A começar pelo nome do grupo: afinal, é EI, EIIL, EIIS, ISIS, ISIL, Califado…? |
EIIL, EIIS, ISIS ou ISIL? Estado Islâmico ou Califado?
O grupo de extremistas islâmicos sunitas que está espalhando o terror
por partes da Síria e do Iraque não causou apenas um rastro de morte e
destruição, mas também muita confusão na cabeça das pessoas do mundo
inteiro.
Para tentar esclarecer algumas dessas dúvidas, a edição
norte-americana de Aleteia consultou analistas que vêm estudando o
Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL), um dos vários nomes
atribuídos ao grupo radical. Pela colaboração, agradecemos ao pe. Elias
D. Mallon, diretor do Departamento de Assuntos Exteriores da Associação
Católica pela Prosperidade do Oriente Próximo, sediada em Nova Iorque;
ao jesuíta pe. Mitch Pacwa, do canal católico de televisão EWTN, dos
Estados Unidos; e a William Kilpatrick, autor do livro “Christianity,
Islam and Atheism: The Struggle for The Soul of The West”
[“Cristianismo, islã e ateísmo: a luta pela alma do Ocidente”].
1. O que ou quem é o EIIL? Como ele surgiu?
O EIIL (Estado Islâmico do Iraque e do Levante) é formado por
extremistas sunitas, recrutados em todo o mundo de língua árabe e até em
regiões externas a ele. Suas origens se conectam com Abu Musab
al-Zarqawi, terrorista nascido na Jordânia.
“Al-Zarqawi foi para o Afeganistão como jihadista no final da década
de 1980″, explica o padre Mallon. “Lá, ele fundou a Organização para a
Tawhid (proclamação da unidade de Deus) e para a Jihad e, em 2004,
colocou essa organização sob a liderança da Al-Qaeda e declarou a guerra
total contra os xiitas”.
O Estado Islâmico (EI, outro dos nomes e siglas atribuídos ao grupo)
foi muitas vezes chamado de “Al-Qaeda do Iraque” durante a Guerra do
Iraque [nos anos 2000], explica uma nota da arquidiocese de Toronto. O
grupo se proclama como um Estado independente que reivindica partes do
Iraque, da Síria e do Líbano. Criado no início da Guerra do Iraque, o
grupo tem como alvo principal os militares e os governos do Iraque e da
Síria, mas assumiu também a autoria de ataques que mataram milhares de
civis iraquianos. De acordo com estudos de agências de inteligência
norte-americanas, o Estado Islâmico tem planos de tomar o poder e
transformar esse território num estado islâmico fundamentalista.
Al-Zarqawi foi morto pela detonação de uma bomba norte-americana em 2006.
“Parece então que o EIIL é um desdobramento da Al-Qaeda do Iraque”,
observa o padre Mallon. “Mas a própria Al-Qaeda já criticou o EIIL por
ser excessiva e indiscriminadamente violento, o que o colocaria no risco
de perder apoio popular”.
“Como ramo da Al-Qaeda, o EIIL segue a teologia wahabita do islamismo
sunita, que surgiu no leste da Arábia nos anos 1740″, destaca o padre
Pacwa. “Sua obsessão é com o conceito da unicidade de Deus. Os primeiros
wahabitas se revoltaram com as honrarias dedicadas ao profeta Maomé em
seu túmulo na cidade de Medina. Por isso eles destruíram o túmulo
completamente. A catequese deles na Arábia enfatizava a unidade absoluta
de Deus e convocava todos os muçulmanos a se unirem a eles na aplicação
desta doutrina ou, do contrário, a serem mortos”.
O EIIL é hoje liderado por Abu Bakr al-Baghdadi, que se declarou
“Califa” em 29 de junho deste ano. Se a constante alternação de nomes do
EIIL é desconcertante, aplica-se o mesmo a Al-Baghdadi. Seu nome
original é Ibrahim Awwad Ibrahim Ali al-Badri al-Samarra’i. Ele adotou
seu atual “nome de guerra” em homenagem ao primeiro califa, Abu Bakr.
“Recentemente, Al-Baghdadi começou a se chamar de Abu Bakr
al-Baghdadi al Husseini al-Qurayshi, sendo que os dois últimos nomes são
uma tentativa de ligar a linhagem dele com a do profeta Maomé e com a
tribo dos coraixitas”, explica o padre Mallon. “Se ele é mesmo
descendente do Profeta, isso deveria ficar óbvio em seu nome. Mais
recentemente, ele passou a usar o título de ‘O Comandante dos Fiéis
Califa Ibrahim’”.
2. Por que surgiu o EIIL?
O pe. Mallon aponta dois motivos para o surgimento do EIIL:
“Motivo ideológico: difundir o islã e o domínio islâmico pelas terras
do clássico Califado Abássida, que chegou a se estender até a Península
Ibérica. O grupo mostra pouca compreensão da história axadrezada do
califado. Neste sentido, o EIIL tende a um certo “romantismo”, mas de
tipo incrivelmente brutal.
Motivo prático: muitos sunitas no Iraque e na Síria sentem-se
marginalizados, tanto pelo governo alauíta de Bashar al-Assad em Damasco
quanto pelo governo xiita de Nouri al-Maliki em Bagdá. Eu acho que
muitos sunitas veem o EIIL como a única oposição eficaz, especialmente
no tocante ao regime de Bagdá. Não tenho certeza, mas suspeito que a
lealdade não vai muito a fundo”.
3. Qual é o objetivo do EIIL e a probabilidade de atingi-lo?
O objetivo do grupo é restabelecer o califado e ampliar ao máximo a
hegemonia religiosa, política e militar islâmica, diz o padre Mallon.
“Para conseguir isso, eles estão dispostos a violar os princípios
tradicionais da guerra islâmica”.
4. É um movimento global?
“Sim e não”, responde o padre Mallon. “É global porque apela a um
público amplo de muçulmanos que compartilham a ideia romântica de um
califado em que os muçulmanos governam tudo e todos. Mas não é um
movimento global quando levamos em consideração que ele provavelmente
não é sustentável em vários aspectos. Além disso, haverá oposição por
conta do crescente desejo de democracia em muitos países muçulmanos. A
democracia é a antítese dos califados, historicamente autocráticos. E os
xiitas, em princípio, são contrários a um califado sunita mandando
neles”.
Prossegue Mallon: “Embora o EIIL use os métodos mais brutais e
selvagens, seria um grave erro enxergá-lo como um grupo primitivo. Ele
já se mostrou perturbadoramente sofisticado no uso dos meios de
comunicação e das mídias sociais. Há relatos de uma loja em Istambul e
de um site em que podem ser compradas camisetas com o logotipo do EIIL,
além da faixa que nós vemos na testa dos combatentes do EIIL e de outras
formas de propaganda. O New York Times estima que o EIIL seja o grupo
terrorista mais rico do mundo, com centenas de milhões de dólares. A
maior parte dessa riqueza vem dos bancos e das pessoas físicas que eles
roubaram nas cidades saqueadas. Parece que eles têm evitado depender de
fontes externas de financiamento, porque essas fontes poderiam ser
facilmente bloqueadas”.
5. Qual é a atitude do EIIL em relação com o cristianismo, em particular no Oriente Médio?
O pe. Mallon explica que a atitude do EIIL em relação ao cristianismo
parece basear-se na crença de que todas as referências positivas aos
cristãos no alcorão foram revogadas (por exemplo, a que chama os
cristãos de “os mais próximos dos muçulmanos no amor”). Isto reduziria
os cristãos a alvos de humilhação, aniquilação ou conversão forçada.
“Mas esta posição não é muito difundida entre os muçulmanos em geral”.
O pe. Pacwa explica que os wahabitas modificaram o ensino corânico
tradicional em relação às outras religiões. “O alcorão ensina que os
judeus e os cristãos fazem parte dos ‘povos do livro’, já que a sua
bíblia inclui livros de ou sobre antigos profetas que o islã reconhece.
Judeus e cristãos que se submeterem ao islã e pagarem o imposto da jizya
para receber proteção dos muçulmanos estarão seguros. Mas o wahabismo
ensina que os judeus e os cristãos de hoje em dia decaíram e não são
mais considerados parte dos ‘povos do livro’. Eles são hoje iguais aos
infiéis, ou ‘kufar’, em árabe, e a alternativa que resta a eles é
converter-se ou ser mortos. O mesmo se aplica aos pagãos e aos ateus.
Por incrível que pareça, os radicais também atribuem o status de infiéis
aos xiitas e a todas as outras seitas do próprio islamismo, como a dos
alauítas que governam a Síria. Isto explica por que eles atacam
cristãos, xiitas, alauítas, yezidis e qualquer um que seja diferente dos
wahabitas, que ensinariam a forma mais pura da unicidade de Deus”.
6. Há muitos relatos de atrocidades cometidas contra os cristãos e outras minorias religiosas. O que se sabe com certeza?
O pe. Mallon diz que existem “testemunhos razoavelmente confiáveis
de atrocidades” cometidas pelo EIIL contra os cristãos, contra os
sunitas moderados, contra os xiitas e contra outros grupos religiosos.
“Muitos foram executados, mulheres foram escravizadas, etc.”.
O pe. Pacwa acrescenta que a ideologia wahabita não explica as
crucificações relatadas. “Decapitar crianças não é uma prática islâmica
normal, nem ensinar aos filhos que as cabeças humanas são troféus. Se
eles fossem loucos, a disciplina militar deles não seria tão boa.
Aparentemente, eles escolheram uma escuridão tamanha de alma que até a
Al-Qaeda já rejeitou o EIIL”.
7. Os Estados Unidos ou a comunidade internacional poderiam tê-los parado antes? E agora?
O EIIL poderia ter sido enfraquecido pelos Estados Unidos e pela
comunidade internacional, acredita o padre Mallon, “mas eu não acredito
que ele possa ser parado por agentes externos. Ele tem que ser parado de
dentro da sociedade síria e iraquiana. Quando a população em geral se
revoltou com a violência de Al-Zarqawi, o movimento dele perdeu força
consideravelmente. Os apoiadores ideológicos ou românticos do EIIL
parecem ignorar muito da história, dos fatos e até da moralidade
islâmica. Mas eu acho que os apoiadores práticos e políticos são na
maioria sunitas com graves e reais queixas contra os governos de Damasco
e de Bagdá. Eu acredito que se as demandas desses sunitas fossem
apresentadas de uma forma justa, equitativa e democrática, o EIIL
perderia muito do apoio que tem hoje”.
Esta é uma realidade que os governos ocidentais deveriam enxergar.
8. O Iraque está formando um novo governo. Qual é a relevância deste processo?
Formar um novo governo não é suficiente, opina o pe. Mallon. O Iraque
tem que formar um novo tipo de governo, um governo livre de corrupção e
de nepotismo, livre de divisões, “um governo de, por e para todos os
iraquianos. Sem este novo tipo de governo, eu não acredito que o Iraque
seja viável como país unificado”.
9. Qual é o papel que as Igrejas podem desempenhar nesta crise humanitária?
Pe. Mallon: “As Igrejas cristãs do Oriente Médio estão numa posição
de fraqueza, talvez na sua pior posição em todos os tempos. Mas elas
podem fornecer assistência tanto material quanto espiritual para quem
está sofrendo. As Igrejas podem dar um poderoso testemunho da
necessidade de justiça. As Igrejas têm a capacidade de espalhar
informação não partidária por todo o planeta. As Igrejas poderiam ter um
papel de conciliadoras. Os árabes cristãos, normalmente, são pessoas
educadas e altamente qualificadas. Eles poderiam fornecer o arcabouço
teórico para a emergência da sociedade civil e das estruturas
democráticas na região e funcionar como agentes de reconciliação. Se
essas possibilidades vão se concretizar é uma questão em aberto, que
parece distante, futura. Mas o futuro é o lugar onde vive a esperança…”.
10. Afinal de contas, qual é o nome do grupo?
Inicialmente, a mídia ocidental se referiu ao grupo extremista com a
sigla EIIS (Estado Islâmico do Iraque e da Síria), traduzida para cada
idioma ou mantida em inglês (ISIS). Depois, passou-se a usar a sigla
EIIL (Estado Islâmico do Iraque e do Levante), porque a região
historicamente conhecida como Levante abrange também o Líbano, outro
país em que o grupo reivindica territórios. Em seguida, o próprio grupo
passou a se denominar apenas Estado Islâmico (EI), não mais se
restringindo à região do Iraque, da Síria e do Líbano e dando a
entender, portanto, que as suas ambições de domínio são mais
abrangentes. Finalmente, no dia 29 de junho deste ano, o líder do grupo
se proclamou califa e afirmou ter restabelecido o califado, passando a
adotar este termo para se referir aos territórios que o grupo foi
dominando. Como a existência de fato do califado é amplamente
questionada, a imprensa e os estudiosos preferem continuar a chamar o
grupo de EIIL (Estado Islâmico do Iraque e do Levante) ou apenas de EI
(Estado Islâmico).
Fonte: Aleteia

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