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Sem a referência constante à Palavra de Deus, perdemos nossa referência religiosa principal.
Por Dom Odilo Pedro Scherer*
No Brasil, setembro é o mês da Bíblia. Há algumas décadas, este “mês temático” era ocasião para uma intensa animação bíblica nas comunidades: divulgação da Bíblia, cursos introdutórios à sua leitura compreensão, atividades com crianças e jovens para promover o amor à Palavra de Deus...
No Brasil, setembro é o mês da Bíblia. Há algumas décadas, este “mês temático” era ocasião para uma intensa animação bíblica nas comunidades: divulgação da Bíblia, cursos introdutórios à sua leitura compreensão, atividades com crianças e jovens para promover o amor à Palavra de Deus...
Tenho a impressão que esse entusiasmo anda
em baixa contido atualmente. Será por não se perceber da mesma forma a
importância da Bíblia para a Igreja? Em todo caso, não é isso que a
Igreja entende. Tivemos em 2008 uma assembléia do Sínodo dos Bispos
sobre “a Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja”, depois da qual o
papa Bento XVI fez a extraordinária Exortação Apostólica Verbum Domini
(“A Palavra do Senhor”). Vale a pena retomá-la e absorver melhor a
riqueza de suas orientações.
Em novembro de 2013, o papa Francisco
entregou à Igreja a Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (“A Alegria
do Evangelho”), na qual trata da alegria despertada em nós pelo encontro
com Cristo e com Deus, sobretudo através da Sagrada Palavra. Essa
alegria leva a partilhar com os outros a experiência realizada.
Sem a referência constante à Palavra de
Deus, anunciada, acolhida, crida e vivida como uma experiência pessoal
de encontro com Deus na Igreja, perdemos a nossa referência religiosa
principal, que é a acolhida do dom de Deus e da salvação em Cristo
Jesus; a Igreja precisa evitar sempre a tentação de ser referência
última para si mesma: ela é discípula e servidora da Palavra de Deus e
testemunha do amor de Deus “derramado em nossos corações”...
Falamos da necessidade de uma boa
“iniciação à vida cristã”: penso que tenhamos aqui uma questão
fundamental para a iniciação à vida cristã. Nossa fé - e se quisermos,
nossa “religião” – tem seu fundamento e sua referência última na Palavra
de Deus, e não em nós mesmos, nem em projetos humanos. Nossa fé é
resposta à Palavra de Deus, que se manifestou e falou; é resposta a
Deus, em última análise.
Daí a importância do primeiro anúncio, ou
querigma, bem feito, para se confrontar com essa realidade. Se
conseguirmos ajudar as pessoas a se colocarem em atitude de escuta
atenta da Palavra de Deus, como sendo o próprio Deus que interpela e
fala, então teremos conseguido algo importante. A resposta de fé será
também resposta pessoal a um Deus pessoal, e não a uma verdade abstrata.
Após o querigma vem a iniciação à escuta e
à acolhida constante da Palavra de Deus. Ninguém nasce conhecendo a
Bíblia, nem seus métodos de leitura, nem a fé que a Igreja nutre em
relação à Palavra de Deus. Tudo isso precisa ser apreendido com métodos
adequados. É preciso haver uma iniciação à leitura bíblica, aos métodos
de compreensão e acolhida de Palavra, à resposta que deve ser dada à
Palavra.
Isso pode acontecer em qualquer momento e
período da vida; mas na comunidade católica é importante que as crianças
já sejam iniciadas à escuta e acolhida da Palavra de Deus. Elas
aprendem a se colocar diante do “mistério da Palavra” e a se
familiarizar com ela; da mesma forma, os adolescentes, jovens e também
os adultos, que ainda não foram iniciados nessa prática.
Desnecessário é dizer que não se trata
apenas de um exercício intelectual: muito mais que isso, trata-se de uma
experiência de encontro pessoal, de uma “mistagogia” e de um exercício
de fé orante.
Ao “ler a Palavra”, é preciso ter presente sempre que há um “tu” que
fala através dela e da linguagem humana usada. Quem lê ou escuta,
coloca-se diante de Deus que fala através da linguagem humana: “fala,
Senhor, teu servo escuta”; e aprende a dar sua resposta, não ao leitor
ou narrador da Palavra, mas a Deus que fala: Creio, Senhor! Glória a
vós, Senhor!
CNBB, 29-09-2014.
*Dom Odilo Pedro Scherer é cardeal e arcebispo de São Paulo (SP).
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