Barriga de aluguel foi feita na Tailândia com óvulos da África do Sul e coordenação israelense.
por Daniela Kresch, especial para O GLOBO
Com informação oglobo
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Janderson e Pedro na clínica da capital tailandesa onde nasceram, no
último domingo, as gêmeas Luísa e Valentina (uma delas cuidada pela
enfermeira, a outra, com eles):
- Arquivo pessoal |
TEL AVIV - Ser pai era um sonho antigo que o empresário mineiro Pedro
Maciel Filho, de 41 anos, nunca pensou que realizaria. Mas em 2013,
quando se casou de papel passado com o seu companheiro dos últimos 13
anos, o ortodontista capixaba Janderson Lima, de 34, a oportunidade
surgiu. Eles decidiram ter filhos, mas a adoção não era a opção
preferida. Queriam descendentes biológicos, como os personagens Niko e
Eron, da novela “Viver a vida”, que trouxe à tona a discussão sobre
barriga de aluguel para casais gays no Brasil. Mas, diferentemente do
que houve na novela, o casal optou por um processo internacional de
útero de substituição, pioneiro para casais homoafetivos brasileiros e,
sem dúvida, polêmico. Por meio de uma empresa israelense baseada em Tel
Aviv, eles escolheram óvulos de uma doadora da África do Sul, e, depois
da fertilização, os embriões foram inseridos em duas mulheres da
Tailândia para a gestação assistida (uma das gestantes recebeu embriões
fertilizados pelo material genético de Pedro, e outra, de Janderson).
No último domingo, dez dias antes do esperado, as gêmeas idênticas
Luísa e Valentina nasceram em Bangcoc, saudáveis e com cerca de 2,5kg
cada. Às pressas, Pedro e Janderson desembarcaram na capital tailandesa
para conhecer as filhas, ainda na UTI neonatal. Em fevereiro, terão que
retornar à cidade para buscar o próximo filho, Vitor, da outra gestante.
O quarto dos três bebês já está pronto — o casal construiu um adendo de
70 metros quadrados na casa de dois andares em Governador Valadares
(MG) em que vivem, com direito a cozinha, lavabo e varanda.
REPATRIAÇÃO PODE SER COMPLEXA
Pedro e Janderson se preparam, agora, para a mudança que os bebês
farão em suas vidas, os prováveis olhares enviesados e, principalmente,
para a burocracia que envolverá a repatriação das crianças e o registro
delas como filhas legítimas dos dois. Terão que entrar com um processo
para a retirada da “mãe” tailandesa da certidão de nascimento brasileira
e para a inclusão do segundo pai.
— Tenho esperança de que a burocracia seja tranquila — disse
Janderson antes de embarcar para Bangcoc. — Na embaixada do Brasil me
disseram que não haverá empecilho, embora não haja jurisprudência. Nosso
processo é muito novo, mas há precedente de adoção de crianças por pais
do mesmo sexo e de retirada do nome da mulher que foi a barriga de
aluguel da certidão de nascimento de casais héteros.
O presidente da Comissão de Direito da Família da OAB-RJ, Bernardo Garcia, tem opinião semelhante:
— No Brasil, a barriga de aluguel é ilegal, mas o processo foi
realizado em locais onde não há esse impedimento. Sendo assim, os pais
não terão problema. Basta que apresentem a certidão tailandesa de
nascimento ao consulado brasileiro. Os bebês serão tratados como
quaisquer brasileiros que nascem fora.
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Segundo a lei brasileira, casais — gays ou não — só podem realizar
processos de doação temporária de útero com a ajuda de uma mulher que
tenha parentesco de primeiro grau (salvo exceções) e que não receba
pagamento para gerar o bebê. Trata-se da chamada barriga solidária. No
caso da necessidade de óvulos, eles só podem ser doados, não comprados.
Muitos países têm leis parecidas, mas muitos casais optam por gestações
em nações onde não há restrições, num processo sempre complicado e caro,
que começou há apenas alguns anos.
Atualmente, países como Nepal, México e Ucrânia, além de alguns
estados dos EUA, aceitam o procedimento. A Tailândia, um dos destinos
mais conhecidos para a prática, fechou-lhe as portas recentemente
(depois, portanto do início do processo do casal brasileiro). Isso
ocorreu devido a um escândalo envolvendo um casal hétero australiano que
teria abandonado o filho gerado por uma barriga de aluguel, em julho
passado, porque ele nasceu com a síndrome de Down. A Índia, outro
popular centro de “aluguel” de barrigas, também endureceu as regras e,
agora, só aceita a doação temporária de útero para casais formados por
homem e mulher e que estejam há, pelo menos, dois anos juntos.
No caso de Pedro e Janderson, tudo começou quando eles conheceram os
israelenses Roy e Ronen Rosenblatt-Nir, que moraram por seis anos em São
Paulo até voltar para Israel, há quatro meses. Roy, que trabalhava como
adido econômico do Consulado Geral de Israel na cidade, e o marido
Ronen tinham dois filhos gerados por barriga de aluguel na Índia. O
casal brasileiro, que não sabia dessa possibilidade, decidiu seguir os
passos dos amigos israelenses e contatou uma das mais conhecidas
agências de gestação assistida internacional do mundo: a Tammuz, sediada
em Tel Aviv e que foi tema do premiado documentário “Google Baby”
(2009).
— Não tínhamos ideia de que isso era possível. Aqui no Brasil a coisa
é meio primitiva. As informações às vezes passam despercebidas. Espero
que o nosso caso abra novas portas para pessoas que querem ter filhos
biológicos — disse Pedro. — Realizar o processo por uma agência faz toda
a diferença. Sem ela, teríamos que ficar rodando hospitais, seria uma
trabalheira incrível.
No caso da empresa israelense, oferece-se um banco de dados de
doadoras de óvulos sul-africanas. O material genético dos pais é colhido
em Israel ou nos EUA, e agora, depois das restrições de Tailândia e
Índia, as inseminações passaram a ser feitas no Nepal ou em território
americano.
Não é barato. Segundo Doron Mamet, fundador da empresa, o orçamento
necessário gira em torno dos US$ 60 mil. O valor, no entanto, pode
aumentar ainda mais caso haja abortos naturais e seja preciso recomeçar o
processo. As gêmeas Luísa e Valentina, filhas do casal brasileiro,
nasceram na terceira tentativa. Pedro e Janderson estimam ter
desembolsado nada menos do que US$ 90 mil para ter os três filhos.
— O sonho de ter uma família era maior do que o capital que tínhamos
no começo — admite Pedro. — Na verdade, fomos empurrando a barriga de
aluguel com a barriga até conseguir pagar tudo! Quem escolher esse
caminho tem que se programar financeiramente.
‘OS DOIS LADOS SAEM GANHANDO’
Doron Mamet fundou a Tammuz em 2008 depois de ter passado, com seu
companheiro, uma via-crúcis para realizar um processo similar nos EUA.
Ele acabou largando um emprego na área de alta tecnologia para criar uma
agência que facilitasse as coisas para outros casais gays. Desde então,
a agência já intermediou os processos que resultaram no nascimento de
cerca de 390 bebês, 122 deles gêmeos. Hoje, 30% dos clientes do Tammuz
são heterossexuais.
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— Quando começamos, éramos quase os únicos. Na época, o que havia era
paternidade compartilhada ou adoção em outros países. Minha ideia era
criar um processo mundial que parecia, no começo, algo tirado de um
filme de ficção científica — diz Doron. — A questão da barriga de
aluguel é controversa e emocional. Alguns nos criticam por acharem que
há exploração das mulheres. Mas essa é uma situação que não foi
escolhida por nenhum dos lados. O casal não gostaria de precisar disso, e
a “barriga” não gostaria de estar numa posição em que precisa sustentar
sua família. Os dois lados saem ganhando.
Para Roy Rosenblatt-Nir, cujos filhos Rotem e Saar estão com 3 anos, trata-se de uma revolução:
— É um processo complexo, mas para as crianças não faz diferença como nasceram. Elas precisam é de amor e calor humano.
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