IHU - Tinha razão o cardeal de olhos azuis e sotaque alemão que, retornando ao Vaticano na noite anterior da tempestade nos círculos menores do Sínodo – com o documento intermediário, a Relatio post disceptationem,
fortemente contestado pelos bispos –, em uma na Praça de São Pedro
finalmente livre, dizia-se preocupado: "O relatório é bom, podíamos até
ir mais longe, mas agora será difícil preservá-lo. Todos os padres
sinodais trazem no coração a misericórdia de Deus. O mais difícil é
conseguir evidenciá-la nos escritos da Igreja".
A nota é de Giovanni Panettiere, publicada no blog Pacem in terris, 19-10-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Evidentemente, ele sabia que a contraofensiva da frente conservadora,
encorajada por uma certa imprensa amiga, hábil em descrever a
assembleia dos bispos como a um passo do cisma depois das aberturas da Relatio post disceptationem, se faria amplamente sentir também no documento final, a Relatio Synodi, aprovada no dia 18 de outubro.
Não tanto e não só com a atenuação, mais do que previsível, dos
impulsos em relação aos gays e à Comunhão aos divorciados, desejados
pelos inovadores, mas sim pela subversão da própria arquitetura do
primeiro texto: no relatório conclusivo, não há nenhum traço do método
indutivo, que se move da vida concreta dos fiéis à doutrina; ignora-se o
princípio da gradualidade, confinada às relações em vista das núpcias
cristãs, ignora-se a analogia entre matrimônio e eclesiologia que
remetia à passagem do Vaticano II em que, embora recordando a
centralidade da Igreja Católica, relatam-se "elementos válidos" mesmo
fora dela.
O próprio discernimento pastoral, largamente evocado no documento
intermediário, acaba mitigado pelo retorno martelante da palavra
"verdade" e por uma digressão, às vezes postiça, sobre o magistério
pontifício sobre o tema da família.
Poder-se-ia, então, pensar que estamos diante de um documento totalmente diferente e não de uma Relatio post disceptationem fortemente revisitada e integrada à luz do duro debate nos círculos menores.
Poder-se-ia, mas não é assim, a menos que se queira alimentar uma
leitura superficial e partidária do Sínodo e dos seus documentos. A Relatio Synodi mantém
o convite a fazer "escolhas corajosas" na pastoral aos separados,
divorciados e recasados, reafirma o respeito pela dignidade de gays e
lésbicas, assim como dos cônjuges na escolha dos métodos de regulação da
natalidade, continua a abrir mão da referência à lei natural,
verdadeiro cavalo de batalha da Igreja ratzingeriana, continua
percebendo "elementos positivos" nos casamentos civis e, "feitas as
devidas diferenças, nas coabitações".
Em geral, ele concentra a atenção sobre as pessoas mais do que nas
suas condutas. Os tons ficam nuançados, muda-se o eixo central, mas o
espírito inovador de fundo é conservado de modo idêntico.
Restam, e não é pouco, as divisões entre os bispos sobre o acesso aos
sacramentos para os recasados e sobre a acolhida aos homossexuais.
Sobre ambos os pontos, o documento final oferece uma fotografia mais
fiel do debate na Aula e nos pequenos grupos, depois de uma primeira
versão ingenuamente achatada demais sobre os desiderata dos progressistas.
Isso apesar de que, na verdade, a anulação completa de toda referência aos casais gays e lésbicos fala de uma Batalha de Caporetto da vanguarda liberal sob a chantagem maciça da direita católica.
Não por acaso, justamente sobre esses dois pontos, o caminho
penitencial para os recasados e os homossexuais, como sobre um terceiro,
dedicado à Comunhão espiritual para aqueles que se casam novamente, a relatio não recebeu o placet da maioria canônica dos dois terços.
Escreveu-se e disse-se que isso se deve ao voto contrário dos
conservadores. É possível. Mas, olhando para a prudência da redação dos
parágrafos em questão, é mais fácil pensar em uma oposição de esquerda,
especialmente sobre a homossexualidade, onde foram contestados um trecho
do Catecismo da Igreja Católica e outro de um documento assinado pelo então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Joseph Ratzinger.
Os rostos contritos e as meias-palavras dos bispos e cardeais
progressistas, antes e depois da votação, são mais uma prova disso.
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