Do , em Curitiba
Luxo e simplicidade convivem lado a lado na habitação coletiva de 38
ex-moradores de rua de Curitiba. Apesar dos quartos simples, da cozinha
com mesas de plástico e dos corredores espartanos, permanece aberta
durante todo o dia uma capela com bancos em madeira envernizada e cheia
de vitrais.
Os ex-mendigos vivem hoje em um seminário católico
que, após permanecer vários anos desativado, foi alugado pela FAS
(Fundação de Ação Social) da Prefeitura de Curitiba para se tornar o
primeiro Condomínio Social do Brasil.
A proposta da casa é ser
um meio-termo entre o resgate dos albergues municipais e a recuperação
completa dos atendidos, quando passam a ter condições de trabalhar e
manter uma moradia própria.
O espaço foi pensado para ensinar os
moradores a reconquistar a autonomia. Eles próprios são responsáveis
por preparar suas refeições, lavar a roupa e limpar os quartos e áreas
comuns. O seminário tem área de 2.000 m² e capacidade para 70 pessoas,
em quartos com quatro camas cada um.
Somente é admitido no
projeto quem já arrumou ou está em processo de arrumar emprego, seja
formal ou informal. A convivência na casa também tem regras, como a
proibição do uso de álcool e drogas. Quem fuma fica limitado a um
"fumódromo" em área externa. Brigas e barulho são repreendidos. Desde o
início da operação, em janeiro deste ano, oito moradores já foram
expulsos por descumprimento das regras.
"É um modelo que busca
preparar para a autonomia. Antes de recebê-los, fazemos uma entrevista
para ver se já estão prontos para esta etapa", afirma Marilis Baumel,
coordenadora da casa. "Se precisarem de médico, por exemplo, devem ir a
uma unidade de saúde, como qualquer outro morador do bairro."
A
prefeitura não divulga o valor do aluguel do imóvel, situado em uma área
valorizada da cidade, mas afirma que a igreja concedeu um desconto de
50% em relação ao valor de mercado.
Para fazer a gestão do
Condomínio Social e acompanhar os moradores, foram alocados 20
servidores da FAS, que se voluntariaram para o novo projeto. Ainda em
caráter experimental, o projeto não teve o valor integral calculado. Seu
orçamento está vinculado ao trabalho da FAS, que mantém outros seis
abrigos com 545 vagas (sem incluir o novo projeto). Curitiba tem uma
população de rua de 2.300 pessoas, segundo levantamento oficial.
Reencontro dos gêmeos
As histórias dos moradores do Condomínio Social se assemelham em vários
pontos. Depois de uma ruptura na estrutura familiar, seja com os pais,
no caso dos mais jovens, seja com o cônjuge, o recuperando entra numa
espiral de autodestruição envolvendo álcool e drogas.
É o caso
dos gêmeos Edilson e Émerson Ramires dos Santos, 36, desalojados após a
morte da mãe. Eles passaram a viver de pequenos trabalhos no comércio e a
morar em pensões do centro de Curitiba. Émerson conta ter tido um
problema grave com drogas. Mudou-se, passou por casas de recuperação em
outros Estados e voltou a Curitiba para reencontrar o irmão.
Ambos estavam vivendo na rua, em locais diferentes, até Edilson ser
resgatado por uma equipe da FAS. Dias depois, a mesma equipe encontrou
seu irmão. "A moça me disse: 'Vocês são família e têm de ficar juntos'.
Então eu vim", lembra.
Émerson foi o primeiro a arrumar emprego, na cozinha de um restaurante em um shopping. No dia da visita da reportagem do UOL,
Edilson comemorava a conquista de um trabalho na zeladoria de um
condomínio. E fazia planos: "Agora quero juntar um dinheiro para poder
alugar uma casa com meu irmão. A gente, junto, pode proteger um ao
outro".
Jair Carlos Juliani, 51, foi para as ruas após o
divórcio. Antes, viveu um processo de mergulho no alcoolismo que
culminou na separação. Passou por vários lugares. Morou em um lugar que
lavava carros, onde trabalhava como ajudante.
Quando o negócio
fechou, recorreu a um albergue público. "O objetivo agora é caminhar com
as próprias pernas e nunca mais voltar para lugar nenhum além da minha
própria casa", diz ele, que trabalha como segurança em uma loja de
roupas.
Seminário desativado
O imóvel, localizado no
bairro Campina do Siqueira, pertence à Congregação dos Servos dos
Pobres, surgida na Itália no século 19. Após o seminário ser desativado,
no início dos anos 2000, o imóvel fechado passou a se tornar uma
preocupação dos moradores do bairro de classe média alta, que temiam
pela decrepitude do local.
Alguns empreendedores chegaram a
iniciar negociações para alugar o prédio, porém a arquitetura específica
impedia a montagem de um estabelecimento comercial. Quando a prefeitura
sugeriu alugá-lo para trabalhos da FAS, o grupo religioso viu uma forma
de realizar sua missão, ainda que de forma indireta.
O órgão
municipal conversou com os vizinhos, que temiam distúrbios e barulho
devido ao perfil dos atendidos, e explicou como seria a forma de
trabalho. Hoje, o comércio local é um dos principais empregadores dos
ex-moradores de rua, em supermercados, restaurantes, salões de
cabeleireiros e estacionamentos.
Dentro da proposta do projeto, a
Guarda Municipal não mantém equipe de segurança, diferentemente dos
demais albergues públicos. "Quem faz a segurança da casa, e de todo o
entorno, acaba sendo os próprios moradores", afirma a coordenadora.

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