ihu - Dado o “terremoto pastoral” que ocorreu em meio ao Sínodo sobre família,
talvez fosse inevitável que houvesse a necessidade de se ter um
compromisso no final. Em certo sentido, é difícil não enxergar o Sínodo e seu documento final como três passos para frente e dois para trás, nas palavras do cardeal alemão Reinhard Marx.
A reportagem é de Christopher Lamb, publicada pela revista The Tablet, 23-10-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Não há dúvidas de sobre onde resides as compreensões amigas do Papa Francisco.
Se pudesse existir um tema para o seu pontificado, este seria a sua
ênfase na “misericórdia” divina – para que a Igreja pare de ser uma
“casa de vidros a julgar ou categorizar as pessoas”. Ao mesmo tempo, o
pontífice está disposto a trilhar um caminho e, em seu discurso final no
sábado, dia 18 de outubro, ele criticou os progressistas que eram
tentados a “descer da cruz”. Apesar dos que falam de um “revés”, o
documento final deveria ser considerado dentro do contexto de um
processo sinodal reformado e melhorado que, em si, é uma conquista.
Inúmeros participantes deste encontro comentaram sobre o quão diferente
ele foi em relação aos Sínodos anteriores.
A atenção dos meios de comunicação dada ao Sínodo
foi intensa. Mas, enquanto os ciclos de notícias mudam numa questão de
horas, a Igreja tende a pensar em questão de séculos. Segundo o cardeal Walter Kasper,
que deu o pontapé inicial para os debates sinodais com o seu discurso
proferido num consistório de cardeais em fevereiro, o papa também está
pensando no longo prazo. Numa fala feita em Viena na semana passada, o
cardeal afirmou que os planos do papa constituem um “programa para um
século ou mais”. Este programa, explicou, não irá satisfazer as
expectativas ocidentais por reformas aceleradas, acrescentando que o papa não se enquadra nos “modelos simplistas de progressista/conservador”.
Em todo o Sínodo, ficou claro que muitos bispos
acreditam que a Igreja precisa encontrar uma nova linguagem pastoral
quando se trata da vida em família. O relatório intermédio parece ter
aberto uma porta para um novo enfoque que, por muitos anos, pareceu
impossível.
O cardeal Vincent Nichols, falando numa coletiva de imprensa em Londres esta semana, disse que foi importante o Sínodo
ter se focado na “bondade das pessoas, quaisquer que sejam a
sexualidade delas, se vivem juntas ou se se encontram num segundo
casamento”. Explicou que “a vida destas pessoas continua a carregar a
marca da obra do Espírito Santo. É o que o Sínodo está apresentando como
ponto de partida para o acompanhamento pastoral”. Devemos dizer que,
embora o documento final não tenha atingido a maioria de dois terços nos
assuntos polêmicos, houve, mesmo assim, uma maioria significativa em
favor dos parágrafos que tratavam deles.
É válido observar que 104 Padres Sinodais votaram
pela permissão, sob certas circunstâncias, da Comunhão aos divorciados e
casados novamente (74 votaram contra). Da mesma forma, quanto ao
parágrafo que tratava da acolhida aos católicos homossexuais, 118
estiveram a favor enquanto que 62 estiveram contra. Há indícios de que o
motivo pelo qual o último parágrafo não recebeu mais apoio foi o de que
alguns Padres Sinodais estavam insatisfeitos, pois ele não teria ido longe o suficiente e, portanto, votaram contra.
Na terça-feira, o cardeal Nichols disse ser esta uma
explicação plausível. Falou que a sua intenção antes da votação era a
de que “isto daí não é o suficiente”, mas então repensou. No final,
porque as votações aconteceram de forma tão rápida, ele acabou não mais
lembrando em que sentido votou. Para a sua felicidade, o Papa Francisco
insistiu que as contagens dos votos fossem publicadas, parágrafo por
parágrafo, em nome da transparência, e que o texto fosse apresentado ao
público na íntegra.
O pontífice ficou claramente feliz com as discordâncias sadias
existentes no encontro, e viu estas coisas como parte do processo de
discernimento na Igreja. Nesse sentido, o Sínodo se compara ao Concílio Vaticano II, que viu debates ferozes durante as suas sessões e ao longo dos documentos que produziu.
De forma significativa, o cardeal Kasper disse acreditar que o “espírito do Concílio estava soprando no Sínodo” – opinião também partilhada por outros Padres Sinodais.
No Concílio, foi o período entre os encontros dos
bispos o que foi fundamental nas decisões finais. De modo semelhante, o
período entre o momento e atual e o próximo Sínodo ordinário
será crucial. Provavelmente ele vai ser um tempo marcado por aqueles
que têm pontos de vista diferentes: publicando livros, panfletos,
realizando seminários e dando entrevistas.
Sem dúvida, o papa está ciente de que precisa levar a
Igreja inteira junto dele, e uma crítica sobre o relatório intermédio
poderá ser a de que ele foi radical demais muito cedo.
Houve preocupação entre vários alguns participantes sinodais de que,
ao enfatizar a preocupação pastoral da Igreja para com as uniões fora do
matrimônio sacramental, de alguma forma a beleza do ensinamento
católico sobre esta questão – o matrimônio – se perderia. O cardeal Nichols disse esperar que o Sínodo soe como uma “trombeta” para o matrimônio.
Mas antes que o documento intermédio fosse divulgado, um medo pareceu
vencer alguns no Sínodo: era o medo de que a mídia apresentasse o
encontro como se a Igreja Católica estivesse aceitando a agenda secular
sobre as pessoas homossexuais, o divórcio e a coabitação. Isto ficou claro nos debates dos pequenos grupos – os circuli minores –, que aconteceram na segunda metade do Sínodo, e em suas 470 emendas propostas ao relatório intermédio.
“Muitos no grupo perceberam que um jovem, ao ler o relatório, se
tornaria ainda menos entusiasmado a realizar a vocação desafiadora do matrimônio cristão”,
disse um dos grupos de língua inglesa, enquanto outro expressou a
surpresa de que o documento fora liberado para a mídia (apesar do fato
de que os relatórios intermédios dos Sínodos anteriores tenham todos
sidos públicos).
Para muitos, Francisco tem uma forte semelhança com o Papa João XXIII, o pastor pé no chão que convocou o Concílio Vaticano II. Não obstante a fé que colocou no processo sinodal, ele também está andando nas pegadas do Papa Paulo VI, quem estabeleceu o organismo após o Concílio (alguns dizem, no entanto, que Paulo VI não deu ao Sínodo os poderes que o Vaticano II outorgou, na medida em que ele ainda é um organismo puramente consultivo).
De forma coerente, Francisco encerrou o Sínodo beatificando Paulo VI
e em sua homilia trouxe uma citação do falecido papa presente no motu
proprio que estabeleceu o Sínodo dos Bispos: “Ao perscrutar atentamente
os sinais dos tempos, procuramos adaptar os métodos (…) às múltiplas
necessidades dos nossos dias e às novas características da sociedade”.
Dando sustentação à fé do Papa Francisco no Sínodo estão a sua experiência na Argentina e o trabalho junto ao Conselho Episcopal Latino-Americano – CELAM.
Ele desempenhou um papel-chave na elaboração do documento marco da
Assembleia de Aparecida, em 2007, um modelo de como a Igreja pode
responder aos contextos pastorais de rápidas mudanças.
Francisco quer que a Igreja inteira esteja envolvida
nos processos sinodais, de forma semelhante ao que ocorreu em
Aparecida. Numa entrevista dada em 2007 à hoje fechada revista 30 Giorni, o então cardeal Bergoglio
disse que o encontro de Aparecida foi “um trabalho que aconteceu de
baixo para cima, e não o contrário”. Falou também que celebrar a missa e
orar junto dos leigos em Aparecida, um santuário mariano, durante
aqueles dias “nos deu um sentido vivo de pertença ao nosso povo, da
Igreja que avança como Povo de Deus, de nós bispos como servos”.
Os leigos desempenharam um papel importante no sínodo deste ano,
abrindo as sessões com suas contribuições, e Francisco disse que um
destaque do encontro foram os testemunhos das famílias e das pessoas
casadas que partilharam “a beleza e a alegria da vida matrimonial”. E
então, para onde as coisas vão a partir de agora?
O documento sinodal final deve agora ser debatido pelas conferências episcopais locais como diretrizes (lineamenta) antes do Sínodo de 2015.
Este encontro será maior, com cada conferência episcopal elegendo
representantes para participar (os números estarão de acordo com o
tamanho). Também participando estarão os prefeitos e presidentes dos
departamentos na Cúria Romana, juntamente com nomeações papais.
No final, o Papa ouvirá recomendações do Sínodo e reservará o direto de tomar as decisões finais. Francisco
disse que a sua missão é salvaguardar a unidade da Igreja e ser um
líder a serviço. É, portanto, altamente improvável que ele vá ir contra a
maioria e fará tudo o que for possível para evitar divisões profundas.
Ele acredita no processo sinodal e no Deus de surpresas. Quem sabe aonde isto poderá levar a Igreja?
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