terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Religião ou ideologia?

Por Dom Aldo Pagotto*

Numa expressão apressada, espalha-se a ideia de que religião identifica-se com fanatismo irracional.




A série de atentados terroristas, seguidos de massacres inomináveis, suscita em nós um misto de consternação e indignação ética. Há alguns anos, após os atentados às Torres Gêmeas e ao Pentágono, sucedem-se provocações, ameaças e fatos consumados de ódio e vingança às nações do Ocidente. Em suma, ao que parece, a tendência do terrorismo é confundir mundo capitalista e “status quo cristão”. Jornalistas e analistas políticos internacionais não conseguem esboçar uma resposta lógica, tentando explicitar “por que” que em pleno século XXI recrudesce o fanatismo fundamentalista, de caráter religioso. Por que destruir tudo o que seja considerado inimigo do Estado Islâmico (EI)?
Numa expressão apressada, e por isso perigosa, espalha-se a ideia confusa de que religião identifica-se com fanatismo irracional e alienado. Ao recente massacre do “Charlie Hebdo” seguiu-se a destruição de estabelecimentos cristãos e novo massacre no Níger, somando-se duas mil execuções sumárias. Em vários países, cuja população é de maioria muçulmana, seguem-se atentados, violações, destruições, mortes cruéis. Tudo isso é praticado contra os cristãos e contra os que discordarem do regime implantado pelo novo Estado Islâmico. A tolerância humana tem limites ante o absurdo. Até que ponto a humanidade conseguirá tolerar tanta irracionalidade? Como entender o século XXI vendo crescer mais e mais o fundamentalismo que se dá ao luxo de passar por cima de quaisquer convenções sobre Direitos Humanos? Estamos diante de um radicalismo intolerável. Na esfera mundial, hoje, é inconcebível tolerar a negação dos direitos humanos fundamentais e irreformáveis. Trata-se do direito de expressão de um lado e de outro o direito à liberdade religiosa ou filosófica.
Todo cidadão possui o direito de expressar suas crenças e valores, contanto que não se imponha pela força violando o direito dos outros. Crenças e valores humanitários são reputados como sagrados na esfera pessoal, comunitária e social. Tenho o direito de expressar minha opinião, crença ou valor, sem ser agredido, debochado, massacrado por alguém que discorde. A pluralidade de expressão de valores é um bem inquestionável e inviolável. Jamais existirá sociedade democrática sem o direito de expressar opiniões plurais legítimas, constitucionalmente. A intolerância é anticonstitucional. O bom senso segue-se ao respeito recíproco. A liberdade de expressão identifica-se como legítimo direito de exprimir crenças e valores que não se confundem com imposição, proselitismo religioso e, menos ainda, com guerra santa, conspurcando o nome de Deus. 

CNBB, 26-01-2015.

*Dom Aldo Pagotto é arcebispo da Paraíba (PB).

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