IHU - Na vida, é preciso ter fome para compreender os famintos; é
preciso ter sede para apreciar a água que sacia. É preciso ter sofrido
injustiça para desejar justiça; e é preciso ter vivido a rejeição, a
condenação e a exclusão para acolher o outro, respeitá-lo em sua
dignidade e caminhar com ele.
A reflexão é de Raymond Gravel, padre da Diocese de Joliette, Canadá, e publicada no sítio Réflexions de Raymond Gravel, comentando as leituras do 14º Domingo do Tempo Comum – Ciclo A do Ano Litúrgico (06 de julho de 2014). A tradução é de André Langer.
Referência bíblica:
Evangelho: Mt 11,25-30.
Evangelho: Mt 11,25-30.
Eis o texto.
No início das férias de verão [no Hemisfério Norte], é bom ouvir as
palavras do Jesus de Mateus: “Vinde a mim todos vós que estais cansados e
fatigados sob o peso dos vossos fardos, e eu vos darei descanso” (Mt
11,28). Após um ano bem ocupado. Depois de limpar todos os tipos de
críticas em relação ao nosso compromisso em nome do Evangelho, faz bem
saber-se compreendido pelo Cristo ressuscitado que nos convida a tomar o
seu jugo, porque o seu jugo é fácil de carregar e seu
fardo é leve (Mt 11,30). O jugo faz parte da junta de bois que puxam uma
carga. Pessoalmente, gosto da interpretação do padre francês Leon Paillot que diz que a palavra jugo está na origem da palavra conjugal,
como uma união conjugal em que o homem e a mulher olham e vão juntos na
mesma direção. É mais fácil em dois do que sozinho. É, portanto, para
uma relação conjugal que o Cristo do Evangelho nos convida; propõe-nos
um amor conjugal, com ele e entre nós. Para isso, precisamos praticar a
mansidão e a humildade de coração: “Tomai sobre vós o meu jugo e
aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e vós
encontrareis descanso” (Mt 11,29).
1. Quem pode compreender?
O convite é dirigido a todos, sem exceção, mas somente os pequeninos
o compreendem e o acolhem verdadeiramente: “Ó Pai... escondeste estas
coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos” (Mt
11,25). Por quê? Os pequeninos não são as crianças, mas os pobres, os
humildes, os marginalizados e os abandonados. Eles são os primeiros que
podem acolher uma mensagem de libertação e esperança, simplesmente,
porque eles têm necessidade dela. Na vida, é preciso ter fome para
compreender os famintos; é preciso ter sede para apreciar a água que
sacia. É preciso ter sofrido injustiça para desejar justiça; e é preciso
ter vivido a rejeição, a condenação e a exclusão para acolher o outro,
respeitá-lo em sua dignidade e caminhar com ele.
É mais difícil para os sábios e entendidos que não têm necessidade de
liberdade: eles sabem tudo e eles pensam que são superiores aos outros.
Eles não precisam dos outros. Além disso, eles impõem aos outros suas
doutrinas e verdades, fardos que eles mesmos não levantam nem com a
ponta do dedo. Eles estão trancados em seu conhecimento e na sua moral, e
não se preocupam com a misericórdia, o perdão e o amor. No tempo do
evangelho, os sábios e entendidos eram os escribas, os fariseus, os
sacerdotes e os doutores da Lei que controlavam Deus e exploravam os
pobres. Infelizmente, ainda encontramos muitos, em nossos dias, na nossa
Igreja, que se parecem com eles.
Mas atenção! O Cristo de Mateus não nos convida à ignorância e à mediocridade. Um jovem Testemunha de Jeová que eu convidei para fazer um curso de exegese bíblica na Universidade de Montreal,
respondeu-me: Não! Eu não preciso disso; a Bíblia é suficiente para
mim, e me citou este versículo de Mateus: “Ó Pai... escondeste estas
coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos” (Mt
11,25). Infelizmente, ele não tinha compreendido o evangelho de Mateus!
Uma interpretação semelhante alimentou a crítica ao cristianismo no
século passado. O filósofo alemão Nietzsche escreveu:
“A visão cristã do homem é uma moral de escravos que exalta o que
beneficia os mais fracos, os doentes e os fracassados. A consciência do
pecado danifica no homem tudo o que saudável, bonito e nobre. Ao
proteger os indivíduos enfermos ou desnaturados, o cristianismo
contribui para manter a espécie humana em seu nível mais baixo”.
É difícil de aceitar, mas é o culto da ignorância e da mediocridade
propagado por alguns crentes fundamentalistas que atiça essas críticas.
Penso que devemos distinguir determinadas realidades: devemos
diferenciar entre aqueles que ignoram uma coisa porque não tiveram a
oportunidade de aprender e aqueles que ignoram uma coisa porque se
recusam a aprender... assim como devemos distinguir a humildade da
humilhação: a humildade é uma virtude e a humilhação, uma abominação. A
pobreza evangélica não é sinônimo de mediocridade, de relativismo ou de
desleixo. É exatamente o contrário: a pobreza evangélica é a
característica daqueles e daquelas que não se acham os detentores da
verdade, que estão abertos à alteridade e estão ávidos para aprender e
conhecer. Esses pobres têm o favor de Deus, porque são muitas vezes
oprimidos, rejeitados e explorados pelos ricos e os poderosos que pensam
que possuem o conhecimento e o poder.
2. Onde nós nos encaixamos?
O Cristo do Evangelho de Mateus volta-se para
aqueles e aquelas que são oprimidos pelo fardo do legalismo religioso:
“Vinde a mim todos vós que estais cansados e fatigados sob o peso dos
vossos fardos, e eu vos darei descanso” (Mt 11,28). O jugo, no
evangelho, é a lei oral e escrita e o peso do jugo designa a observância
estrita e rigorosa desta lei. Basicamente, a regra, a lei foi inventada
pelo homem para ajudá-lo a viver, para se libertar. Por outro lado, se a
lei é muito restritiva, opressiva e serviliza, então ela não liberta
mais; devemos nos afastar dela e aboli-la. A lei deve estar a serviço da
pessoa humana e não a pessoa humana a serviço da lei.
É o que o Cristo do Evangelho veio nos ensinar. No lugar do legalismo
religioso do seu tempo, ele nos propõe uma interpretação libertadora da
lei, centrada no amor: “Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim,
porque sou manso e humilde de coração, e vós encontrareis descanso” (Mt
11,29). No capítulo seguinte, Mt 12,1-8, Jesus mostra que a pessoa
humana é mais importante do que a lei e inclusive a lei do sábado: ele
defende seus discípulos que ousaram arrancar espigas de trigo no sábado,
porque estavam com fome; citando o profeta Oséias, ele acrescenta: “É misericórdia que eu quero e não sacrifício” (Os 6,6).
Tornar-se discípulos de Cristo é encontrar repouso, porque o único
fardo, o único jugo que Cristo coloca sobre seus discípulos, é o do
Amor. Mas quando você realmente ama, tudo se torna fácil de transportar.
E aqui temos um belo exemplo: “Um certo jesuíta contou que em Ruanda,
durante a guerra civil, viu uma menina ao longe que escalava
dolorosamente uma montanha, carregando um pacote pesado e desajeitado.
Quando chegou perto dela, ele percebeu com emoção que ela transportava o
corpo de um menino gravemente ferido. O jesuíta disse à menina: é um
fardo muito pesado que você carrega! E a menina respondeu: Não, senhor,
não é um fardo, é meu irmãozinho”.
Concluindo, para os sábios e entendidos de hoje, que têm facilidade
para julgar e são rápidos para condenar, mas que são incapazes de viver o
Evangelho de hoje que nos convida a um Amor conjugal com Cristo e entre
nós, eu proponho esta reflexão do século V, Santo Astério de Amasya,
que disse: “Vós que sois tão duros e incapazes de docilidade, aprendei a
bondade com o vosso Criador e não sejais para os vossos companheiros de
jornada juízes amargos e árbitros, esperando que venha aquele que
revelará a dureza do coração e vos concederá, o mestre todo-poderoso, a
cada um o seu lugar no além. Não façais julgamentos severos para não
serdes julgados do mesmo modo e transpassados pelas palavras da vossa
própria boca, como dentes afiados...”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário