IHU - “Estamos na frente de uma mudança de paradigmas, isso é claro.
Existiu uma época em que os padres eram protegidos. Agora, o que devemos
fazer, é observar as coisas pela visão das vítimas. Essa é a mudança da
Igreja: considerar tudo que acontece de acordo com a perspectiva das
vítimas”.
A entrevista é de Gian Guido Vecchi, publicada pelo jornal Corriere della Sera, 25-09-2014. A tradução é de Ivan Pedro Lazzarotto.
O Cardeal Walter Kasper, grande teólogo próximo a Bergoglio – O Papa elogiou durante o ‘Angelus’ o seu livro Misericórdia e confiou a ele a introdução do Sínodo de outubro – suspira profundamente: “quando li sobre essa prisão (do arcebispo Josef Wesolowski) fiquei em estado de choque, tenho conhecimento somente do que vi nos jornais, é tudo horroroso e triste”.
Eis a entrevista.
Eminência, o que pensa sobre essa prisão?
Vai na direção que já conhecemos. A linha do Papa é
clara, não se pode parar nem que seja um Bispo. A Igreja necessita de
purificação e renovação, devemos ser coerentes. É preciso transparência.
Exatamente como dizia o Papa Bento XVI: não existe diferença entre os dois papas.
Mas Ratzinger não sofreu ataques do mundo inteiro?
Ele teve muita coragem. Acho que ele foi mal compreendido por muitos.
Foi o primeiro na Cúria que chegou a esta linha, mesmo ainda Cardeal.
Um homem muito corajoso, claro e determinado.
Francisco, Papa da misericórdia, fala de “tolerância zero” ...
A misericórdia não anula a justiça, vai além, pressupondo a justiça.
Não significa enfraquecer os Mandamentos de Deus, seria um grave
equívoco. A misericórdia é por si só um mandamento, muitas vezes muito
duro: ela diz que devemos amar os nossos inimigos. É muito exigente e
não um cristianismo barato.
Os habitantes do Vaticano não viram mais um Bispo ...
Não será maltratado, apenas um momento de reflexão sobre o que ele
fez pode ajudar na sua conversão. Não devem existir privilégios, a lei
civil vale para todos, por que não valeria para um bispo?
O Papa Francisco diz que abusar de um menor “é como fazer uma missa negra”. É isso mesmo?
Expressa uma posição central no Papa. No outro, encontramos e tocamos
nas feridas de um membro do Corpo Místico de Cristo. Se o maltratarmos,
estaremos maltratando Jesus Cristo. Por outro lado se, ao invés disso,
abraçarmos um doente, abraçamos Cristo. São Francisco de Assis,
no início do seu caminho espiritual, abraça um leproso. Na pedofilia o
abuso acontece a uma pessoa que faz parte do Corpo de Cristo. Tanto mais
grave se é feito por um Bispo e se a vítima é um menor. Como disse
Jesus, ‘é muito melhor para ele amarrar uma pedra de moinho no pescoço e
se jogar ao mar’. Os pobres e os pequenos são os mais amados por Deus.
E falar de “sacrilégio”?
Um sacerdote, um bispo, é chamado para servir a vida. A pedofilia é
um crime que se opõe a vocação: destrói a vida. Conhecemos os efeitos em
longo prazo que a pedofilia deixa nas suas vítimas.
Mas um Bispo “após perder seu status do clero” continua sendo Bispo?
Sim, porque o sacramento da Ordem tem um caráter indelével. Porém não
poderá mais exercer este poder sacerdotal. Fica proibido de exercer as
funções de bispo para com a comunidade, exercitar a sua dignidade
episcopal. No restante um bispo culpado de um crime tão grave perde sua
credibilidade junto aos fiéis.
Por que existiram “casos acobertados”?
Havia quem observava a instituição e dizia: é preciso proteger a
imagem da Igreja. Mas a Igreja se protege somente quando escolhe o ponto
de vista das vítimas.
É um passo sem volta?
Sempre se pode voltar atrás, mas seria um mal imenso. É preciso prosseguir. Não acredito que tenhamos outra escolha.
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