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"O Papa Francisco? Eu ficaria muito feliz de encontrá-lo." É o que diz o Dalai Lama nesta entrevista a La Repubblica na iminência da Cúpula de Prêmios Nobel da Paz, que ocorre em Roma entre os dias 12 e 14 de dezembro.
A reportagem é de Raimondo Bultrini, publicada no jornal La Repubblica, 11-12-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Mas não haverá uma "cúpula" entre o pontífice e o líder espiritual do
budismo. "Não está prevista uma audiência. Haverá uma mensagem do papa
para o Dalai Lama, assinada pelo secretário de Estado, Parolin", informa o Vaticano.
Os outros temas abordados nesta conversa são as difíceis relações com a China, o Nobel de Malala e o direito à educação, e as polêmicas dos "budistas tibetanos dissidentes", que também anunciaram protestos contra o Dalai Lama nestes dias em Roma.
Mas ele também acrescenta que a religião por si só não basta para
resolver os conflitos e as injustiças no mundo: "É preciso uma ética
laica, compartilhada por aqueles que não têm uma fé".
Eis a entrevista.
Sua Santidade, os Nobel da Paz mudaram para Roma a sua cúpula mundial dedicada a Mandela, depois que, por pressão chinesa, havia sido recusado ao senhor o visto sul-africano. Qual foi a sua reação?
Veja, no início, dois Prêmios Nobel da África do Sul tinham me convidado, e, naturalmente, eu aceitei. No entanto, a Embaixada da Índia se recusou a me dar o visto. Nem antes eu pude encontrar e prestar homenagem a Mandela
antes que ele morresse, mas eu aceito as coisas como elas são.
Naturalmente, para os respectivos governos, o interesse nacional é
importante, mas posso garantir-lhes que o Dalai Lama
não é uma pessoa prejudicial. O meu interesse é promover os valores
humanos, em um mundo de sete bilhões de membros de uma mesma família.
Devemos levar esses valores conosco em tudo o que façamos, quer se trate
de política, de economia, de religião ou de educação. Se eu tivesse um
programa político, eu poderia me sentir decepcionado, mas não é o caso.
E, certamente, aprecio os meus companheiros Prêmios Nobel pelo caloroso
apoio. Graças a eles e com a ajuda do prefeito de Roma, desta vez, eu também poderei participar.
Muitos não conseguem entender por que a poderosa China teme tanto o senhor.
Chamam-me de demônio e de separatista, mas, na realidade, é o exército popular chinês que age como um separatista no Tibete.
Se você bater em um cachorro, ele foge. Se você quiser que ele
permaneça, deve tratá-lo com afeto. Os tibetanos são seres humanos, que
não basta persuadir com infraestrutura, se depois se comportam com eles
sem nenhum respeito. A luta é entre o poder do revólver e o poder da
verdade. Neste momento, são as armas que estão vencendo, mas, no fim, a
verdade prevalecerá.
Malala, que, nessa quarta-feira recebeu o Prêmio Nobel, tornou-se um símbolo pelo direito à educação. O senhor acha que a educação pode ser um substituto para a religião?
Muitos criadores de problemas em muitas partes do mundo muitas vezes
são bem educados. Portanto, não é da educação sozinha que devemos falar,
mas também dos valores. E é a religião que se ocupa disso. Mas aquilo a
que devemos dar atenção hoje também é a ética laica, que está na base
das tradições religiosas. Se combinarmos formação com espírito de
cordialidade, a sua educação, o seu conhecimento serão construtivos para
toda a sua vida. Você será capaz de contribuir com a sociedade e com a
melhoria da humanidade. Apesar da sua importância como guia moral capaz
de dar um sentido à vida, no mundo laico de hoje a religião sozinha não é
mais adequada como base para a ética. Uma razão é que muitas pessoas
não seguem uma fé particular, e devemos encontrar uma abordagem ética
para a falta de valores, que possa ser aceitável por aqueles que têm fé e
por aqueles que não a têm. É de uma ética laica que eu falo. Valores
interiores a serem transmitidos através da educação, que atualmente se
concentra muitas vezes mais nas coisas materiais do que nos princípios
morais.
O senhor disse que está ansioso para se encontrar com o Papa Francisco. Parece haver coisas afins na simplicidade da abordagem de vocês ao mundo.
Tive uma boa impressão e ficaria muito feliz de encontrá-lo
pessoalmente. Fiquei impressionado com a sua decisão de afastar aquele
arcebispo alemão que pregava a contenção à sua Igreja, mas vivia no
luxo. Também admirei a sua tentativa de construir a paz entre palestinos
e israelenses. Foi uma bela e louvável tentativa.
O senhor falou várias vezes que poderia ser o último da estirpe do Dalai Lama, mas as autoridades chinesas responderam: "Quer goste ou não, você vai ter que reencarnar".
Se eu tivesse que morrer hoje, acredito que o povo tibetano preferiria ter outro Dalai Lama. Mas, no futuro, se a instituição não for mais relevante ou útil, e o Tibete
mudar, a instituição do Dalai Lama vai cessar. Pessoalmente, sinto que
ela alcançou o seu objetivo. Em 2011, quando transferi a minha
responsabilidade para um novo líder laico eleito pelos exilados, não fiz
isso com relutância, mas com alegria.
Mas a China já nomeou e tomou o controle de outro "renascido" tibetano.
A reencarnação deveria ocorrer voluntariamente ou, ao menos, com base
no karma, no mérito e nas orações da pessoa interessada. Ninguém mais
pode coagir ou manipular o modo pelo qual alguém quer ser reconhecido na
próxima vida. E é particularmente inapropriado para os comunistas
chineses, que rejeitam explicitamente a ideia de vidas passadas e
futuras, para não falar do conceito de Lama reencarnados. Eles só pensam
em termos políticos, de poder.
Um grupo de dissidentes que pertencia à sua própria tradição religiosa há muito tempo se manifesta em várias partes do mundo e também o fará em Roma. Eles pedem para poder venerar livremente um ser que o senhor considera como um "espírito sinistro" e se sentem discriminados.
Por ignorância, de 1951 até 1970, eu também propiciei esse espírito. Depois, descobri que o quinto Dalai Lama,
que tinha um conhecimento aprofundado disso, falava dele como de uma
entidade nascida de orações distorcidas, que danificam os ensinamentos
do Buda... Cometer um erro por ignorância é compreensível, mas agir conscientemente é outro assunto. Aqueles que nos EUA e na Europa
se manifestam publicamente contra mim me chamam de inimigo do budismo,
gritam, tocam tambores e levantam bandeiras. Os seus rostos se contorcem
em expressões agressivas. O seu slogan é "pare de mentir": mas quem
realmente está mentindo? Por causa de informações distorcidas, os
seguidores dessa prática estão completamente confusos. Mas, no fundo, é
bom que esses manifestantes chamem a atenção para o problema,
encorajando as pessoas a esclarecer do que se trata.
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Veja também:
Francisco diz não ao Dalai Lama: por enquanto, nada de encontro
ihu - Por enquanto, não há nada a fazer, melhor esperar. O encontro entre Francisco e o Dalai Lama
terá que esperar por tempos melhores. E assim, salvo surpresas de
última hora, o que é sempre possível, a via diplomática, neste momento,
continua sendo a única opção possível.
A reportagem é de Franca Giansoldati, publicada no jornal Il Messaggero, 11-12-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O pontífice, embora alimentando sentimentos de amizade pela mais alta
autoridade espiritual do budismo tibetano, viu-se obrigado a renunciar a
uma audiência, mesmo que de caráter privado.
No fundo dessa sofrida decisão, estão cenários complexos que dizem respeito às relações acidentadas entre o governo de Pequim
e a pequena minoria católica chinesa, uma realidade em contínuo
crescimento e submetida a diversas fases atribuladas, que começaram
quando Mao decidiu interromper as relações diplomáticas com a Santa Sé, expulsando o então núncio apostólico.
Desde então, houve uma sucessão de mensagens oblíquas, de tímidas
aberturas, de separações, de marchas à ré e até mesmo de despeitos, como
quando, em diversas ocasiões, o governo comunista decidiu realizar
nomeações episcopais sem o placet do papa. Nomeações defendidas pela Associação Patriótica que, ainda hoje, continua em aberto conflito com o Vaticano.
Nos últimos dez anos, no entanto, a Ostpolitik dos pequenos passos
levou a um progressivo reconhecimento dos bispos "ilegítimos", tanto que
hoje a maioria dos bispos católicos da China estão em comunhão com Roma. Um quadro fluido e muito delicado.
Com a chegada do Papa Francisco, a situação deixou entrever a possibilidade de soluções positivas a serem exploradas. Recentemente, por exemplo, um jornal de Hong Kong,
considerado expressão do governo chinês, falou de negociações em curso,
de encontros preliminares, de missivas secretas que chegaram ao seu
destino através de emissários de confiança.
Futuro
À espera de entender qual será o próximo passo, a Santa Sé parece proceder com a devida cautela e diplomacia. Por isso, o Papa Bergoglio e o Dalai Lama
se verão em outra ocasião, não agora, mesmo que o líder dos budistas
tibetanos esteja de passagem e manifestou o desejo de uma audiência
papal.
O Dalai Lama participará da cúpula dos Prêmios Nobel da Paz, entre os dias 12 e 14 de dezembro. Só faltará ao encontro Desmond Tutu, por causa da sua saúde precária. Em Roma, há muito expectativa pelo evento.
Inicialmente, ele deveria ser realizado na Cidade do Cabo, na África do Sul, para lembrar Nelson Mandela, mas quando circulou o rumor de que a África do Sul, sob pressão da China, não concederia o visto de entrada ao Dalai Lama, aconteceu o tumulto.
Diversos prêmios Nobel, incluindo Jody Williams, fundador da campanha internacional contra as minas terrestres, e a iraniana Shirin Ebadi avisaram a organização que não participariam por solidariedade e por protesto.
A transferência para Roma da 14ª Cúpula Mundial de Prêmios Nobel foi a direta consequência dessa bagunça. O Papa Francisco, assim, se viu lidando com um dilema.
Em virtude da paridade de condições, ele avisou que não dará
audiência nem mesmo aos outros Prêmios Nobel, embora enviará à cúpula um
dos seus cardeais de confiança, o africano Appian Turkson, presidente do Pontifício Conselho Justiça e Paz, ao qual confiou uma mensagem afetuosa.
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