quinta-feira, 24 de julho de 2014

Tomás responde: O furto é pecado mortal?

24 julho, 2014 
Giovanni_Battista_Tiepolo_Raquel_idolos 
Giovanni Battista Tiepolo (1696-1770), Raquel sentada sobre os ídolos
“Labão fora tosquiar o seu rebanho e Raquel roubou os ídolos domésticos que pertenciam a seu pai” (Gn 31, 19)

Parece que o furto não é pecado mortal:


1. Com efeito, se diz no livro dos Provérbios: “Não é grande falta, se alguém comete furto” (6,30). Ora, todo pecado mortal é grande falta. Logo, o furto não é pecado mortal.

2. Além disso, ao pecado mortal se deve a pena de morte. Ora, pelo furto, a Lei não inflige a pena capital, mas apenas a pena de dano, como se lê no livro do Êxodo: “Se alguém furtar um boi ou uma ovelha, restituirá cinco bois por um boi, e quatro ovelhas por uma ovelha” (22,1). Logo, o furto não é pecado mortal.

3. Ademais, pode-se furtar tanto coisas pequenas como grandes. Ora, parece absurdo que alguém seja punido de morte eterna por ter furtado uma pequena coisa, uma agulha ou uma pena, por exemplo. Logo, o furto não é pecado mortal.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, ninguém é condenado pelo julgamento divino, a não ser por pecado mortal. Ora, é condenado quem furta, de acordo com o livro de Zacarias: “Esta é a maldição que vai se estender por toda a terra, pois como está escrito, todo ladrão será condenado” (5, 3). Logo, o furto é pecado mortal.
Como já ficou explicado, é pecado mortal o que vai contra a caridade, pois ela é a vida espiritual da alma. Ora, a caridade consiste principalmente no amor de Deus e, secundariamente, no amor do próximo, levando-nos a lhe querer e fazer o bem. Ora, pelo furto o homem causa dano ao próximo em seus bens, e se, a cada passo, os homens roubassem uns aos outros, pereceria a sociedade humana. Logo, o furto é pecado mortal, pois se opõe à caridade.

Quanto às objeções iniciais, portanto, deve-se dizer que:


1. Por duas razões se diz que o furto não é uma grande falta. Primeiro, por causa da necessidade que leva a furtar, e que diminui ou suprime totalmente a falta, como se verá no artigo seguinte. Por isso, o texto citado ajunta: “Com efeito, furta para saciar a sua fome”. Em segundo lugar, em comparação com o adultério, que é punido de morte. Por isso, se diz a seguir: “Uma vez preso, o ladrão restituirá sete vezes o valor do que roubou, mas o adúltero perderá a sua vida”.

2. As penas da vida presente são mais medicinais do que retributivas. A retribuição está reservada ao julgamento divino, que se aplicará, segundo a verdade, aos pecadores. Por isso, no julgamento da vida presente, não se inflige a pena de morte por qualquer pecado mortal, mas somente por aqueles que causam dano irreparável ou comportam uma horrível deformidade. Assim, pelo furto, que não causa dano irreparável, o julgamento presente não aplica a pena de morte, a não ser que o furto seja acompanhado de circunstância particularmente agravante, como no sacrilégio, que é o furto de coisa sagrada; ou no peculato, que é o desvio do bem comum; como Agostinho explica no comentário ao Evangelho de João; ou no sequestro ou rapto de um homem, o qual é punido de morte, como se vê no livro do Êxodo (21, 16).

3. O que é mínimo pode ser tido por nada. Assim, nos pequenos furtos não se considera que haja verdadeiro dano; e quem rouba coisa de pouco valor pode presumir que não age contra a vontade do proprietário. Portanto, quem se apodera furtivamente dessas coisas mínimas, pode ser escusado de pecado mortal. Mas se há intenção de furtar e de causar dano ao próximo, poderá haver pecado mortal, mesmo em coisas mínimas, como se dá com o simples pensamento, quando há consentimento.
Suma Teológica II-II, q.66, a.6

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