IHU - Um episódio que ocorreu durante a oração pela paz organizada pelo Papa Francisco nos jardins do Vaticano, no dia 08 de junho, com a presença dos presidentes israelense e palestino, respectivamente Simon Peres e Mahmoud Abbas, suscitou reações por parte de alguns cristãos.
Fonte: http://bit.ly/1nAGJPw |
A reportagem é de Céline Hoyeau e Samuel Lieven e publicada no sítio do jornal francês La Croix, 23-06-2014. A tradução é de André Langer.
Durante a sequência confiada à delegação muçulmana, que se seguiu à oração
das duas outras tradições religiosas, a judaica e a cristã, um imã
acrescentou ao texto oficial em árabe os três últimos versículos da
segunda surata do Alcorão, conhecida como “A Vaca”, “Perdoa-nos (Allá),
perdoa-nos e tem piedade de nós! Você é o nosso mestre e protetor.
Ajuda-nos contra o povo dos kafir!”
Um termo que pode ser traduzido como “infiéis” e que é usado pelas
correntes radicais do Islã para justificar os ataques contra os
não-muçulmanos. Assim, este texto foi percebido por alguns como hostil
às outras duas religiões. Eles concluíram que houve "traição" e "abuso
de confiança", e um discurso ouvido com frequência, segundo o qual os
cristãos são muito ingênuos em relação aos muçulmanos, reapareceu em
vários blogs. “O mundo muçulmano regozijou-se por causa da recitação do
Alcorão ‘no Vaticano’... O perigo aumenta por causa da ignorância dos cristãos sobre o Islã”, reagiu o padre Peter Madros, do Patriarcado Latino de Jerusalém, em um artigo que circula em alguns fóruns.
"Eu não vejo nenhuma razão para levantar essa polêmica insignificante"
Esta interpretação, no entanto, não é a mais comum. Em uma entrevista concedida à seção alemã da Rádio Vaticano, o padre Felix Körner, jesuíta, professor de Dogmática e Teologia das Religiões na Pontifícia Universidade Gregoriana,
especialista em Islã, recorda que “incrédulo designa, neste caso,
pessoas que não conhecem o único Deus. Assim, quando este versículo
corânico fala dos incrédulos, contra os quais se pede a ajuda divina,
não são, pois, os judeus ou os cristãos que são o alvo, uma vez que
esses reconhecem a unidade de Deus!”
O jesuíta alemão também observa que o rabino, por sua vez, tinha recitado o Salmo 25,
bem conhecido dos cristãos, que pede a Deus para não deixar que “seus
inimigos não triunfem sobre ele”, e que poderia muito bem ter sido
percebido como “um discurso ambíguo”, “caso fosse escutado com um ouvido
tendencioso.”
Perguntado pelo La Croix, o antropólogo das religiões e filósofo argelino Malek Chebel confirma: “Pessoalmente, traduzo kafir por ‘incrédulo’. É totalmente compatível com o Alcorão
e não visa a ninguém em particular. A rigor, se você quiser fazer uma
interpretação contextualizada, visa os pagãos da Arábia antiga;
portanto, nem os judeus nem os cristãos. Não vejo nenhuma razão para
levantar essa polêmica insignificante. De acordo com o Alcorão, o
muçulmano faz um convite à paz, muito geral e aberto.”
Quanto a saber se o imã saiu ou não do seu texto, o padre Rafiq Khoury, da equipe animadora do seminário patriarcal de Beit Jala, na Cisjordânia,
disse que "os muçulmanos têm o costume de recitar esta oração em todas
as circunstâncias, desde a infância, da mesma forma que nós recitamos o
Pai Nosso... Isso não tem nada de hostil para com os cristãos. É
doloroso e penoso que sempre se olhe com propósitos negativos para os
muçulmanos.”
“Aqueles que param por aí, simplesmente não compreenderam a mensagem do Papa Francisco,
ou não querem entendê-la”, diz, por sua vez, uma observadora do caso.
“Em vez de tentar ver se o outro saiu da linha ou não, estamos dispostos
a ver nele um irmão? Levamos realmente a sério o Cristo que nos disse
para nos amarmos uns aos outros, e até mesmo para amar os nossos
inimigos?”
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