A festa da Visitação de Nossa Senhora está muito relacionada com o Magnificat, por Ela entoado nessa ocasião.
Farei um breve comentário a respeito, satisfazendo um pedido que me foi dirigido e em homenagem a essa festa.
O Magnificat me parece uma obra-prima de raciocínio e mostra
bem qual é o espírito de Nossa Senhora, ou seja qual a estruturação
lógica de Seu espírito. Mostra-nos também como no maior transporte de
alegria e entusiasmo, Ela conserva uma estrutura racional naquilo que
diz que verdadeiramente impressiona.
É interessante notar como Maria Santíssima decidiu louvar os
atributos de Deus, em função sobretudo do poder e da grandeza divinos.
Isto é muito pouco próprio daquilo que convencionamos chamar “heresia branca” (*),
a qual, em vez de dar o devido realce ao que diz respeito à grandeza de
Deus, apenas salienta o que se refere à misericórdia de Deus.
(*) “Heresia branca”: expressão
utilizada pelo Prof. Plinio no sentido de “atitude sentimental que se
manifesta sobretudo em certo tipo de piedade adocicada e uma posição
doutrinal relativista que procura justificar-se sob o pretexto de uma
pretensa ‘caridade’ para com o próximo” – cfr. “O Cruzado do século XX –
Plinio Corrêa de Oliveira”, Roberto de Mattei, Ed. Civilização, Porto,
1998, tópico 7).
É óbvio que se deve louvar a misericórdia divina e eternamente. É claro que sem ela não seríamos nada. Mas também não se deve ser unilateral e encarar exclusivamente Sua misericórdia, como igualmente não se deve ter em vista apenas Sua grandeza. É preciso ter em vista uma coisa e outra.
É isso que se nota no Magnificat, que canta a grandeza, mas descreve também a misericórdia como uma das manifestações da grandeza de Deus.
Focalizo, então, um comentário do Magnificat a respeito
desses aspectos: 1) um cântico eminentemente racional e estruturado, que
é uma verdadeira tese. Contrário, portanto, à “heresia branca” que se
move apenas por emoções; 2) um cântico onde a consideração da grandeza
de Deus é a nota dominante, embora com uma referência das mais ardentes
à misericórdia divina.
Um canto de oposição às unilateralidades dulçorosas da “heresia branca”
Vejam o caráter de tese que tem o Magnificat. Os dois primeiros versos são a tese:
A minha alma engrandece o Senhor; e o meu espírito se alegrou em extremo em Deus, meu Salvador.
O demais são motivos. Primeiro motivo:
Por Ele ter posto os olhos na baixeza de sua escrava, porque eis que de hoje em diante me chamarão bem-aventurada todas as gerações.
Aqui está uma manifestação do poder de Deus. Outra razão:
Porque me fez grandes coisas O que é poderoso, e santo é seu nome.
Ele fez nEla grandes coisas e essas grandes coisas manifestam a grandeza dEle; e Ela então engrandece o Senhor. Outra razão:
Sua misericórdia se estende de geração em geração sobre os que O temem.
Então, porque Ele fez isto e porque Sua misericórdia se estende de geração em geração. É outra manifestação de Sua grandeza, de Sua enorme misericórdia, que se estende de geração em geração sobre os que O temem.
Notem que é só sobre aqueles que têm temor de Deus, que possuem,
portanto, o senso da grandeza de Deus e que diante dessa grandeza sentem
temor. Esse temor é o temor reverencial, o temor doreconhecimento da grandeza, da santidade e da bondade de Deus.
O verso seguinte ainda é um argumento para cantar a grandeza de Deus:
Manifestou o poder de seu braço; dissipou os que no seu coração, formavam altivos pensamentos.
Deus grande, não em relação aos que O temem, mas em relação aos que
não O temem. Em relação a esses manifestou o poder de Seu braço e
dispersou os homens maus, no fundo do coração dos quais se formavam
pensamentos orgulhosos. Deus é grande na Sua capacidade de ferir aqueles
que não O temem. Manifesta-se aqui a grandeza da cólera de Deus, depois
de se ter cantado a grandeza da misericórdia de Deus.
Os senhores vêem como isso é equilibrado, como mostra Deus em todos Seus aspectos e sempre grande em tudo.
Como isso é diverso das unilateralidades meladas da “heresia branca”,
que só considera Deus sob o aspecto da misericórdia, da condescendência,
abstraindo a manifestação de Sua grandeza.
E como tudo isto é raciocinado! É uma tese e segue depois, ponto por ponto, os argumentos da tese.
Noção verdadeira de humildade
Outra razão:
Ele depôs do trono os poderosos e elevou os humildes.
Depor do trono os poderosos não é, evidentemente, tomar um homem que
está no trono e que tem poder, para destroná-lo e depois colocar os
humildes no lugar dele… Seria uma bobagem, porque esses humildes se
teriam tornado poderosos e seria preciso derrubá-los também. Se o verso
fosse assim: “Ele depôs do trono os poderosos e fez com que todos fossem
iguais”, teria um mau sentido, mas teria um sentido. Mas essa forma de
roda gigante, exaltando os humildes e depondo os poderosos, para depois
ter que depor os humildes que ficaram poderosos, é absurda. É evidente
que não é assim que isso deve ser entendido.
O que significa poderoso e humilde? O humilde é o
que faz como Nossa Senhora neste cântico, ou seja atribui tudo a Deus,
reconhece que Deus é a origem de todo o bem, a fonte de todo o poder e
que sem seu concurso nada podemos na ordem sobrenatural e também na
ordem natural. Ele é o centro de todas as coisas e o Senhor que manda em
tudo. Humildes, por exemplo, eram os poderosos de quem Ela descendia e
de quem também descendia Nosso Senhor. Assim, o rei Davi, que foi um
poderoso e que morreu no seu poder, era humilde porque reconhecia tudo
isso.
O poderoso ao qual se refere no Magnificat é
quem não reconhece isso, pensa que tem poder independente do concurso
divino. Então, Deus depôs os poderosos e elevou os humildes. Aqui está a
manifestação do poder de Deus rindo de todo poder humano. Dá poder a um
humilde e este fica poderoso; tira todo o poder a um homem orgulhoso
que só confia em si e este fica reduzido a nada… É a grandeza de Deus,
perto da qual todas as grandezas humanas não são absolutamente nada.
E continua:
Encheu de bens os que tinham fome e despediu vazios os que eram ricos.
Aqueles que eram pobres, ou seja os que são pobres de espírito, os
que têm fome e sede de justiça, encheu de bens. Os que não têm fome e
sede de justiça, que são apegados aos bens da terra, despediu
empobrecidos. Quer dizer, os ricos nada são para Ele. Deus faz dos
ricos, pobres; e dos pobres, ricos, conforme entenda.
Mais uma manifestação da grandeza de Deus: a proteção que dá ao povo eleito:
Tomou debaixo de sua proteção Israel, seu servo, lembrado de sua misericórdia, assim como havia prometido a nossos pais, a Abraão e à sua posteridade para sempre.
Quer dizer, naquilo que promete é grande, cumpre sua aliança até o fim.
Nossa Senhora, Sede da Sabedoria: exemplo de ponderação em tudo quanto reflete e diz
Os senhores observem como o Magnificat é uma tese, seguida
de todos os argumentos até o final e como canta muito equilibradamente a
grandeza e a misericórdia de Deus: a grandeza de Deus em Sua
misericórdia; a grandeza de Deus em sua justiça; o vácuo de todos os
homens diante de Deus; e o domínio de Deus sobre todo o universo. É o hino triunfal à grandeza de Deus.
No momento em que Santa Isabel falou a Nossa Senhora, glorificando-A,
Ela mostrou que se considerava nada diante dessa grandeza infinita de
Deus, que Ela cantou de modo excelente, com um fogo e um sentimento
extraordinários! Mas sobretudo com equilíbrio, numa construção
absolutamente racional, que poderia ser comparada a uma construção da
Suma Teológica de São Tomás, de tal maneira é articulada, refletida
profundamente. E isto Ela compôs sob inspiração do Espírito Santo,
quando foi saudada por Santa Isabel. Aí os senhores têm o espírito de Nossa Senhora.
Nas poucas palavras ditas por Nossa Senhora e que se registram no
Evangelho, esta nota racional se encontra presente. Por exemplo, quando
recebeu o anúncio de que deveria ser a mãe do Salvador, Ela respondeu
com uma objeção de caráter eminentemente racional: Como pode ser isto,
pois tenho um voto de virgindade? – O Anjo deu-Lhe a explicação e Ela,
quase com um silogismo, responde: “Eis aqui a escrava do Senhor,
(portanto) faça-se em mim segundo a sua palavra”. É uma atitude
conseqüente. Ela enuncia um princípio e apresenta a conclusão que dele
deduz.
Outra passagem é quando encontrou o Menino Jesus no templo. A
pergunta pede uma explicação, é uma pergunta cheia de aflição, cheia de
angústia: “Meu Filho, por que fizeste isto conosco? Teu pai e eu te
procurávamos aflitos”.
Compreendemos assim como a alma católica é plena de razão, de pensamento, é plena de densidade em tudo quanto diz e faz.
Nossa Senhora, sede da sabedoria representa assim o exemplo da razoabilidade, o exemplo da ponderação, o exemplo da medida em tudo que se pensa e se diz.
Podem analisar o Magnificat e notarão que nele não há uma palavra que esteja a mais, não há um pensamento que não esteja colocado no devido lugar. É uma jóia perfeita, em que cada pedra está colocada em seu corte para dar uma idéia global do conjunto.
Aí temos o espírito de Nossa Senhora, tão diferente da bobeira, dos
sentimentalismos fátuos, dos entusiasmos vazios próprios à “heresia
branca”.
O Magnificat é um cântico que nasce da razão. Não nasce de uma exacerbação do sentimento, nem de um movimento irrefletido, que se atira.
E assim compreendemos de um modo descritivo aquilo que sabemos de outra maneira sobre Nossa Senhora: Ela é a Sede da Sabedoria.
Através do Magnificat se conhece a escola de vida espiritual segundo o exemplo de Nossa Senhora
Compreende-se, assim, o que é ter o espírito de Maria e ser escravo
de Maria. É procurar ter essa sabedoria, essa ponderação, essa grande
estruturação de raciocínios, de idéias, de pensamentos, como couber em
nosso nível intelectual, mas procurando fazer tudo razoavelmente, com a
razão dominada pela fé e com o sentimento servindo de escravo à razão.
De maneira que ele vibra quando a razão manda e cessa de vibrar quando a
razão se opõe. E se em certo momento o sentimento não vibra com a
razão, é esta que vence e não o sentimento.
Os senhores têm aí uma escola de vida espiritual na imitação de Nossa Senhora. E isso atestado por Sua principal composição que vem a ser precisamente o Magnificat.
A propósito da Visitação gostaria de lembrar um outro ponto: quando
Nossa Senhora falou, São João Batista, no seio de Santa Isabel, ouviu a
voz dEla e exultou de gáudio. Que alegria santa sentimos quando
exultamos à palavra de Nossa Senhora em nossos corações!
Vamos pedir à Maria Santíssima que, ao par das provações que nos
concede, obtenha-nos também, com as graças alcançadas na festa de hoje,
uma dessas palavras interiores em que se exulta de gáudio e se tem
coragem para carregar todas as cruzes e ânimo para chegar até o fim da
vida sofrendo por Ela.
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