Lei natural, o que é ética, quais os mecanismos teóricos e estruturas racionais que subjazem a este conhecimento, é muito difícil; mas saber, num dado momento, numa situação ordinária da vida, o que é um comportamento ético, é uma tarefa bem simples.
Brasília,
(Zenit.org)
Por
Paulo Vasconcelos Jacobina
Entender o que é lei natural, o que é ética, quais os
mecanismos teóricos e estruturas racionais que subjazem a este
conhecimento, é muito difícil; mas saber, num dado momento, numa
situação ordinária da vida, o que é um comportamento ético, é uma tarefa
bem simples. Trata-se simplesmente de entender, de conhecer os fatos e
as circunstâncias, que a avaliação moral decorre por conaturalidade.
Uma operação recente da polícia, noticiada em rede nacional,
desbaratou uma quadrilha de abortistas. Noticiada como “a maior rede de
abortos do país”, a quadrilha contava com cinquenta e sete pessoas
envolvidas, das quais nada menos do que seis médicos. As notícias dão
conta de procedimentos nos quais médicos e mesmo falsos médicos “matavam
crianças como se estivessem sacrificando um bezerro”. Os números são
impressionantes: os procedimentos custavam de mil a sete mil e
quinhentos reais, e os líderes, que foram qualificados de “açougueiros”
pelos policiais, chegaram a reconhecer a existência de cinco milhões de
dólares depositados numa conta na Suíça.
A consternação com este caso, que repercutiu nacionalmente, mostra
que a consciência humana, ainda que bombardeada com intensa propaganda
ideológica, é capaz de reconhecer o bem e o mal, e de alegrar-se com o
bem e lamentar o mal, como, no caso concreto, o aborto. Isto me fez
lembrar de um artigo que li recentemente, de autoria de um filósofo
americano de nome estranho – J. Budziszewski – que escreveu um artigo (e
posteriormente um livro) com um nome também curioso: o artigo chama-se “Denying what we can't not know”; em tradução muito livre, seria algo como “negando o que não se pode ignorar”. É facilmente encontrado na internet.
A tese do autor é simples: partindo dos princípios éticos
tradicionais, ele lembra que mesmo um bebê, de algum modo, é atraído
pelo seio da mãe, e repelido, por exemplo por ruídos altos. Assim, diz
ele, a avaliação moral, no ser humano, é conatural com o conhecimento
factual. Buscar o bem e repelir o mal está em nós. Decerto o bebê não
tem todas as noções morais, por exemplo falta-lhe a noção moral de que matar alguém é
errado. Mas isso não se dá, diz o autor, em razão de uma “relatividade”
moral, por exemplo, do ato de matar, mas porque o bebê desconhece tanto
a noção de “pessoa” quanto a de “eliminar uma vida”. Vale dizer, tão
logo alguém compreenda essas noções, não há maneira, para o ser humano,
de não saber, de ignorar que matar é errado, diz Budziszewski. É isso
que ele chama de “conhecimento moral por conaturalidade”.
Assim, diz ele, não somente existe algo como “o bem”, que é
ontologicamente real, como existe algo como “o discernimento ético do
bem”, que decorre do simples domínio, pelo ser humano, dos conceitos
envolvidos no conhecimento factual de uma situação. Com isto, diz o
autor, não se pode aceitar simplesmente que alguém admita que conhece os
conceitos envolvidos numa dada situação, mas desconhece totalmente a
avaliação moral desses conceitos. Ele nos desafia a distinguir entre a ignorância, que ele diz ser extremamente rara entre adultos sadios e socializados, e a pura negação,
ainda que a negação venha sob alegação, sob o pretexto de ignorância. O
autor nos alerta que entender o que é lei natural, o que é ética, quais
os mecanismos teóricos e estruturas racionais que subjazem a este
conhecimento, é muito difícil; mas que saber, num dado momento, numa
situação ordinária da vida, o que é ético, é uma tarefa bem simples.
Trata-se simplesmente de entender, de conhecer os fatos e as
circunstâncias, que a avaliação moral decorre por conaturalidade.
Com isso, ele nos adverte de que muito facilmente aceitamos alegações
de “ignorância moral” que são insustentáveis. Se alguém sabe o que é
uma vida humana e sabe o que é o ato de matar, muito facilmente pode
deduzir que eliminar a vida de alguém, mesmo a título, por exemplo, de
poupá-lo de uma doença terminal, está errado. Não se pode ignorar isto,
diz ele. O mesmo ocorre com o aborto: sabendo-se que o bebê existe, está
vivo no útero da mãe, constitui um ser diverso da própria mãe, é
suficiente para saber razoavelmente que abortar está errado.
Assim, diz ele, é por isso que o grande esforço dos que defendem o
aborto não é negar que sabem que, dada a noção de um bebê humano no
útero da mãe, e dada a noção de que o aborto elimina a vida deste bebê,
isto é errado. Vale dizer, se admitem estes dois conceitos, não podem
negar que isto é errado. Não se pode ignorar que, dados tais conceitos,
abortar é um ato moralmente execrável. Portanto, quem alega ignorar
isto, quem não pode admitir a pura e simples imoralidade do aborto, fica
com a missão espinhosa de provar, ou que o embrião não é um ser humano
vivo, ou que abortar não é matar. Quando se reconhecem os dois conceitos
– “ser humano” e “matar”, a conclusão de que isto é errado virá por
conaturalidade.
Assim, os que insistem em defender o aborto negam a humanidade do
embrião, ou negam a sinonímia entre aborto e o ato de matar. Porque,
dados os dois termos, não há como negar que está errado abortar. Mas uma
vez que negam aquilo que não se pode ignorar, causam uma ruptura na sua
própria inteireza: comprimem a mola da estrutura moral que o ser humano
carrega dentro de si, a mesma estrutura que leva o recém-nascido,
naturalmente, a buscar o seio materno e a chorar na presença de ruídos
altos. É o mesmo mecanismo que leva a procurar fazer o que está certo e
repelir o que está errado.
Ora, apesar da negação, a mola continua existindo, e está comprimida.
Como não podem ignorar as consequências morais dos seus atos, mas não
admitem para si mesmos que o ato é errado, desencadeiam em si todas as
consequências da prática do ato errado, mas negam que essas
consequências decorram da prática do próprio ato. A ruptura leva ao mal
estar, ao desconforto interior: na impossibilidade de admitir o que não
poderiam ignorar, ou seja, o fato de que o seu desequilíbrio interior, o
seu desconforto, decorre da própria natureza humana que se viola quando
se escolhe o mal em vez do bem, passam a colocar a culpa pela sua dor
interior nos ombros daqueles que teimam em afirmar que a sua escolha foi
ruim, foi viciada, foi violadora da própria natureza humana que os
define, e não poderia nunca trazer a paz. É como se uma criança pudesse
rejeitar o seio da mãe em prol de uma garrafa cheia de bebida alcoólica,
e depois, entoxicado, culpasse o médico pelo diagnóstico de ressaca.
Este episódio da operação Herodes, que desmontou a quadrilha de
abortistas, mostra exatamente isto: não se pode, ao entender o que está
em jogo, deixar de aflorar o repúdio à conduta destas pessoas. E este
repúdio, diz Budziszewski, decorre da conaturalidade do julgamento moral
com a compreensão intelectual do que está em jogo. São indissociáveis.
Não se pode, no entanto, sem contaminar a própria inteireza moral do ser
humano, imaginar que o aborto possa ser moralmente indefensável para
estas pessoas, e ser de algum modo moralmente defensável para os
genitores que o praticam. O ato aparente de “tolerância” ou
“compreensão” com o alegado “desespero” da mulher que aborta não
justifica, em hipótese alguma, o aborto em si.
Acolher a mulher que abortou é um dos maiores deveres cristãos.
Dissuadir a mulher que pensa em abortar é um dever ainda maior. Fazer o
contrário, justificá-la de algum modo em nome da “fragilidade da
mulher”, ou da “pressão social”, é colaborar com a ruptura da
integridade existencial dessa mesma mulher: induzi-la ao mal, se ainda
não o fez, ou impedir que ela seja resgatada dele, se já o consumou.
Esta é a maior consequência que decorre da atitude de quem, no campo da
moral, nega aquilo que não se pode ignorar.
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