Quando se abraça a vida e seus desafios com amor, a força do Cristo, que venceu a morte e a dor, resplandece.
O convite à fé cristã nos faz passar da morte à vida.
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Por Dom Alberto Taveira Corrêa*
Recentemente, apareceram notícias de pessoas sendo crucificadas! Em nosso tempo, praças ficaram cheias de gente pregada na cruz, outras degoladas, levas de homens, mulheres e crianças, enfermos, anciãos, num roldão de intolerância impensável em tempos que se consideram civilizados. É a cruz que comparece de novo!
Recentemente, apareceram notícias de pessoas sendo crucificadas! Em nosso tempo, praças ficaram cheias de gente pregada na cruz, outras degoladas, levas de homens, mulheres e crianças, enfermos, anciãos, num roldão de intolerância impensável em tempos que se consideram civilizados. É a cruz que comparece de novo!
Percorrendo estradas, pelo Brasil afora,
não é raro encontrar em algumas colinas a Cruz, elevada e imponente,
muitas vezes iluminada, outras enfeitadas com os símbolos da paixão de
Cristo, cravos, coroa, lençol ou lança. E a mesma Cruz é vista, como
sinal de fé, em locais marcados por acidentes, nos quais homens e
mulheres tiveram suas vidas ceifadas. É ainda a Cruz que comparece
serena sobre as sepulturas cristãs, como identificação do tipo de pessoa
ali plantada, no respeito ao corpo marcado pela graça do Batismo. Ela
ainda é vista em salas de aulas, repartições públicas, tribunais e em
nossas casas, trabalhada pela arte e pela devoção de gerações de
cristãos, vista de diversas perspectivas. Muitos a trazem como enfeite
precioso, outros a escolhem de lenho despojado, para declarar os rumos
de suas opções de fé. O sinal da Santa Cruz, que nos livra dos inimigos
estará sempre presente, onde quer que esteja um homem ou mulher de fé. E
a Igreja celebra a Exaltação da Santa Cruz como uma grande festa,
sabendo que a sabedoria nela escondida e revelada continuará atual e
poderosa.
Contam-se histórias, inventadas com
verdade e singeleza, como aquela da pessoa que julgava pesada a própria
cruz. Deixada na liberdade da escolha, foi procurar num imaginado
"depósito" de cruzes, a mais adequada às suas condições. Depois de muito
analisar, não se apercebeu a mesma cruz deixada à porta, foi de novo
abraçada e carregada. Outro personagem descobriu que a Cruz considerada
muito grande era justamente a medida de uma ponte necessária à superação
de um abismo. São formas simpáticas, criadas pelo imaginário popular,
com as quais o Evangelho da Cruz, tão antigo e novo e, mais ainda,
necessário, continua a ser anunciado nos púlpitos do cotidiano. Por mais
que dela se pretenda escapar, a Cruz comparecerá nas curvas da vida, e
não há exceções.
No entanto, é bom que se esclareça o
sentido profundo e verdadeiro da Cruz. O sofrimento sozinho não deve e
nem pode ser procurado, num gosto mórbido e destruidor da vida humana.
Dificuldades, dores ou problemas têm a vocação de se transformarem em
Cruz, quando se acrescenta o único ingrediente com o qual a vida ganha
sentido, o amor. A cruz com a qual foram supliciadas tantas pessoas foi
redimida e se transformou em sinal e caminho de salvação por aquele que
nela se imolou para a salvação da humanidade. Só a entrega livre, a
descida à condição de escravidão e liberdade, no amor eterno, feita por
quem não se apegou à sua igualdade com Deus (Cf. Fl 2, 6-11), na morte
de Cruz, dá sentido a tudo o que se faz, inclusive o sofrimento e a dor.
Aí se joga com a liberdade humana! Podemos ficar apenas com problemas,
dores, angústias, enfermidades ou outras expressões com as quais
qualificamos os desafios da vida humana, ou aproveitamos a graça de
dar-lhes um nome sagrado, Cruz, unindo-nos a Cristo e escolhendo-o como
Senhor e Salvador, para ter a vida eterna, não só depois de sermos
apresentados diante da face de Deus, no limiar da eternidade, mas agora,
no momento presente em que o Senhor nos quer realizados e felizes.
Vale a pena fazer um exercício, olhando
para a Cruz de Cristo (Cf. Jo 3, 13-17). A Cruz aponta para o alto, para
a grandeza do eterno. Mirar o relacionamento com Deus é resposta humana
àquele que criou, por desígnio admirável, a maravilhosa aventura de
estar nesta terra. Buscar as coisas do alto (Cf. Cl 3, 1-2) é atitude
digna dos filhos de Deus. E pode iluminar o cotidiano de forma
surpreendente. Pensa no que é melhor, no mais perfeito, naquilo que é
mais santo, deixar-se envolver pela beleza com que Deus pensou a
humanidade, ter sonhos de paraíso, sim! E a Cruz tem uma outra haste,
horizontal, braços que se abrem e acolhem no amor tudo o que é humano. É
a escolha do relacionamento amigo e verdadeiro com as outras pessoas,
com a sensibilidade de quem olha ao redor e não deixar escapar qualquer
possibilidade para amar e fazer o bem.
As duas hastes da Cruz se "cruzam" no
coração humano! É lá dentro, no íntimo das escolhas inteligentes e
livres simbolizadas justamente pelo coração é que se encontra a
possibilidade de transformar dor, sofrimento, problemas ou incógnitas em
caminho de salvação. Também as alegrias serão transformadas em Cruz e
ganharão sentido, quando estes dois movimentos se fizerem presentes,
olhar para o alto e abrir os braços no amor ao próximo. Sim, pois também
gargalhadas dadas, ou outras expressões efusivas dos sentimentos
humanos, sem o amor se esvaziam e esvaziam a vida. Só em Cristo e em seu
mistério a história pessoal e a da humanidade encontram rumo e sentido.
Ainda a verdade da Cruz! É que ela é uma
face do mistério, que tem o outro lado, a Ressurreição. Quando se
abraça a vida e todos os seus desafios com amor, a força do Cristo, que
venceu a morte e a dor, resplandece gloriosa. O convite à fé cristã faz
de nós homens e mulheres pascais, capazes de passar continuamente da
morte à vida. O segredo estará sempre na tomada de consciência, momento
por momento, das infinitas possibilidades criadas pelo amor de Deus. Uma
dificuldade na saúde será aproveitada para oferecer tudo o que se vive,
sem deixar de lado os necessários cuidados, com os meios oferecidos
pela ciência de nosso tempo. Uma crise familiar ressoará no coração como
apelo a sair de si mesmo, para amar e servir com maior dedicação. As
muitas situações sociais e econômicas, do emprego à política ou outros
problemas, tudo haverá de ser enfrentado com maior serenidade, passando
continuamente da morte à vida. Até as crises de fé poderão ser
enfrentadas com paz pelas pessoas que começam a sair de si, para amar e
servir ao próximo, entregando-se e confiando na força que brota da Cruz
de Cristo, com a qual a luz comparece de novo nos caminhos da
existência.
*Dom Alberto Taveira Corrêa é arcebispo de Belém do Pará (PA).

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