. Esses intrigantes, que representavam a Igreja
oficial, utilizavam sem nenhum escrúpulo o poder do Direito Eclesiástico e
Civil para perseguir os católicos fiéis e corromper a fé na divindade de Nosso
Senhor Jesus Cristo.
A história de Santo Atanásio e da sua época ensina-nos que
uma crise da fé pode ser provocada por alguns bispos que formem um “poderoso
partido moderno” detentor do poder na Igreja. Prova, também, que lutar contra
as autoridades oficiais para preservar a fé da contaminação legal, é necessário
e meritório.
Parte II
A heresia de Ario antes do Concílio de Nicéia
Mal havia terminado a mais intensa e prolongada das
perseguições à Igreja (303-311), quando as forças das trevas mudaram de tática
e atacaram a fé mediante a heresia. Ataque mais perigoso, porque, desta vez, os
destruidores da fé serão bispos e sacerdotes.
Ario (260-336), influente pároco de Alexandria, no Egito,
deu início a uma heresia que negava a divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo. O
herege dizia que Cristo era a primeira das criaturas de Deus e, como todas as
demais, tirada do nada. Por ser a primeira criatura, chamava-se-Lhe Filho de
Deus, mas não Deus verdadeiro igual ao Pai. Era uma criatura divinizada,
mediante a Qual Deus criou as demais coisas, inclusive o Espírito Santo. Com
essa blasfêmia, Ario destruía completamente a fé católica. “Atacava a
verdadeira natureza do Cristianismo, ao atribuir a Redenção a um deus que não
era verdadeiro Deus e que, por isso mesmo, era incapaz de redimir a humanidade.
Assim, despojava a fé do seu caráter essencial.” (5)
A Igreja condena a heresia
No ano de 318, Ario começava a provocar muitas discussões
por causa da sua heresia, que apresentava nos seus sermões como doutrina da
Igreja.
Santo Alexandre, Bispo de Alexandria (312-328), apoiado pelo
seu diácono e secretário Santo Atanásio, em um sínodo de mais de cem bispos,
realizado em 319, condenou a heresia de Ario como uma inovação contrária à
tradição católica. A fé católica sempre afirmou: “Cristo é o Filho de Deus
feito Homem para nos salvar, Cristo é consubstancial ao Pai, quer dizer, da mesma
substância que o Pai. Deus é Uno em três Pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo”.
Ario rebelou-se, então, abertamente, caluniou o seu bispo e
começou a propagar a sua heresia por todos os meios, e a pedir ajuda aos seus
companheiros de estudos já bispos, em oposição com as regras eclesiásticas.
Santo Alexandre teve que excomungar Ario e os seus partidários: dois bispos,
oito sacerdotes e dez diáconos. Foi tomada essa forte medida para conjurar um
grave perigo contra a fé. Ario recebeu apoio dentro e fora do Egito. Dentro
apoiaram-no os seus amigos e muitas monjas seduzidas pela ciência e pela vida,
aparentemente mortificada, do orgulhoso sacerdote. Fora, vários bispos seus
amigos, como Eusébio de Nicomédia e Eusébio de Cesaréia, tomaram a defesa da
sua heresia e propagaram-na, mas com mais astúcia, para não assustar os
incautos.
Uma rede de hereges dentro da Igreja
Eusébio de Nicomédia era um poderoso prelado pela sua
influência sobre Constância, irmã de Constantino, pela sua habilidade política
e ambição. Para ter mais poder na Igreja, e apesar das regras eclesiásticas,
tinha-se feito transferir do Bispado de Beirute para o de Nicomédia (Turquia),
então capital imperial. Depois, fez-se nomear Patriarca de Constantinopla,
troçando dos cânones da Igreja que ele mesmo havia assinado.
Rapidamente formou-se em favor de Ario uma poderosa aliança,
que provocou um incêndio devastador em todo o Oriente do Império Romano. Os
membros da rede ariana escreviam, tratavam de ganhar influência e amigos entre
os bispos e governantes, e conseguiam-no. A sua ação gerava grande desordem na
Igreja.
A resposta católica
Santo Alexandre e o seu secretário também escreviam para
advertir os bispos da situação real do herege. Os Patriarcas de Antioquia,
terceira Sé da Cristandade, e de Jerusalém, apoiavam Alexandre. Mas a desordem
fomentada pelos arianos crescia e debilitava a posição da Igreja perante os
pagãos e judeus. Constantino, preocupado com a desordem, enviou a Alexandria
Ósio, Bispo de Córdova (Espanha). Ósio apoiou Santo Alexandre, mas não logrou
pacificar os espíritos. Ante semelhante incêndio, grandes medidas eram
necessárias.
Parte III (Continuação)
O Concílio de Nicéia em 325
No ano de 325, para apagar o incêndio provocado pelos
hereges e conservar a paz e a ordem pública, Constantino convocou para a cidade
de Nicéia o primeiro concílio de toda a catolicidade. No Concílio, a heresia
foi condenada com horror pelos representantes do Papa Silvestre e por uns 300
bispos, menos dois. A fé na divindade de Cristo, sempre crida, foi novamente
proclamada: Nosso Senhor Jesus Cristo é Deus igual e consubstancial ao Pai, ou
seja, é Deus tendo a mesma substância divina que o Pai (Dz. 125). Ario e os
seus cúmplices repeliram o Símbolo da Fé redigido no Concílio. Constantino
desterrou-os.
A subversão ariana depois de Nicéia
Com a proclamação do Símbolo de Nicéia, tudo deveria entrar
na ordem. Mas o intrigante Eusébio de Nicomédia, se bem que tivesse sido
desterrado durante uns tempos por apoiar Ario, logrou conservar a heresia e
perturbar todo o mundo cristão, durante meio século no Império Romano, e
durante vários séculos fora do Império, através dos povos bárbaros convertidos
pelo bispo ariano Ulfilas (311-383).
Com o apoio de seus amigos, ou por convicção ariana, ou por
não ter entendido bem a fórmula consubstancial, o astuto Eusébio difundiu o
semi-arianismo, cheio de ambiguidades que favoreciam a heresia. Agiu de tal
modo que Constantino anistiou Ario em 327. No ano seguinte, Atanásio foi eleito
bispo patriarca de Alexandria.
Enquanto Atanásio tratava de pôr ordem na Igreja do Egito,
Ario, anistiado, queria regressar ao Egito. O bispo recusou-se a entrar em
comunhão com ele, como queria Constantino. Os arianos de fora (os dois Eusébios
e os egípcios hereges e cismáticos) começaram a difamar o santo e seus
companheiros que guardavam a pureza da fé. Nos anos de 333 e 334, trataram, sem
êxito, mediante sínodos, condenar Atanásio. Mas em 335, já queriam sua cabeça a
todo custo e, de fato, lograram obter do Imperador o seu desterro na Alemanha.
Morte de Ario em 336
Por ordem de Constantino, enganado, Ario tinha de ser recebido
na comunhão católica, desta vez em Constantinopla. O arcebispo, ameaçado de
desterro, pediu ajuda ao Céu, orando e jejuando, para preservar a fé de tal
contaminação. Deus atendeu sua oração. Na véspera de sua entrada triunfal na
Igreja Católica, Ario morreu no banho, de morte repentina e vergonhosa.
Triunfo do arianismo (337-381)
Todavia, a morte do herege não afetou muito o seu partido,
porque o chefe real da seita era o bispo Eusébio de Nicomédia.
Depois da morte de Constantino em 337, os “católicos
oficiais”, hereges de fato, puderam converter Constâncio, filho de Constantino,
à sua seita, e com o apoio do Imperador, expulsar os bispos católicos, tomando
seu lugar. Em grande parte da Igreja Católica, desde 335 até 381, os hereges
tinham conseguido tomar posse dos templos, basílicas, catedrais e conventos.
Por exemplo, Constantinopla estava nas mãos dos arianos
desde o ano 351. A pequena comunidade católica sob o mando de São Gregório
Nazianzeno (330-390), durante os anos 378-380, celebrava Missa numa casa
particular transformada em capela.
A meta dos arianos era tomar o poder da Igreja por dentro e
impor a sua “fé ariana” a toda a cristandade. O próprio Papa Libério foi
desterrado durante dois anos, até que assinasse uma fórmula de fé ambígua e
excomungasse Santo Atanásio (Dz. 138). Os bispos católicos, os sacerdotes e
fiéis importantes, foram maltratados, sobretudo caluniados como se fossem
malfeitores e, finalmente, desterrados. Para ocupar o lugar dos bispos
católicos desterrados, nomeavam-se sistematicamente bispos arianos ou
semi-arianos (hoje dir-se-ia conservadores!), para não afugentar o povo que,
todavia, guardava a fé católica. Os costumes cristãos pervertiam-se por culpa
dos novos bispos, que eram indignos.
Em muitos lugares, os pagãos e os judeus apoiavam os
“católicos oficiais”, quer dizer, os hereges. Os bispos e imperadores arianos –
Constâncio e Valente – perseguiam os verdadeiros católicos, que eram
considerados como cismáticos, orgulhosos, “faltando à caridade, à obediência, à
comunhão eclesiástica”, e perturbadores da paz na Igreja. A única falta dos
supostos cismáticos era não aceitar umas fórmulas de compromisso, fórmulas
ambíguas, fruto das novidades heréticas que punham em perigo a fé católica.
A heresia apoderando-se do governo civil e religioso,
tornada justiça e verdugo, atuou sem piedade contra os verdadeiros católicos.
Utilizou todos os meios para destruir a fé católica no homoousios
(consubstancial), definido em Nicéia. Ameaças, calúnias, mentiras, falsos
testemunhos, ilegalidades, violação dos cânones e regras da Igreja: tudo isso
foi utilizado contra Santo Atanásio, contra seus amigos e contra os fiéis. Mas
Deus não abandona nunca nem a sua Igreja, nem os confessores da fé. Nos tempos
de crise, sempre há santos varões, escolhidos por Deus, que se levantam para
proclamar integralmente a fé católica, sofrer por ela e salvá-la das garras da
heresia que, despudoradamente, se proclama “ortodoxia católica”. Santo Atanásio
foi o maior destes homens de Deus.
Parte IV
Santo Atanásio, protagonista da resistência católica e alvo dos arianos
No século IV, a fé católica conheceu o maior perigo da sua
existência. O sacerdote Ario, apoiado por bispos poderosos, negava a divindade
de Nosso Senhor Jesus Cristo. Esta heresia, apesar de ter sido condenada no
Concílio de Nicéia (dogmático) em 325, pôde apoderar-se dos maiores bispados da
Cristandade, e submeter por algum tempo o Papa Libério. Alguns bispos,
“excomungados” pela seita ocupante da Igreja, salvaram a fé católica. Os
condenados de ontem – Atanásio, Hilário, Eusébio de Verselli e Eustáquio – são
hoje santos e os seus poderosos inimigos – teólogos em voga no seu tempo –
foram declarados destruidores da fé.
Os Arianos
Os arianos, que formavam um poderoso partido dentro da
Igreja, utilizavam todos os meios (ameaças, calúnias, injustiças, crimes, leis
da Igreja e do Estado) para desterrar os bispos católicos. Em poucos anos,
apoderaram-se dos maiores bispados do Oriente. Só restava o Egito. O perigo era
grande. Fazia falta um santo para o enfrentar.
Santo Atanásio (295-373)
Esse santo era Atanásio, jovem bispo de 33 anos que, para
salvar a fé católica, lutou durante 45 anos contra os “bispos oficiais” e
quatro Imperadores.
Sua formação
Atanásio nasceu cerca de 295 em Alexandria do Egito.
Recebeu, no seio da Igreja, uma sólida formação em filosofia e teologia. Em
breve a vida ascética o atraiu para junto de Santo Antão Abade. Tendo-o
descoberto, Santo Alexandre ordenou-o diácono e nomeou-o secretário episcopal,
por volta do ano de 318.
Desde o início da crise, Atanásio opôs-se com energia à
heresia que se apresentava como doutrina católica. Acompanhou seu bispo ao
Concílio de Nicéia em 325, durante o qual esteve ativo nos bastidores como
teólogo. Depois do Concílio foi o salvador da fé católica.
Patriarca
Em 328, apesar da sua pouca idade, foi eleito e consagrado
Arcebispo e Patriarca de Alexandria, que era a segunda Sé da Cristandade.
Atanásio tinha já fama de defensor intransigente da fé contra as inovações
verbais destinadas a modificar a fé de Nicéia.
Os poucos bispos arianos que estiveram no Concílio, tinham
assinado os decretos para não serem condenados como hereges. Mas esperavam a
oportunidade para anular a doutrina de Nicéia. Quando se apresentou a ocasião,
mediante a calúnia e a injustiça, destituíram os bispos das cidades importantes
e tomaram seu lugar. Depois, concentraram todas as suas forças contra Atanásio,
que “era o defensor mais temido de Nicéia, e por isso, era necessário
eliminá-lo” (6) para triunfar em todo o Oriente, antes de atacar o Ocidente.
Sua personalidade
“A figura de Atanásio apresentava alguns caracteres que nos
permitem descrevê-lo como um homem tremendamente enérgico e firme, que soube
pôr essas qualidades do seu caráter ao serviço da verdade católica. Dos seus escritos
desprende-se força e vigor; jamais recuará perante o adversário, mas, antes
pelo contrário, cresce diante dele e emprega todos os recursos necessários para
fazer triunfar a verdade, expressa na fé de Nicéia.(...) Quando se vê envolto
em polêmica em que a fé está em jogo, é um adversário temível.
“Todavia, dizer isto não é dizer tudo; Quasten, na sua
Patrologia, assinala como ‘apesar da sua irreconciliável hostilidade com o
erro, e não obstante o valor com que lhe fazia frente, possuía a qualidade, rara
em semelhante caráter, de ser capaz, ainda que no mais árduo combate, de usar
de tolerância e moderação com os que se tinham desencaminhado de boa fé’. Por
outro lado, se bem que seja certo que nos seus escritos polêmicos faça gala,
com frequência, de uma força por vezes agressiva, a leitura serena das suas
obras revela um homem de grande humanidade, um verdadeiro pastor, cujo
principal defeito é, para desgraça de seus inimigos, a sua intransigência com o
erro.
“Há outro traço que não queremos deixar de assinalar, é a
sua abnegação total, o enorme autodomínio que exercitou durante toda sua vida e
que contribuiu decisivamente para forjar a sua personalidade de santo. Se com
alguém foi violento, foi sobretudo consigo mesmo; os desmedidos ataques que sofreu
durante toda a sua vida, tanto da parte dos seus irmãos no episcopado como da
autoridade civil, não serviram para o fazer dobrar no seu empenho de servir a
Igreja de Cristo: a sua fidelidade valeu-lhe passar quase vinte anos afastado,
pela força, do exercício do seu ministério. O amor à verdade pôde mais que toda
a violência sofrida diretamente no seu corpo, pelo que passou à História como
Pai da Ortodoxia e Coluna da Igreja”, que “extraía a sua força de uma
contemplação assídua”, disse São Gregório Nazianzeno.
Um concílio condena o santo: 1º desterro (335-337)
Os chefes do partido ariano, que queriam a cabeça de
Atanásio, juntaram-se em 335 no Concílio de Tiro (Líbano), com alguns bispos
católicos intoxicados pelas calúnias arianas. A presença dos católicos
manipulados, era mais uma segurança para o êxito da operação antiatanasiana.
Os acusadores eram egípcios cismáticos, e os juízes eram os
arianos e os seus títeres católicos. Quando Santo Atanásio chegou ao Concílio
com 49 bispos egípcios, foi admitido como acusado e os seus companheiros foram
repelidos “por não terem sido formalmente convocados”.
Acusavam Atanásio dos seguintes crimes políticos e
religiosos:
- querer esfaimar os da capital, guardando no Egito o trigo
destinado a Constantinopla;
- quebrar o cálice e destruir o altar de Isquiras, um
sacerdote cismático;
- matar o Bispo Arsênio e fazer magia com o seu cadáver.
Como prova, os arianos mostravam ao Concílio as mãos cortadas e secas de
Arsênio; etc.
Acerca do cálice e do altar, as autoridades civis e o
próprio Isquiras reconheceram a inocência de Atanásio. O suposto defunto foi
descoberto e apresentado ao Concílio com as suas duas mãos.
Mas não importavam as provas de Atanásio, posto que a sua
condenação estava decretada. O Santo, insultado pelo povo fanatizado e diante
da injustiça episcopal, fugiu (porque o porto e os caminhos estavam guardados
pelos arianos) e dirigiu-se a Constantinopla para pedir justiça a Constantino.
Entretanto, Eusébio de Nicomédia enviou ao Egito bispos do
seu partido para um novo “inquérito”. Ali, os testemunhos oculares e favoráveis
a Atanásio foram recusados. Depois do “inquérito”, Atanásio foi condenado pelo
Concílio “segundo os cânones”.
Após muitas insistências do Santo, Constantino chamou bispos
“juízes” à capital para um novo julgamento. Diante de Constantino, os hereges
apresentaram unicamente acusações políticas, e lograram fazer condenar o Santo
e desterrá-lo para Tréveris (Alemanha).
O Concílio de Tiro foi qualificado de “bandidagem”. Com
habilidade, os arianos lograram acusar e condenar Atanásio, com base num plano
puramente disciplinar. Nunca se atreveram a atacá-lo em nenhuma questão
dogmática.
Este “julgamento” perseguirá Atanásio durante toda sua vida
e várias vezes será desterrado por causa deste iníquo julgamento.(7)
Fim do 1º desterro (337)
Com a morte de Constantino, em 337, os seus três filhos,
Constantino II, Constante e Constâncio, repartiram o Império e decidiram o
regresso dos desterrados. Atanásio regressou como triunfador. Santo Antão saiu
do deserto para ir a Alexandria apoiar Atanásio. Os bispos egípcios também
apoiaram Atanásio no Concílio de 338, anulando a condenação de Tiro,
confirmando a posição católica e escrevendo ao Papa São Júlio (337-352) e a
todos os bispos da Igreja Católica. Em pouco tempo, Atanásio transformou outra
vez o Egito em um baluarte da fé católica.
Mas o intrigante Eusébio queria a todo custo afastar
Atanásio de Alexandria e controlar todo o Oriente. Enviou uma delegação a Roma
com os documentos do Concílio de Tiro, para acusar Atanásio e reconhecer Pisto,
um ariano, como bispo de Alexandria. Atanásio também enviou a Roma uma
delegação, para se defender. Em um debate contraditório na presença do Papa
Júlio, os emissários arianos foram vencidos pelos de Atanásio. Depois da sua
derrota em Roma, os arianos apoderaram-se do espírito de Constâncio, que
governava o Oriente, e condenaram Atanásio em 339, no Concílio de Antioquia.
2º desterro: Roma (339-346)
Em Antioquia, os arianos sagraram como bispo Gregório da
Capadócia, e enviaram-no para Alexandria, para que tomasse o lugar de Atanásio,
que tinha sido “condenado”. Supondo que a decisão da “bandidagem” de Tiro fosse
justa, as regras da Igreja exigiam que o clero e o povo de Alexandria e os
bispos do Egito elegessem o sucessor de Atanásio, e não os arianos de fora.
Gregório foi considerado pelos católicos como intruso. Quando entrou em
Alexandria, teve que ser acompanhado pelo exército. Só os poucos arianos,
judeus e pagãos o aclamaram. Durante vários dias houve motins, com feridos e
mortos. O governador teve que arrancar as igrejas, uma por uma, das mãos dos
católicos “atanasianos” e pô-las à disposição do intruso. Atanásio, antes de ir
para o desterro, escreveu uma carta a todos os bispos católicos, dizendo-lhes:
“ ‘Aqui está a comédia que Eusébio representa! Aqui está a intriga que ele
urdia desde há muito tempo, que ele logrou fazer triunfar, graças às calúnias
com que assedia o Imperador. Mas isto não lhe basta; quer a minha cabeça; trata
de assustar os meus amigos, através de ameaças de desterro e de morte. O que
não é razão para me dobrar perante a iniquidade; pelo contrário, devo
defender-me e protestar contra as monstruosidades de que sou vítima.
“Se, enquanto residis na vossa igreja e governais o vosso
povo de maneira impecável, de repente vos chegasse um sucessor, por ordem
expressa – suportá-lo-íeis vós? Não vos indignaria? Não gritaríeis vingança?
Bom! Eis que chegou o momento de vos sublevardes, por medo de que, pelo vosso
silêncio, este mal se estenda em pouco tempo a todas as igrejas, e que as
nossas cátedras de doutrina se transformem em objeto de tráfico e comércio.’
“Santo Atanásio não se equivocava: tinha visto e denunciara
o autor responsável por estas façanhas, o personagem eclesiástico mais
influente de então: Eusébio de Nicomédia.”(8)
Santo Atanásio logrou iludir a vigilância dos seus
adversários, e foi para Roma. Ali encontrou muitos bispos desterrados; deu a
conhecer aos romanos a vida dos padres do deserto, implantando na Europa a vida
monástica.
Santo Atanásio reabilitado
Os eusebianos tinham pedido a convocação de um Concílio.
Mas, quando abriu o Concílio de Roma, em 340, não quiseram participar, porque
não o podiam manipular. No Concílio, foram analisados os documentos da
“bandidagem” de Tiro, e Atanásio apresentou a sua defesa. “Deram-se conta que a
sua deposição foi o resultado de uma odiosa maquinação e que a eleição do seu
sucessor tinha sido feita com desprezo de todas as regras canônicas.” (9) O
Concílio anulou as decisões do “Concílio” de Tiro, reabilitou Atanásio e os
demais bispos, vítimas da raiva herética. Contudo, Atanásio não pôde regressar
ao Egito senão em 346.
A vingança de Eusébio
Eusébio que, violando os cânones da Igreja, se havia
apoderado em 339 da Sé de Constantinopla, considerava-se como Papa do Oriente.
Organizou também um Concílio em Antioquia, em 341, e fez condenar Atanásio pela
terceira vez.
Os bispos do partido de Eusébio não suportavam ser tratados
de arianos. Eram semiarianos, ou seja, conservadores manipulados pelos hereges
arianos. Na sua nova profissão de fé, repeliam com cuidado os “exageros” de
Ario, mas também as fórmulas católicas. Redigiam símbolos de fé, mas com
vocabulário bíblico e ambíguo. Diziam verdades católicas, mas não com o
vocabulário católico, que fechava o caminho para a heresia.
Atanásio reabilitado: Concílio de Sárdica (342-343)
Em 343 morreu Eusébio de Nicomédia, chefe da seita ocupante
da Igreja do Oriente. Sob a influência do Papa Júlio e do Imperador do
Ocidente, Constante, Constâncio aceitou a reunião de um Concílio em Sárdica
(Sofia). Quando os bispos arianos e os manipuladores viram Atanásio no
Concílio, foram para Filipólis fazer outro concílio, excomungando Atanásio, o
Papa Júlio e os demais bispos.
O Concílio de Sárdica voltou a promulgar o Símbolo de Nicéia
e a reabilitar Santo Atanásio, que pôde regressar ao Egito somente em 346. A
sua entrada solene em Alexandria teve todo o aspecto de apoteose. A cidade
inteira, todos os bispos do Egito e os monges se colocaram em bloco a seu lado.
De 346 a 356, Santo Atanásio pôde reorganizar a cristandade
do Egito, escrever muito e enviar missionários à Etiópia. Quando Constâncio
ficou como único Imperador, os arianos lograram desterrar Santo Atanásio e,
inclusive, conseguiram tomar o poder em toda a Igreja, a ponto de obrigar o
Papa Libério a excomungá-lo, em 357.
Notas:
(1) Lactâncio, Sobre a Morte
dos Perseguidores, Sevilha, Apostolado Mariano, 1990.
(2) Luís de Wohl, Fundada
sobre Rocha, Breve História da Igreja, Arcaduz, Madrid, 1988, p. 48.
(3) Lactâncio, Sobre a Morte
dos Perseguidores, cap. 33-34.
( 4) Denzinger-Hunermann, O
Magistério da Igreja, Herder, Barcelona, 1999, nº 138.
( 5) Johannes Quasten,
Patrologia, T. II, A Idade de Ouro da Literatura Patrística Grega. BAC Madrid,
1985, p. 11.
(6) Llorca G. – Villoslada –
Laboa, História da Igreja Católica, T.1, Idade Antiga, BAC, Madri, 1990, p.394.
(7) L. A. Sanchez Navarro na
sua introdução Contra os Pagãos de Atanásio, Cidade Nova, Madri, 1992, p.13-14.
(8) Ian M. Szymusiak, Duas
Apologias, Nascentes Cristãs, Paris, 1987, p.21.
(9) Fiche e Martin, História
da Igreja, T.III, p.120.
II.
“De todas as heresias que afligiram a Igreja desde sua
origem até Lutero, não houve nenhuma mais grave, mais extensa, maior, mais
perigosa para a fé do que a dos Arianos” (1)
Com efeito, os partidários do sacerdote herege Ário
tinham-se apoderado do governo da Igreja, e queriam praticar um cristianismo
filosófico, sem mistérios, esvaziando a Fé de seu conteúdo, ao negar a
divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo. Mas Deus suscitou santos bispos para
liberar sua Igreja dessa heresia.
Causas do triunfo católico
O valor, a abnegação, a sabedoria e o trabalho intelectual
de santo Atanásio, santo Hilário e seus companheiros prepararam o terreno para
libertar a Igreja da heresia transformada em “doutrina oficial”. A liturgia, o
povo e os monges desempenharam também o seu papel; e por fim os imperadores
católicos subtraíram à heresia sua principal força: a do Estado.
Valentia e desinteresse pessoal
Frente aos bispos arianos, havia bispos decididos a morrer
pela defesa da Fé Católica, proclamada no Concílio de Nicéia de 325. Estes
bispos, Atanásio, Hilário, Lucífero de Cagliari, e outros, de nada tinham medo.
Todos foram perseguidos e desterrados e, no ano de 357, Santo Atanásio chegou a
ser excomungado pelo Papa Libério. Sem a sua heroica resistência, a heresia
ter-se-ia apoderado completamente da Igreja. Santo Atanásio e seus companheiros
foram os perturbadores de uma paz feita mediante fórmulas ambíguas e concessões
doutrinais indevidas, que tratavam de unir arianos e semiarianos, num acordo de
base a mais indeterminada possível.
Estes bispos tiveram a valentia de recusar, custasse o que
custasse, a falsificação da Fé Católica, realizada pelas próprias autoridades
da Igreja.
Devido à propaganda ariana, as afirmações trinitárias sempre
cridas e reafirmadas em Nicéia contra a heresia, não foram assimiladas
rapidamente. “A sua marcha vitoriosa [da ortodoxia católica] deve creditar-se,
sobretudo, à tenacidade de Atanásio, que durante meio século sustentou, por
vezes solitariamente, o combate a favor do Concílio. (2) (...) A forte
personalidade de Santo Atanásio (...) não somente assegurou a vitória da Fé na
divindade total do Filho, mas também conseguiu que ficasse fora da dúvida a
Unidade d’Esse Filho com o Homem Jesus, Uno, e que Ele mesmo é o Filho eterno
de Deus e o Homem Jesus”. (3)
No tempo da crise ariana, ser bispo era muito perigoso. Os
bispos tinham duas soluções: sofrer as maiores crueldades, ou trair a própria
consciência. O valente Atanásio, que sofreu cinco desterros em dezessete anos,
dizia: “Devemos imitar os Santos Padres e persuadirmo-nos de que, se os
abandonarmos, não seremos dignos de comunhão com eles. Temos de seguir São
Paulo, que não oferecia a carne e o sangue, mas a Fé. No dia do Juízo, cada um
deverá prestar contas dos fiéis que lhe foram confiados. Devemos aconselhar
segundo o Evangelho, e não segundo o mundo. Cada um deve lutar no posto em que
foi colocado; porque a coroa não será dada segundo as circunstâncias, mas
segundo as obras” (4). Fidelidade, valor, perseverança, misericórdia,
prudência: tais foram algumas das virtudes de Santo Atanásio, que foi um
“verdadeiro homem de Deus, brilhante trombeta da verdade (...) intrépido
defensor do Verbo, objeto de todo gênero de ataques”, diz São Gregório
Nazianzeno (5). No Ocidente, Santo Hilário de Poitiers cultivava as mesmas
virtudes.
Depois dos Concílios de Arles (353) e de Milão (355), quando
Constâncio quis impor a heresia a todo o Império, Santo Hilário compreendeu que
se impunha a resistência aberta, à custa de sua tranquilidade e de seus
interesses pessoais (6), atitude que muitos bispos não secundaram. Dizia:
“Somos católicos e não queremos ser hereges; somos cristãos e não queremos ser
arianos; não se pode pretender conciliar coisas contraditórias; reunir o que é
oposto, juntar o verdadeiro e o falso. Fazer com que o dia e a noite, a luz e
as trevas existam ao mesmo tempo (7).
Além da valentia dos bispos, houve outras causas que asseguraram o triunfo da Fé Católica:
A Liturgia cimentava a resistência à heresia e transmitia ao
povo o dogma católico que os bispos hereges negavam de modo privado, mas que
afirmavam em público, atribuindo outro sentido às palavras.
Os monges, especialmente no Egito, foram os melhores aliados
de Santo Atanásio para manter o povo na Fé.
O povo católico, frequentemente, rechaçava a comunhão com os
bispos hereges, e permanecia fiel aos bispos desterrados. Por essa razão se
ausentava de seus templos e assistia à missa em casas particulares.
Os imperadores católicos Graciano e Teodósio ajudaram os
católicos a libertarem-se da heresia, reconhecendo publicamente a sua Fé na
Santíssima Trindade.
Os hereges manifestaram o que eram, com o seu triunfo nos
Concílios de Rimini e Constantinopla (359-360). Isso abriu os olhos de muitos
semiarianos, que se aproximaram dos atanasianos e adotaram a Fé de Nicéia.
A própria divisão dos arianos em várias seitas foi o que os debilitou.
O trabalho intelectual também teve um grande papel para
dissipar as trevas do erro. Santo Atanásio e Santo Hilário, pelos seus
escritos, tinham demonstrado a falsidade da heresia, fortalecendo os católicos.
Santo Hilário escrevera uma obra em doze tomos acerca da Trindade. Após uma
luta de cinquenta anos, o arianismo dividiu-se em diversas seitas e foi
completamente superado pelos católicos, no campo teológico: São Basílio, seu
irmão São Gregório de Nissa, seu amigo São Gregório Nazianzeno e Santo Efrém,
no Oriente; Santo Ambrósio, São Jerônimo, São Dâmaso e Mário Victorinus, no
Ocidente.
O Concílio dos Confessores (362)
Sabedoria e misericórdia
No ano de 361 morreu Constâncio, protetor da heresia. Ficou
como único Imperador Juliano o Apóstata, ex-aluno dos arianos. O Apóstata
utilizou toda a força do Império para restabelecer o paganismo e debilitar o
cristianismo. Para aumentar a desordem na Igreja, permitiu o regresso dos
bispos católicos desterrados.
Apenas regressado à Alexandria, Santo Atanásio tratou de
reparar as ruínas espirituais que os arianos tinham causado. Reuniu 21 bispos
em concílio. Lucífero de Cagliari fez-se representar por dois diáconos. Nesse
Concílio dos Confessores (da Fé) estabeleceram-se os princípios da solução da
crise, que anos depois seriam para os bispos como uma luz.
Este concílio tomou decisões parecidas às que Santo Hilário
havia tomado no ano de 360, no concílio de Paris.
No Concílio dos Confessores houve rigoristas que pediam a
excomunhão de todos aqueles clérigos que se haviam comunicado com os arianos
(quase todos os bispos tinham caído no Concílio de Rímini, em 359). Santo
Atanásio e a maioria dos bispos adotaram uma posição misericordiosa e realista,
melhor do que a de rigor imprudente.
As decisões do Concílio
O Concílio tomou as seguintes decisões: (8)
1.Não repelir os semiarianos por uma questão de vocabulário,
se eles admitissem a realidade da Fé Católica (esses bispos, nos Concílios
arianos, acrescentavam notas para tranquilizar a sua consciência).
2.Todos os que, por violência ou ignorância, tinham caído
subscrevendo fórmulas ambíguas ou errôneas sem aceitar o arianismo, podiam ser
perdoados e conservar suas funções no clero.
3.Os chefes e defensores do partido herético podiam, se
arrependidos dos seus erros, ser aceitos na Igreja, mas sem esperança de fazer
parte do clero.
4.A condição para que todos os hereges ou lapsi (os caídos)
fossem admitidos na Igreja era que lançassem o anátema sobre a heresia de Ário
e seus partidários, e reconhecessem a Fé de Nicéia como a única verdadeira e o
Símbolo de Nicéia como o melhor.
O papa Libério adotou as mesmas resoluções e tratou de as
aplicar na Itália, mas houve rigoristas que não aceitaram as decisões de Santo
Atanásio.
Santo Atanásio frente aos rigoristas imprudentes
Santo Atanásio, que sempre buscou o bem comum da Igreja,
escreveu uma carta doutrinal aos fiéis de Antioquia para esclarecer a doutrina
católica e repelir o cisma. Tinha a mesma maneira de considerar os semiarianos,
adotada por Santo Hilário, o qual dizia: “Os semiarianos que querem reunir-se
aos católicos devem ser tratados como homens que saem de uma grave enfermidade:
não estão nem completamente enfermos, nem completamente sãos; é preciso
tratá-los com mansidão e cuidado” (9).
Fazia o possível para atrair os semiarianos.
Multiplicavam-se as conversões. No ano de 366, por sua influência, “59 bispos
semiarianos dirigiram-se ao Papa Libério e foram recebidos no seio da Igreja”
(10). Aprovava São Basílio, que não exigia muito, a princípio, dos que tinham
caído. Se estes aceitavam o mais importante, estava bem assim, porque depois,
com a ajuda de Deus, entenderiam melhor as coisas. Tinham que aceitar a Cristo
consubstancial ao Pai, e ao Espírito Santo não como uma criatura (11).
Quando São Basílio foi acusado de ser misericordioso, Santo
Atanásio defendeu-o: “Fiquei muito surpreendido com a audácia dos que se
atreveram a caluniar o nosso mui amado Bispo Basílio, esse verdadeiro servidor
de Deus”. (12)
Uma consagração problemática
O Bispo Lucífero de Cagliari exigia a deposição de todos os
culpados, incluindo os que tinham caído por debilidade (13). Além disso, não
reconhecia as ordenações dos convertidos. Não via nenhuma diferença entre
hereges e vítimas de hereges. “De um caráter tão veemente como o seu, podia-se
esperar qualquer sacrifício pela Fé de Nicéia. Mas ele não chegou a enxergar,
depois de um exame ponderado e atento, os complexos ingredientes da
controvérsia ariana. Quando foi enviado para o exílio, diferentemente de
Hilário, Lucífero não pensou em aproveitar o contato com os centros principais
de debate para compreender melhor os seus fins, mas exacerbou mais a sua
atitude, contando, qualificando, sem mais, como ariano radical, qualquer
adversário da ortodoxia nicena. Ainda mais, não poupou críticas violentas à
atitude conciliatória e clarividente de Hilário, que tratava de minorar os
contrastes entre os anti-arianos do Oriente (não nicenos) e os anti-arianos do
Ocidente (nicenos), com o propósito de organizar uma frente comum contra a
heresia (...). Há que reconhecer que, no seu conjunto, a sua atuação (de
Lucífero) fez mais mal do que bem à causa da ortodoxia” (14). No ano de 362, em
vez de assistir ao Concílio dos Confessores, Lucífero foi a Antioquia consagrar
o sacerdote Paulino como bispo da pequena comunidade nicena, o que foi um erro,
já que o bispo do lugar, Melécio, anteriormente semiariano, havia aceito a fé
de Nicéia, e por isso tinha sido desterrado pelos arianos. A consagração feita
por Lucífero aumentou a desordem, atrasou a reconciliação entre os católicos e
envenenou a vida da Igreja durante anos.
O Concílio de Constantinopla (381)
Finalmente, apesar das perseguições do Imperador ariano
Valente (de 364 a 376), e apesar do triunfo ariano durante meio século,
aproximava-se o triunfo final do catolicismo.
Santo Atanásio e Santo Hilário tinham preparado bem o
caminho. São Basílio, Santo Ambrósio e São Melécio, o Papa São Dâmaso e muitos
outros santos, iam dar o golpe final à mentira ariana. Com a morte de Valente,
em 378, os arianos perderam o protetor de sua seita. O general espanhol
Teodósio, Imperador em 379, apoiou os católicos. Em 381, o Concílio de
Constantinopla reafirmou a Fé Católica proclamada em Nicéia em 325. Os
princípios decididos no Concílio dos Confessores deram nesse momento os seus
frutos. Em pouco tempo o arianismo, dividido em várias seitas opostas entre si
e neutralizadas pelo Imperador Teodósio, desapareceu do Império Romano.
Conclusão
Graças a sua valentia, um grupo de bispos católicos pôde
salvar a fé e a Igreja do caos da heresia. Em tempos de crise são os valentes
que, com prudência e caridade, podem solucionar os problemas. Os
intransigentes, sem estas qualidades, provocam mais dano do que bem. Os
conservadores que não proclamam a fé tal como deve ser, são a longo prazo tão
perigosos como os hereges. A história da crise ariana mostra que os bispos
tíbios ou perversos podem favorecer o erro e impô-lo ao povo como doutrina
católica. Ensina-nos igualmente como até um Papa, pressionado por bispos
poderosos, abusando de seu poder, pode equivocar-se, excomungando o melhor
defensor da Fé Católica, ainda que essa injusta condenação nada valha. Mostra,
finalmente, que a resistência prudente à autoridade que se equivocou no caminho
é necessária e, inclusive, meritória. Os casos de Santo Atanásio e Santo
Hilário dão testemunho disso.
Padre Michel Boniface
(1) Jean Adan Moehler,
Athanase le Grand et l’Eglise de son Temps, Bruxelas, 1841, T. 2, p.225.
Adiante: Moehler, tomo e página.
(2) Mysterium Salutis, Manual
de Teologia como História da Salvação, Cristiandad, Madri, 1980, T. Iglesia, p.
344. Adiante, MS.
(3) MS, p. 346.
(4) Moehler, T. 2, p.
130-134.
(5) São Gregório Nazianzeno,
Panegírico de Santo Atanásio, em Moehler, T. 1, p. XVI0-XVII.
(6) Dictionnaire de Théologie
Catholique, artigo Hilário, T. VI, col. 2390.
(7) Moehler, T. 2, p. 127.
(8) Charles Joseph Heffele,
História dos Concílios segundo os Documentos originais, Lertouzey et Ané,
Paris, T. I, p. 964.
(9) Moelher, T. 2, p. 220.
(10) Lorea-G.
Villoslada-Labao, História da Igreja Católica, Idade Antiga, BAC, Madri, 1996,
p. 426.
(11) Moelher, T. 2, p.
243-244.
(12) Idem, id. Id.
(13) J. M. Mayeur Ch. E I. Pietri,
História do Cristianismo, Desclée, Paris, 1995, T. 2, p. 359.
(14) Manlio Simonetti,
Hilário de Poitiers e a crise Ariana no Ocidente: Polemistas e Hereges, in
Institutum patristicum augustinianum, Patrologia, T. 3, A idade de Ouro da
Literatura Patrística Latina, BAC, Madri, 1993, p. 78.
Fonte: http://beneditinos.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=29&Itemid=37
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