IHU - “O objetivo é tornar-se um modelo de gestão financeira em vez de uma fonte irregular de escândalos”, diz o cardeal australiano George Pell, escolhido por Francisco em fevereiro para ser o seu novo czar das finanças.
A reportagem é de John L. Allen Jr. e Inés San Martín, publicada por The Boston Globe, 09-07-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Ao revelar as reformas financeiras mais radicais até agora sob o pontificado do Papa Francisco, o Vaticano anunciou nesta quarta-feira uma nova composição e um papel mais limitado do Banco do Vaticano,
um novo escritório para administrar os seus vários bilhões de dólares
em investimentos, os estudos de seus fundos de pensão e operações
midiáticas além de mais poderes para a nova Secretaria para a Economia.
Funcionários dizem que o objetivo da revisão inclui estar em
conformidade com as melhores práticas globais e com as normas jurídicas,
com a internacionalização de sua composição, contando com uma
autoridade compartilhada entre religiosos e leigos, num esforço para
superar uma história na qual as percepções de intrigas e práticas
obscuras relacionadas à administração do dinheiro vêm dando, repetidas
vezes, problemas ao Vaticano.
“O objetivo é tornar-se um modelo de gestão financeira em vez de uma
fonte irregular de escândalos”, disse o cardeal australiano George Pell, escolhido por Francisco em fevereiro para ser o seu novo líder nas finanças.
“O papa disse claramente que quer ações rapidas”, acrescentou Pell.
Hoje, durante uma coletiva de imprensa em Roma, Pell anunciou alguns dos vários passos importantes a serem dados:
• A redução do Banco do Vaticano, conhecido formalmente como o Instituto para as Obras de Religião”. O investimento de seus aproximadamente 8 bilhões de dólares será transferido para um novo escritório do Vaticano para a gestão de ativos, que também assumirá as atividades de investimento de outros departamentos.
• A nomeação do empresário francês Jean-Baptiste de Franssu, que atua no Conselho para a Economia criado por Francisco para supervisionar as reformas financeiras, como o novo presidente do banco. De 1990 a 2011 de Franssu trabalhou como executivo junto à Invesco Europe, empresa de investimentos com 35 bilhões de dólares em ativos sob sua gestão.
• A nomeação de um novo membro para um organismo composto de cardeais que governam o banco, e a nomeação de vários leigos para um conselho de administração responsável pela supervisão de rotina.
• A criação de duas comissões para estudar a sustentabilidade de um fundo de pensão para os cerca de 5 mil funcionários do Vaticano, e uma reorganização dos serviços de comunicação, do que se espera resultar numa redução e numa maior ênfase nas mídias sociais.
• Para o ano fiscal de 2015, espera-se que cada departamento do Vaticano tenha um orçamento formal, e todos se responsabilização pelos excessos de gastos.
No geral, os analistas consideraram estas mudanças um grande passo em direção ao poder que o cardeal Pell e sua secretaria concentram, trazendo praticamente todos os centros financeiros importantes do Vaticano para o seu controle.
De forma notável, dos 17 nomes anunciados hoje apenas dois são
italianos. Isso está em consonância com a política do papa de ir de
encontro com aquilo que vem sendo um monopólio italiano sobre a gestão
financeira.
“Somos uma Igreja universal, então as pessoas nas posições-chave devem ser universais”, disse Pell, “ainda que haja muitos italianos ótimos”.
Ao longo dos anos, o Banco do Vaticano tem sido uma
fonte recorrente de escândalos, legado que continua hoje com as
investigações criminais conduzidas por autoridades italianas contra um
punhado de ex-funcionários. Em vez de desativar o banco, as mudanças
anunciadas hoje aparam, de forma significativa, as suas
responsabilidades.
O empresário e advogado alemão Ernst von Freyberg,
que está deixando o cardo de presidente do Banco do Vaticano após 16
meses, disse que o novo perfil da instituição em grande parte será como o
de um banco de “poupança e empréstimo para as congregações religiosas”.
Entre os novos membros de um conselho supervisor de seis pessoas do
banco está a professora de Direito e ex-embaixadora americana junto à
Santa Sé, Mary Ann Gendon, que anteriormente trabalhou numa comissão que estudou o futuro do banco, comissão criada por Francisco em 2013.
Na terça-feira o Banco do Vaticano anunciou uma
queda acentuada nos lucros para o ano de 2013, atribuindo isso aos 11
milhões de dólares gastos em despesas associadas com uma revisão
detalhada de todas as contas bancárias e a uma perda de 60 milhões em
depósitos associados com o fechamento de aproximadamente 3 mil contas.
Embora uma carta criticando von Freyberg escrita
pelo delegado escolhido a mão pelo próprio papa tenha vindo à tona
recentemente na mídia italiana, os analistas o creditam como alguém que
conduzirá o banco através de padrões internacionais, estabelecendo um
novo quadro em relação à lavagem de dinheiro e contratando o grupo Promontory Financial, com sede nos EUA, para rever a situação de seus clientes.
Von Freyberg disse que, ao acelerar as reformas, deu ao Papa Francisco uma opção além da de fechar o banco.
“Hoje, sabemos quem são nossos clientes”, falou von Freyberg,
insistindo que não existem “contas secretas” nem piscinas de dinheiro
cujos donos seriam “famílias e políticos italianos”. Disse também que
não há contas nas mãos de “organizações más”.
Ele defendeu o pagamento de 11 milhões de dólares para a Promontory,
informando que a empresa “não estava simplesmente fazendo um serviço de
consultoria, mas um serviço de controle que não fora feito nos últimos
20 anos”.
Oficialmente o Vaticano falou que von Freyberg está saindo do cargo porque “outros compromissos o impossibilitavam de ter uma dedicação em tempo integral no Instituto para as Obras de Religião”.
O novo escritório do Vaticano para a gestão de ativos estará
encarregado de combinar os investimentos do banco com aquilo que se
conhece como a “seção ordinária” da Administração do Patrimônio da Sé Apostólica – APSA,
departamento criado originalmente para gerir um pagamento único da
Itália em 1929 como compensação da perda de territórios papais.
A ideia, tal como o Vaticano a descreveu, é consolidar as atividades
vaticanas de investimento para obter um retorno melhor e eliminar a
duplicação de esforços.
De Franssu definiu o escritório como uma “plataforma
dos mais altos padrões éticos e católicos para garantir retornos
competitivos com aqueles oferecidos por outras instituições”.
Ao trazer a APSA para a sua órbita, Pell assumiu a responsabilidade por um outro departamento que tem gerado dores de cabeça.
Em 2013, o ex-consultor da APSA chamado Nunzio Scarano
foi acusado pelas autoridades italianas de lavagem de dinheiro e
envolvimento num esquema de contrabando de dinheiro vivo. Por sua vez, Scarano denunciou vários abusos sofridos na APSA,
tais como funcionários que aceitam férias em hotéis 5 estrelas e outras
regalias pagas por bancos comerciais em troca de ter fundos do Vaticano
ancorados neles.
Pell disse que assumir a seção ordinária da APSA também irá dar ao seu departamento o controle sobre as compras e os recursos humanos do Vaticano.
Ele definiu o futuro da APSA como o tesouro do
Vaticano, acrescentando que isso irá estabelecer relações estreitas com
os principais bancos centrais do mundo, tal como recomendado pelo Moneyval, a agência antilavagem de dinheiro do Conselho da Europa.
Pell insistiu que os fundos de pensão do Vaticano,
hoje, são “totalmente seguros”, mas disse que a ideia da comissão é
garantir que continuem sendo viáveis por 20 ou 30 anos.
No fronte das mídias, o cardeal afirmou que o as atividades de
comunicação do Vaticano, que incluem um serviço massivo de rádio e um
jornal diário em múltiplos idiomas, podem custar muito caro ao mesmo
tempo em que têm um alcance que é bastante limitado.
Depois de ver o sucesso da conta do papa no Twitter e de outras
iniciativas digitais, disse ele, a ideia é “garantir que as mensagens do
Santo Padre cheguem a mais fiéis ao redor do mundo, especialmente os
jovens”.
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