Em 1907, São Pio X condenou o movimento modernista que
se infiltrara nas hostes católicas com a finalidade de relativizar, e
até mesmo deturpar, o ensinamento do magistério tradicional e infalível
da Igreja e levar os católicos incautos a aceitarem os erros do mundo
moderno.
O Pontífice trabalhando em sua biblioteca particular
Certamente um dos mais importantes documentos do Papa São Pio X foi sua célebre Encíclica Pascendi Dominici Gregis, sobre as doutrinas dos modernistas,
promulgada pelo Sumo Pontífice em 8 de setembro de 1907. Ela alcançou
enorme repercussão no século XX e continuará ecoando ao longo da
presente centúria. Em nossos dias, o movimento progressista — infiltrado
nas próprias fileiras católicas — utiliza-se das mesmas táticas e
espalha nos ambientes da Igreja erros condenados por São Pio X, que
denunciou e estigmatizou a doutrina modernista como sendo a “síntese de todas as heresias”.
Neste centenário do falecimento do santo autor da Pascendi,
oferecemos aos nossos leitores excertos especialmente marcantes dessa
admirável e intrépida encíclica. Tais excertos encontram-se citados em
três matérias de autoria do insigne líder católico Plinio Corrêa de
Oliveira, publicadas em nossas edições de setembro, outubro e novembro
de 1957. Ele transcreve trechos da Pascendi,(*) enaltece a firmeza de São Pio X, e o apresenta como modelo para o combate aos inimigos internos e externos da Santa Igreja.
A Direção de Catolicismo
* * *
Denúncia da tentativa de adulterar o Magistério tradicional e infalível da Santa Igreja de Deus
“Esperávamos que
os modernistas algum dia se emendassem. Por isto, de início, usamos em
relação a eles medidas suaves, como se faz com filhos, e depois medidas
severas; por fim, e muito a contragosto, empregamos repreensões
públicas”
Plinio Corrêa de Oliveira
Catolicismo, nºs 81, 82 e 83 — setembro, outubro e novembro de 1957
São Pio X nos jardins do Vaticano
Se São Pio X não tivesse fulminado a heresia modernista,
o mundo teria entrado rapidamente em marcha para o panteísmo e o
ateísmo. E toda a ação comunista sobre a face da Terra não teria
encontrado diante de si os enormes obstáculos que encontrou.
A condenação do modernismo foi, pois,
um fato histórico tão importante quanto a vitória de Lepanto. E o Papa
Pio XII [elevando Pio X à honra dos altares, em maio de 1954] se tornou
credor do reconhecimento eterno dos homens, por lhes haver apresentado
por modelo e dado por protetor um tão grande santo. […]
“Odiai o erro, amai os que erram”, escreveu
Santo Agostinho. Grande, sábia, admirável sentença. Entretanto, quantas
aberrações, quantas traições, quantas capitulações vergonhosas se têm
abusivamente cometido em nome dela!
Há pessoas cândidas — ou covardes — que
imaginam as ideias como entes dotados de existência física própria e
autônoma, os quais se incubariam misteriosamente nas pessoas. Segundo
elas, pode-se mover guerra às ideias sem atacar as pessoas, mais ou
menos como se pode combater a doença infecciosa sem atingir o doente,
pois a guerra é tão somente contra o bacilo.
Este modo de ver, infelizmente muito
generalizado em nossos dias, beneficia largamente nossos adversários,
pois desarma toda a nossa reação.
A verdade e o erro não são algo de extrínseco
ao espírito humano, como as fichas na gaveta de um fichário. A
inteligência, pelo contrário, tende a assimilar este e aquela, por um
processo que tem sido merecida e frequentemente comparado à digestão. Se
alguém come pão ou carne, a digestão incorpora ao organismo uma parcela
da substância desses alimentos, que ficam fazendo parte da pessoa.
Analogamente, se alguém aceita uma doutrina, esta de tal maneira pode
chegar a marcar sua personalidade, que se diria figurativamente que tal
homem personifica aquela ideia. Como pretender destruir o pão já
digerido por uma pessoa, sem ferir esta última em sua carne? E como se
pode atacar uma ideia sem atingir em certa medida quem a personifica,
quem ipso facto lhe dá vida, atualidade e possibilidades de difusão?
Não. A sentença de Santo Agostinho é de
sentido óbvio. Ela preceitua que desejemos a humilhação e a derrota do
erro, bem como a conversão e a salvação de quem erra. Ela recomenda que
usemos, para com quem erra, de toda a suavidade possível. Ela não nos
proíbe de utilizar, contra aquele que erra, uma justa severidade, quando
isto se torna necessário para o bem da Igreja e a salvação das almas.
Nesse sentido, não chega aquela sentença ao ponto de inutilizar no
católico a capacidade de ação e de luta contra os autores do erro ou do
mal. Muito pelo contrário, os santos souberam sempre conciliar as duas
obrigações fundamentais e aparentemente contraditórias, de amar o
próximo e de o combater, quando a isto impele o zelo pela glória de Deus
e pela salvação das almas.
É disto que nos deu admirável exemplo o Papa São Pio X na Encíclica Pascendi, contra o modernismo, com o monumento de objetividade e lucidez que é aquele imortal ato pontifício.
São Pio X desmascarou os erros e os seus fautores
Enganar-se-ia quem supusesse que a Pascendi foi
um mero documento doutrinário. São Pio X não combateu apenas no campo
das ideias, mas, com admirável energia e perspicácia, desmascarou os
próprios fautores do erro; e traçou o lamentável perfil moral do modernista, denunciou
suas táticas e pôs a nu a vastidão de sua conspiração. A Encíclica não
menciona nomes, mas é riquíssima em dados sobre a personalidade do modernista.
Em outros documentos, São Pio X chegou aos nomes. Por exemplo, nos
importantes decretos em que foram nominal e pessoalmente atingidos os
principais chefes do movimento.
É para que nossos leitores possam medir em
toda a sua admirável extensão a severidade com que o Santo Pontífice se
houve nesta emergência, que consagramos ao assunto este artigo.
Fazendo-o, chamamos a atenção para a
oportunidade flagrante do exemplo que apontamos. São Pio X foi
beatificado e mais tarde canonizado pelo Santo Padre Pio XII. Quis ele
que seu antecessor servisse de modelo para os homens, e não para os
mortos que jazem na sepultura ou para as crianças que ainda estão por
nascer. Foi para isto que ele fez brilhar na honra dos altares esse
grande luzeiro.
Agir como São Pio X, eis o que nos recomenda com sua suprema autoridade o imortal Pontífice Pio XII. [...]
Suplemento de revista italiana noticia a condenação do modernismo por São Pio X
Os “modernistas” rejeitaram submeter-se à autoridade
Os modernistas representam o sumo da obstinação, e com eles são inúteis as medidas brandas: “Esperávamos que os modernistas algum
dia se emendassem. Por isto, de início, usamos em relação a eles
medidas suaves, como se faz com filhos, e depois medidas severas; por
fim, e muito a contragosto, empregamos repreensões públicas. Não
ignorais, Veneráveis Irmãos, a esterilidade de Nossos esforços: eles
curvam por momentos a cabeça, para a levantar novamente com orgulho
ainda maior”.
Uma das raízes mais importantes deste lamentável estado de espírito, com efeito, é o orgulho:
“O orgulho! Ele está, na doutrina dos modernistas, como em sua
própria casa; aí encontra ele por toda parte algum alimento, e se
expande então em todos os seus aspectos. Orgulho, por certo, esta
confiança em si mesmos, que os leva a se erigirem em regra universal.
Orgulho, essa vanglória que os apresenta a seus próprios olhos como os
únicos detentores da sabedoria; que os leva a dizer, arrogantes e
repletos de si mesmos: não somos como os outros homens; e que, para
realmente não serem como os outros, os impele às mais absurdas
novidades. Orgulho, o que os faz repelir toda sujeição e os leva a uma
conciliação da autoridade com a liberdade. Orgulho, essa pretensão de
reformar o próximo, esquecendo-se de si mesmos; essa absoluta falta de
consideração para com a autoridade, inclusive a autoridade suprema. Não,
realmente, nenhum caminho há que conduza mais rápida e diretamente ao modernismo do
que o orgulho. Que nos deem um leigo, ou um sacerdote, que tenha
perdido de vista o princípio fundamental da vida cristã — a saber, que
devemos renunciar a nós mesmos, se queremos seguir Jesus Cristo — e que
não tenha extirpado de seu coração o orgulho: esse leigo, esse sacerdote
estará maduro para todos os erros do modernismo. Eis por que,
Veneráveis Irmãos, vosso primeiro dever é resistir a esses homens
soberbos, e empregá-los em funções ínfimas e obscuras: que sejam postos
tanto mais baixo quanto mais alto pretendam subir, e que seu próprio
rebaixamento lhes tire a ocasião de fazer mal”. [...]
“Vítimas do erro que arrastam os outros ao erro”
Nascida dessa curiosidade malsã, a mania das novidades, o horror à tradição é uma das notas características do modernismo.
Por isto é que, pensando o Santo Papa Pio X nos modernistas –– que
qualifica, com palavras da Escritura, de “homens de linguagem perversa,
dizedores de novidades e sedutores, vítimas do erro que arrastam os
outros ao erro” –– lamenta-se de que “cresceu estranhamente nestes
últimos tempos o número dos inimigos da Cruz de Jesus Cristo que, com
uma arte absolutamente nova e soberanamente pérfida, se esforçam por
anular as energias vitais da Igreja, e até mesmo, se pudessem, por
subverter inteiramente o reino de Jesus Cristo”. [...]
Os modernistas, como tantos protestantes, odeiam a pompa
esplêndida do culto católico. Eis sua razão: “Do momento em que seu fim é
todo espiritual, a autoridade religiosa se deve despojar de todo aquele
aparato externo, de todos aqueles ornamentos pomposos, pelos quais ela
como que se dá em espetáculo”. [...]
Percorrendo o quadro psicológico que do modernista pinta São
Pio X, fica-se admirado com a franqueza de sua linguagem, com a clareza,
a energia e a precisão de seus conceitos. É bem de ver que, se outrem
que não um Papa — e que Papa! — assim se exprimisse, abriria flanco a
que os liberais, cujos matizes são tão numerosos em nossa população, e
infelizmente existem até nos círculos católicos, tivessem a impressão de
que se está exagerando. [...]
No âmago da própria Igreja, a infiltração dos inimigos
É natural que, movidos por sua febre de novidades, os modernistas também se tenham lançado contra todas as boas tradições cristãs. [...]
Acrescenta o Papa: “O que exige, principalmente, que falemos sem
tardança, é que os artífices de erros não devem ser procurados hoje
entre os inimigos declarados. Eles se ocultam –– e nisto está um título
de apreensão e de angústia muito particular –– no próprio seio e no
coração da Igreja, inimigos tanto mais temíveis quanto menos declarados.
Falamos, veneráveis Irmãos, de grande número de católicos leigos –– e, o
que é mais deplorável, de padres –– que, sob o pretexto de amor à
Igreja, absolutamente falhos de filosofia e de teologia sérias,
impregnados, pelo contrário, até a medula dos ossos, de um veneno de
erro haurido entre os próprios adversários da fé católica, se inculcam,
com desprezo de toda modéstia, como renovadores da Igreja. Esses tais,
em falanges cerradas, dão audacioso assalto a tudo quanto há de mais
sagrado na obra de Jesus Cristo, sem respeitar sua própria Pessoa, que
tentam rebaixar, por uma temeridade sacrílega, até o nível da simples e
pura humanidade.
“Estes homens se espantarão de que os inscrevamos entre os inimigos
da Igreja. Ninguém terá surpresa diante disso, com algum fundamento,
quando — pondo de lado suas intenções, cujo julgamento está reservado a
Deus — examinar suas doutrinas e, em função delas, seu modo de falar e
de agir. Inimigos da Igreja, certamente eles o são; e ninguém se afasta
da verdade dizendo que são dos piores. Não é de fora, com efeito — já o
notamos — mas é principalmente de dentro que os modernistas tramam
a ruína da Igreja; o perigo está hoje quase nas entranhas mesmo e nas
veias da Igreja: seus golpes são tanto mais seguros quanto eles sabem
melhor onde lançá-los”. [...]
“Não tendo horror de caminhar nas pegadas de Lutero”
Conforme a fundamental duplicidade de seu espírito, os modernistas têm toda uma tática especial para disseminar os seus erros, dando-lhes aparência de verdades atraentes e simpáticas.
Essa tática, São Pio X a descreveu admiravelmente: “O que projetará maior luz ainda sobre essas doutrinas dos modernistas é sua conduta, que é inteiramente coerente com suas doutrinas. Ao ouvir os modernistas,
ao ler os seus trabalhos, ter-se-ia a tentação de acreditar que eles
caem em contradição consigo mesmos, que são oscilantes e indecisos.
Longe disso: tudo é pesado, tudo é desejado entre eles, mas à luz do
princípio de que a fé e a ciência são estranhas uma à outra. Tal
passagem de seus trabalhos poderia ser assinada por um católico; voltai a
página, e tereis a impressão de ler um racionalista. Escrevendo
história, nenhuma menção fazem da divindade de Jesus Cristo; subindo à
cátedra sagrada, proclamam-na alto e bom som. Historiadores, desprezam
os Padres e os Concílios; catequistas, citam-nos com honra. Se
prestardes atenção, há para eles duas exegeses inteiramente distintas: a
exegese teológica e pastoral, a exegese científica e histórica. Do
mesmo modo, em virtude desse princípio de que a ciência não depende da
fé, sob nenhum ponto de vista, se eles dissertam sobre a filosofia, a
história, a crítica, ostentam de mil modos — não tendo horror de
caminhar assim nas pegadas de Lutero — seu desprezo pelos ensinamentos
católicos, pelos Santos Padres, pelos Concílios universais, pelo
Magistério eclesiástico; advertidos sobre esse ponto, lançam brados de
protesto, queixando-se amargamente de que se lhes viola a liberdade.
Enfim, dado que a fé é subordinada à ciência, repreendem a Igreja —
abertamente e em toda ocasião — pelo fato de que Ela se obstina em não
sujeitar e não acomodar seus dogmas às opiniões dos filósofos”. [...]
Para melhor inocular o veneno: a tática da dissimulação
Os modernistas agem dentro da Igreja como verdadeira quinta
coluna, pois, segundo é de toda evidência, sua intenção consiste em
conservar o aspecto de católicos, para mais facilmente disseminar nas
próprias fileiras católicas a peçonha de seus erros.
Infelizmente, como sempre acontece, existe uma terceira força para
facilitar a ação dessa quinta coluna. Essa terceira força é formada por
aqueles católicos, quiçá bem intencionados, que, por um excessivo desejo
de conciliação, ou pelo temor de parecerem atrasados, retrógrados ou
reacionários, adotam em sua linguagem, em suas atitudes, em toda a linha
de sua conduta, uma orientação que, se não é diretamente modernista, facilita o deslizar perigoso dos espíritos para essa heresia.
Foi o que com muita finura observou o Santo Pontífice: “O que é muito
estranho é que católicos, que sacerdotes, dos quais queremos pensar que
tais monstruosidades lhes fazem horror, se comportem entretanto, na
prática, como se as aprovassem plenamente; é muito estranho que
católicos, que sacerdotes, tributem tais louvores, prestem tais
homenagens aos corifeus do erro, que se tem a impressão de que desejam
honrar por esta forma, não os homens em si mesmos, talvez não de todo
indignos de alguma consideração, mas os erros que tais homens
abertamente professam, e dos quais se arvoraram em campeões”. [...]
Pertinácia dos “modernistas” para iludir as hostes católicas
Na França difunde-se a encíclica contra os erros do modernismo
Muito bem organizados do ponto de vista da propaganda, os modernistas se aliam no mundo inteiro, para o efeito de difundir melhor as suas doutrinas.
“Não se pode deixar de sentir estranheza e surpresa diante do valor que certos católicos lhe atribuem [à crítica modernista]. Para isto há duas causas: de um lado, a aliança estreita que fizeram entre si os historiadores e críticos da escola modernista,
por cima de todas as diversidades de nacionalidade e de religião. De
outro lado, a audácia sem limites desses mesmos homens: que um dentre
eles abra seus lábios, e os outros aplaudirão a uma voz, elogiando o
progresso que comunica à ciência; se alguém tem a infelicidade de
criticar uma ou outra de suas novidades, por monstruosa que seja, em
fileiras cerradas os modernistas investem contra ele; quem nega
suas doutrinas é tratado de ignorante, quem as adota e defende é elevado
às nuvens. Muitos que, iludidos com isto, se inclinam para os modernistas, recuariam de horror se o percebessem”.
Como tantas vezes acontece com os hereges, os modernistas têm um ardente espírito de proselitismo:
“Se, pelo menos, tivessem menos zelo e menos
atividade em propagar seus erros! Mas tal é neste particular seu ardor,
tal sua pertinácia no trabalho, que não se pode considerar sem tristeza
como despendem, em arruinar a Igreja, energias magníficas que seriam tão
aproveitáveis se fossem bem empregadas. Seus artifícios para iludir os
espíritos são de duas maneiras: esforçar-se por afastar os obstáculos
que lhes causam transtorno; depois procurar, com cuidado, pôr em
movimento, ativa e pacientemente, tudo que lhes possa ser útil”.
“Os modernistas se apoderam das
cátedras nos seminários, nas universidades, e as transformam em cátedras
de pestilência. Disfarçadas talvez, suas doutrinas são semeadas por
eles do alto dos púlpitos sagrados; professam-nas abertamente nos
congressos; fazem-nas penetrar e as põem em voga nas instituições
sociais. O fruto de tudo isto? Nosso coração se sente apertado ao ver
absolutamente transviados tantos jovens que eram a esperança da Igreja, e
que lhe prometiam tão bons serviços. Outro espetáculo ainda Nos
contrista: é que tantos outros católicos, não indo certamente tão longe,
entretanto têm tomado o hábito, como se tivessem respirado um ar
contaminado, de pensar, de falar e de escrever com mais liberdade do que
convém a católicos”.
Tentativa de enfraquecer a doutrina tradicional da Igreja
“Os modernistas se empenham em
minimizar o Magistério eclesiástico e em lhe enfraquecer a autoridade,
seja desnaturando sacrilegamente sua origem, seu caráter e seus
direitos, seja reeditando contra ele, do modo mais livre do mundo, as
calúnias dos adversários. Ao clã modernista se aplica o que Nosso Predecessor Leão XIII escrevia, com dor na alma: A
fim de atrair o desprezo e o ódio sobre a Esposa mística de Cristo, na
qual está a verdadeira luz, os filhos das trevas têm o hábito de lhe
atirar, à vista dos povos, uma calúnia pérfida [...]. Depois disto, não há motivo para que alguém se espante se os modernistas perseguem
com toda a sua malevolência, com toda a sua acrimônia, os católicos que
lutam vigorosamente pela Igreja. Não há espécie de injúrias que não
vomitem contra eles: a de serem ignorantes e obstinados é a preferida.
Se se trata de adversário temível por sua erudição e vigor de espírito,
os modernistas procuram reduzi-lo à impotência, organizando em
torno dele a conspiração do silêncio. Conduta tanto mais censurável
quanto ao mesmo tempo, sem fim nem medida, esmagam sob seus elogios quem
se coloca de seu lado. Quando aparece um trabalho, desde que por todos
os poros se deixe notar nele o desejo das novidades, os modernistas o
acolhem com aplausos e exclamações de admiração. Quanto mais um autor
tiver mostrado audácia em atacar o venerável edifício da Antiguidade, em
solapar a tradição e o Magistério eclesiástico, tanto mais será tido
por sábio”. [...]
Causa maior dano o erro que se infiltra no interior da Igreja
Com essas citações, concluímos a descrição do perfil moral do modernista e dos seus métodos de ação, segundo a Encíclica Pascendi.
Por esta forma, rendemos ao imortal Pontífice Pio X nossa homenagem,
cheia de gratidão pelos benefícios que prestou à Santa Igreja ferindo
gravemente, com intrepidez angélica, este terrível inimigo da Religião
Católica.
Nossa insistência a este respeito foi
motivada por uma circunstância especial. Hoje em dia, para o comum dos
fiéis, mesmo para os de alguma cultura religiosa, o erro só pode existir
fora da Igreja. Em outros termos, o erro é adotado pelos que professam
religiões falsas ou pelos que não professam nenhuma religião. Ele deve
ser procurado e alvejado nas fileiras dos protestantes, dos espíritas,
dos comunistas. Mas haveria perigo, haveria falta de caridade, haveria
temeridade, em procurá-lo nas hostes católicas. Nestas, pelo contrário,
só a verdade poderia florescer. E a ideia de procurar algum erro de
doutrina em obras de escritores católicos poderia parecer, a esse
público, singular, estranha, nascida de suspicácias infundadas e
antipatias pessoais.
Na realidade, vimos como São Pio X nos mostra
a existência, em seu tempo, de poderosa corrente de erros vicejando no
próprio seio da Santa Igreja, e não apenas nas seitas heréticas ou
cismáticas, ou entre os racionalistas. No tempo do Santo Papa, esta
vasta coorte de católicos transviados estava intimamente ligada aos
adversários externos da Religião, articulada de maneira a, protegida por
uma falaciosa aparência de catolicidade, difundir o erro nas próprias
fileiras católicas. Trabalho terrível de quinta coluna, que fazia com
que o mal se apresentasse disfarçado sob o aspecto mais simpático e mais
agradável. [...]
É esta uma constante dentro da vida da
Igreja. Com efeito, não é raro que, aparecendo uma heresia, seus
fautores procurem, quanto podem, tomar aparência de ortodoxos,
permanecendo durante o maior tempo possível nas fileiras católicas para
mais facilmente arrastar as almas. Em geral, é necessário um esforço
terrível para que o erro seja apontado, caracterizado, reconhecido e
expulso do redil. [...]
Pode-se confiar nos lobos ocultos sob peles de ovelhas?
Como se sabe, a corrente jansenista que se
difundiu por toda a Europa nos séculos XVII e XVIII, e em certa medida
no século XIX, era, em essência, um calvinismo disfarçado. Seus
partidários, homens muitas vezes insignes por sua erudição, tendo apoios
e simpatias entre altos dignitários eclesiásticos, dispondo do apoio
também de chefes de Estado e de políticos eminentes, exímios na arte de
esconder a peçonha dos erros sob a aparência de austeridade, de zelo e
de talento, conseguiram perturbar durante séculos inteiros a vida da
Cristandade. Ocultando suas doutrinas heréticas sob uma linguagem
agradável, atraíram a simpatia de pessoas que teriam horror a qualquer
espécie de heresia. Foi necessária uma luta terrível para extirpar da
Santa Igreja esse veneno tremendo. E, em consequência dessa luta, se
debilitaram as forças católicas, se aniquilaram energias que poderiam
ter sido utilizadas com admirável eficácia no combate ao racionalismo.
Mais ainda, os partidários da doutrina ortodoxa, muitas vezes
desacreditados pelas calúnias jansenistas, ficaram na impossibilidade de
prestar à Igreja todos os serviços que de outro modo lhe teriam podido
prestar. [...]
Desta situação amarga participou a própria
Santa Sé. Várias vezes os Romanos Pontífices denunciaram o erro. Mas
sempre conseguiram os jansenistas, servidos por uma tática muito
eficiente, fazer aceitar por numerosos fiéis a ideia de que essas
condenações não passavam de atitudes políticas tomadas sob a deplorável
pressão de conjunturas humanas, e não eram atos de magistério movidos
pelo puro zelo da causa de Deus. O que explicava que muitas pessoas,
duvidando dos verdadeiros Pastores da Igreja e deitando toda a sua
confiança nos lobos ocultos sob peles de ovelhas, se deixassem persuadir
de que as disposições da Santa Sé a respeito do jansenismo não deviam
em consciência ser aceitas pelos católicos.
A divisão que o jansenismo causou entre os
fiéis, a dispersão de esforços, a confusão, favoreceram na realidade a
Revolução Francesa. Outra poderia ter sido a reação dos católicos do
século XVII, e particularmente do século XVIII, se permanecessem unidos
na verdadeira doutrina ortodoxa: teriam combatido de frente os erros
monstruosos da Enciclopédia, que se prepararam, se enunciaram, e depois
foram difundidos por toda a Europa. Tal não se deu. O enciclopedismo,
encontrando nos próprios arraiais católicos o terreno preparado pelos
desvios do jansenismo, se propagou livremente. E daí nasceu o terrível
cataclismo que foi a Revolução Francesa.
Este aspecto do quadro ideológico e político
do século XVIII merece particular atenção. Costumam os historiadores
afirmar simplesmente que o enciclopedismo, servido por escritores
eminentes, de grande talento, conseguiu conquistar a Europa. Seria o
caso de perguntar por que esta conquista não encontrou reação, ou por
que a reação oposta à conquista foi tão fraca, que praticamente não pôde
evitar o mal. A debilidade dessa reação foi devida, em grande parte, à
circunstância já apontada: a desordem imensa introduzida nas fileiras
católicas pelo jansenismo, o prejuízo causado à vitalidade da Igreja pela difusão, em seu seio, de uma heresia tão perigosa.
Semelhança com a crise atual: erro dissimulado entre católicos
O modernismo foi condenado no início do século XX. A atualidade do exemplo histórico que acabamos de evocar, entretanto, ainda é grande.
Canonização de São Pio X por Pio XII em 1954
Nos documentos pontifícios, não é raro encontrarmos alusões
paternalmente tristes e severas a respeito de erros que circulam entre
os fiéis. Esses erros podem renovar nas hostes católicas todos os
inconvenientes que produziram no começo deste século, sob a forma do modernismo; ou anteriormente, sob a forma do jansenismo.
Nós mesmos nos encontramos também nas vésperas de um imenso
cataclismo, a cuja iminência é inútil fechar os olhos. [...] Nessas
condições, importa soberanamente que todos os católicos, atentos à
grande voz e ao grande exemplo do Papa Pio X, que Pio XII elevou à honra
dos altares para nos servir de intercessor e de luz, saibam orientar-se
quanto ao dever da hora presente.
Este dever consiste, certamente, em combater os inimigos externos da
Igreja com todo o zelo e com todo o afã. Mas ele não para aí. Também
consiste em ter os olhos voltados para os problemas internos da Santa
Igreja de Deus, com a convicção de que eles podem constituir embaraço
dos maiores; e com uma franca compreensão para com aqueles que, de modo
todo particular, se dedicam à análise e à solução desses problemas.
Combater o erro que possa serpear dentro do redil católico
Quantas e quantas vezes, ao percorrerem as várias edições desta
folha, leitores houve que fizeram a pergunta: por que combater erros
existentes entre fiéis, quando há tantos outros a serem combatidos fora
das fileiras católicas, mais claros, e portanto mais perigosos? A esta
pergunta tão frequente, a Encíclica Pascendi oferece magnífica
resposta: o erro interno é sempre mais perigoso que o erro externo, a
divisão das forças é sempre mais perigosa que qualquer adversário. E
para fazer cessar a divisão das forças, o essencial é que todos lutem em
torno de uma só bandeira. O essencial é que tenham todos a mesma
doutrina. O essencial é que a circulação sub-reptícia do erro não divida
os espíritos, não divida os corações, não divida as energias.
O modo verdadeiro de realizar a união entre os católicos não consiste
em calar diante do erro que possa serpear dentro do redil. A tática
acertada consiste em combater de frente tal erro, para que, unidos todos
os católicos em torno de um mesmo ideal, sob a autoridade suprema e
amorosa do Romano Pontífice, guiados pelos seus bispos e legítimos
pastores, possam manter acesa e finalmente vitoriosa a grande luta pelo
triunfo da Igreja, da civilização cristã, contra o materialismo, o
panteísmo, a irreligião, o socialismo, o comunismo e todas as formas da
Revolução.
_________
(*) Os trechos transcritos dos mencionados artigos de Catolicismo sofreram
apenas pequenas adaptações. Os entretítulos são desta Redação e as
frases entre aspas foram extraídas da própria Encíclica Pascendi, publicada em francês no volume III dos Atos de Pio X, edição Bonne Presse, Paris.
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