ihu - As discussões que caracterizaram o Sínodo
convidam a voltar aos motivos teológicos da recusa que a Igreja
católica manifesta para a comunhão eucarística de pessoas divorciadas
que se casaram novamente. A resposta habitual evoca uma contradição
entre o status dos divorciados que se casam e a aliança irrevogável
concluída por Cristo com a sua Igreja, de que a Eucaristia é um sinal. Como escreveu João Paulo II:
os divorciados que se casam “são estes que não se pode admitir, do
momento em que o seu estado e sua condição de vida se contradizem
objetivamente àquela união de amor entre Cristo e a Igreja, representada
e executada pela Eucaristia”(Familiaris Consortio, n° 84).
A reportagem é de Jean-François Chiron, publicada por La Croix, de 05-11-2014. A tradução é de Ivan Pedro Lazzarotto.
Essa afirmação deve ser compreendida corretamente. Porque um novo
casamento civil não possui os mesmos efeitos sobre as leis sacramentais
que aconteceram precedentemente: aos olhos do clero se trata somente de
uma forma de concubinato. Um casamento civil que tenha terminado antes
do casamento religioso não é levado em consideração pela Igreja: os
católicos casados somente no civil podem, sem problemas, se casar
religiosamente depois de se divorciarem, mesmo que tenham filhos; se
presume que nada de matrimonial existiu anteriormente.
Sabe-se que a comunhão volta a ser possível para os
divorciados que se casam novamente se vivem em continência (cf. n° 1650
do catecismo da igreja católica). Então são golpeados pela proibição eclesiástica somente os casais que possuem relações sexuais – se não, até os divorciados recasados continentes seriam privados do acesso a Eucaristia.
O que é problemático não é a ratificação puramente civil de uma nova
união porque essa não tem efeitos sobre os sacramentos: é a dimensão
sexual do novo status.
Existem então motivos para acreditar que a razão da oposição do clero
à comunhão eucarística dos divorciados recasados recai (simplesmente,
se é que se pode dizer assim) na moral sexual. Não é o estado civil que está em contradição com aquilo do que a Eucaristia é sinal, é o que isso normalmente representa: os relacionamentos sexuais “ilegítimos”.
Estas pessoas não podem ser perdoadas de acordo com os sacramentos e
então se impede a comunhão eucarística. Enquanto os divorciados
recasados que vivem a continência acabam com a sua específica situação
de pecado, e é isso que vale.
O clero acredita que toda relação sexual fora do matrimônio sacramental
seja “intrinsicamente inapropriada”, independente de qualquer contexto
ou circunstância. Então a situação dos casais de divorciados recasados
que desejam viver em relação estável e fiel (que é o que mostra o seu
novo casamento civil) é comparável àquela de pessoas que traem sues
cônjuges ou praticam a “vagabundagem sexual”? Ou de uma relação sexual
ocasional fora do casamento? Todos os atos (sexuais) aqui descritos
devem seguir o mesmo registro, considerando igualmente imorais e, por
consequência, devem ser impedidos, da mesma forma, o acesso a Eucaristia?
Se entende também que se rejeita que os casais sejam vistos somente
como um registro genital, independente da sua importância antropológica,
uma vez que se esforçam para se reconstruir com a graça de Deus: são
reinseridos nos valores autênticos que ninguém na Igreja poderia
contestar. Vamos relembrar o princípio enunciado pelo Papa Francisco: “A Eucaristia
é constituída também pela plenitude da vida sacramental, não é um
premio destinado aos preferidos, mas um generoso remédio e alimento para
os fracos” (Evangelii Gaudium, n° 47).
O que está em questão é a definição de um ato humano, de um ato sexual:
em quais medidas o contexto e as circunstâncias devem ser levadas em
consideração na sua definição e então na sua avaliação ética? Devemos
também nos perguntar se é oportuna uma apreciação pastoral na avaliação
da moralidade de um ato. Levar em consideração estas perspectivas
implicaria que o clero estivesse pronto para as mudanças, como ressaltou
o Bispo de Anversa, Monsenhor Bony:
até que ponto é legítimo, na resolução destes problemas, privilegiar
somente uma escola de teologia moral? Não é inútil relembrar do que o
Papa Francisco cita no Evangelii Gaudium (n° 44) a fórmula do catecismo da Igreja católica
que relembra que “a imputabilidade e a responsabilidade de uma ação
pode ser diminuída ou até mesmo suprimida” por “fatores psíquicos ou
sociais”: mesmo que o projeto de documento sinodal que cita o mesmo
canto com relação aos divorciados recasados não tenha obtido a maioria
qualificada, é nítido que a maioria da Assembleia Sinodal acreditou que tal pedido era importante.
Percebe-se a importância da reflexão a que foram chamados os bispos
se desejarem verdadeiramente levar em consideração a raiz dos problemas.
Ao menos é possível acreditar que o dogma da indissolubilidade das
uniões matrimoniais não está em discussão no debate que abriu logo após a
intervenção do cardeal Kasper, encarregado pelo Papa Francisco.
É a dimensão ética, inseparável de uma aproximação pastoral, de estar
ao coração do problema, como de todos os que são debatidos em Roma.
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