Santo
Antônio de Pádua, doutor da Igreja, pronunciou um Sermão no dia do
nascimento de Nossa Senhora (8 de setembro). Segue o texto:
1. Digamos: A gloriosa Virgem Maria foi como a estrela da manhã entre as nuvens.
Escreve o Eclesiástico: A beleza do céu é a glória das estrelas, que
ilumina o mundo (Eclo 43, 10). Nestas três palavras observam-se os três
fatos que resplandeceram admiravelmente na Natividade de Maria
Santíssima. Primeiramente, a exultação dos Anjos, quando se diz: A
beleza do céu. Conta-se que um homem santo, mergulhado em devota oração,
ouviu a doce melodia dum canto angélico no céu. Passado um ano, no
mesmo dia, voltou a ouvi-lo e perguntou ao Senhor que lhe revelasse o
que vinha a ser aquilo.
Foi-lhe respondido que nesse dia nascera Maria Santíssima. Por esse
motivo, os Anjos no céu cantavam louvores ao Senhor. Esta a razão de se
celebrar nesse dia a Natividade da gloriosa Virgem. Na segunda palavra
observa-se o segundo fato, a pureza da sua Natividade, quando se afirma:
A glória das estrelas. Assim como uma estrela difere de outra estrela
em claridade (1Coríntios 15,41), assim a Natividade da Virgem Maria
difere da natividade de todos os santos. Na terceira palavra observa-se o
terceiro fato, a iluminação de todo o mundo, quando se diz: Que ilumina
o mundo. A natividade da gloriosa Virgem iluminou o mundo, coberto de
trevas e da sombra da morte. E por isso diz bem o Eclesiástico: Como
estrela da manhã no meio da névoa etc. Maria Santíssima, mensageira do
Salvador e perfeita em tudo.
2. A estrela da manhã
precedendo o sol e anunciando a manhã, com a luz do seu fulgor afasta as
trevas da noite. A estrela da manhã é Maria Santíssima, que, nascida no
meio da névoa, afugentou a névoa tenebrosa, e na manhã da graça
anunciou o sol da justiça aos que habitavam nas trevas. Dela diz o
Senhor a Jó “És tu porventura que fazes aparecer a seu tempo a estrela
da manhã” (Jó 38,32).
Quando chegou o tempo da misericórdia (Salmo 101,14), o tempo de
edificar a casa do Senhor, o tempo aceitável e o dia da salvação, o
Senhor fez aparecer a estrela da manhã, Maria Santíssima, para luz dos
povos. Os povos devem dizer o que disseram a Judite, como se lê no seu
livro: “O Senhor abençoou-te com a sua fortaleza, porque ele por ti
aniquilou os nossos inimigos… Ó filha, tu és bendita do Senhor Deus
altíssimo, sobre todas as mulheres que há sobre a terra. Bendito seja o
Senhor, que criou o céu e a terra, que te dirigiu para cortares a cabeça
ao príncipe dos nossos inimigos. Porque hoje engrandeceu o teu nome
tanto, que nunca o teu louvor se apartará da boca dos homens” (Judite
13, 22-25).
Foi, portanto, Maria Santíssima, na sua Natividade, como a estrela da
manhã. Dela diz ainda Isaías: “Sairá uma vara do tronco de Jessé, e uma
flor brotará da sua raiz” (Isaías 11, 1). Repare-se que Maria
Santíssima se chama vara, por causa das cinco propriedades que esta
possui: é longa, reta, sólida, grácil e flexível. Maria Santíssima foi
longa na contemplação, reta na perfeição da justiça, sólida na
estabilidade do entendimento, grácil na pobreza, flexível na humildade.
Esta vara saiu da raiz de Jessé, pai de Davi, de quem proveio Maria, da
qual nasceu Jesus, que se chama o Cristo (Mateus 1, 16). Por isso se lê
no Evangelho de hoje: Livro da geração de Jesus Cristo, filho de Davi
(Mateus 1,1).
3. Sairá uma vara da raiz de Jessé e uma flor sairá
das suas raízes. Vejamos o que significam, no sentido moral, as três
palavras: raiz, vara, flor. A raiz significa a humildade de coração; a
vara, a retidão da confissão e a disciplina da satisfação; a flor, a
esperança da felicidade eterna. Jessé interpreta-se ilha ou sacrifício, e
significa o penitente, cujo espírito deve ser uma espécie de ilha.
Chama-se ilha, por estar situado no sal, isto é, no mar. O espírito do
penitente situa-se no mar, ou seja, na amargura. O penitente é batido
pelas ondas das tentações e, todavia, fica firme. E oferece ao Senhor um
sacrifício em odor de suavidade. A raiz de Jessé é a humildade da
contrição, de que sai a vara da confissão reta e a disciplina da
discreta mortificação. E observe-se que a flor não brota do cimo da
vara, mas da raiz. Uma flor brotará da sua raiz, porque a flor, ou a
esperança da felicidade eterna, brota, não da mortificação do corpo, mas
da humildade do espírito. Com tudo isto concorda o que se lê no
Evangelho de hoje, em que São Mateus, descrevendo a geração de Cristo,
primeiro põe Abraão, em segundo lugar Davi, em terceiro a transmigração
da Babilônia. Abraão que disse: “Falarei ao meu Senhor, embora eu seja
pó e cinza” (Gênesis 18, 27), designa a humildade do coração; Davi, cujo
coração reto esteve com o Senhor: “Encontrei Davi, um homem segundo o
meu coração” (Atos 13, 22), a retidão da confissão; a transmigração de
Babilônia, a disciplina da mortificação e a tolerância da tribulação. Se
existirem em ti estas três gerações, conseguirás a quarta geração, a de
Jesus Cristo, que nasceu da Virgem Maria, de cuja Natividade se diz
hoje: Como a estrela da manhã no meio da névoa.
4. E enfim: E como a lua cheia brilha durante a sua
vida. Maria Santíssima chama-se lua cheia, porque perfeita sob todos os
aspectos. A lua é imperfeita no quarto crescente ou minguante, porque
tem mancha e pontas. Mas a gloriosa Virgem nem na sua Natividade teve
mancha, porque foi santificada no ventre materno e guardada pelos Anjos,
nem durante a vida possuiu as pontas da soberba, e, por isso, brilha
plena e perfeita. Chama-se luz, por diluir as trevas. Rogamos-te,
portanto, Senhora nossa, que tu, Estrela da manhã, afastes com o teu
esplendor a névoa da sugestão diabólica, que encobre a terra do nosso
espírito; tu que és a lua cheia, enchas o nosso vazio, diluas as trevas
dos nossos pecados, a fim de que mereçamos chegar à plenitude da vida
eterna, à luz da glória sem falha. Auxilie-nos o Senhor, que te criou
para seres a nossa luz. Para nascer de ti, fez-te nascer hoje. A Ele
seja prestada honra e glória pelos séculos dos séculos. Amém.
Santo Antônio de Lisboa, Obras Completas, Lello & Irmão –
Editores, 1987, Volume I, pp. 901-905. Compilação: Frei Antônio
Corniatti, OFM
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