Maior joia da literatura cristã primitiva, a Carta a Diogneto nos conta como viviam os primeiros cristãos |
Durante muitos e longos séculos, um elegante manuscrito composto em
grego permaneceu ignorado no mais abissal dos silêncios. O texto, de
origens até hoje misteriosas, só foi encontrado, e por acaso, no
longínquo ano de 1436, em Constantinopla, junto com vários outros
manuscritos endereçados a um certo “Diogneto”.
Se não há certeza sobre o seu autor, sabe-se que o destinatário do escrito era um pagão culto, interessado em saber mais sobre o cristianismo,
aquela nova religião que se espalhava com força e vigor pelo Império
Romano e que chamava a atenção do mundo pela coragem com que os seus
seguidores enfrentavam os suplícios de uma vida de perseguições e pelo
amor intenso com que amavam a Deus e uns aos outros.
O documento que passou para a posteridade como “a Carta
a Diogneto” descreve quem eram e como viviam os cristãos dos primeiros
séculos. Trata-se, para grande parte dos estudiosos, da “joia mais
preciosa da literatura cristã primitiva”.
Confira a seguir os seus parágrafos V e VI, que compõem o trecho mais célebre deste tesouro da história cristã:
“Os cristãos não se distinguem dos outros homens nem
por sua terra, nem por sua língua, nem por seus costumes. Eles não
moram em cidades separadas, nem falam línguas estranhas, nem têm
qualquer modo especial de viver. Sua doutrina não foi inventada por
eles, nem se deve ao talento e à especulação de homens curiosos; eles
não professam, como outros, nenhum ensinamento humano. Pelo contrário:
mesmo vivendo em cidades gregas e bárbaras, conforme a sorte de cada um,
e adaptando-se aos costumes de cada lugar quanto à roupa, ao alimento e
a todo o resto, eles testemunham um modo de vida admirável e, sem
dúvida, paradoxal.
Vivem na sua pátria, mas como se fossem forasteiros; participam de tudo como cristãos,
e suportam tudo como estrangeiros. Toda pátria estrangeira é sua
pátria, e cada pátria é para eles estrangeira. Casam-se como todos e
geram filhos, mas não abandonam os recém-nascidos. Compartilham a mesa,
mas não o leito; vivem na carne, mas não vivem segundo a carne; moram na
terra, mas têm a sua cidadania no céu; obedecem às leis estabelecidas,
mas, com a sua vida, superam todas as leis; amam a todos e são
perseguidos por todos; são desconhecidos e, ainda assim, condenados; são
assassinados, e, deste modo, recebem a vida; são pobres, mas enriquecem
a muitos; carecem de tudo, mas têm abundância de tudo; são desprezados
e, no desprezo, recebem a glória; são amaldiçoados, mas, depois,
proclamados justos; são injuriados e, no entanto, bendizem; são
maltratados e, apesar disso, prestam tributo; fazem o bem e são punidos
como malfeitores; são condenados, mas se alegram como se recebessem a
vida. Os judeus os combatem como estrangeiros; os gregos os perseguem; e
quem os odeia não sabe dizer o motivo desse ódio.
Assim como a alma está no corpo, assim os cristãos
estão no mundo. A alma está espalhada por todas as partes do corpo; os
cristãos, por todas as partes do mundo. A alma habita no corpo, mas não
procede do corpo; os cristãos habitam no mundo, mas não pertencem ao
mundo. A alma invisível está contida num corpo visível; os cristãos são
visíveis no mundo, mas a sua religião é invisível. A carne odeia e
combate a alma, mesmo não tendo recebido dela nenhuma ofensa, porque a
alma a impede de gozar dos prazeres mundanos; embora não tenha recebido
injustiça por parte dos cristãos, o mundo os odeia, porque eles se opõem
aos seus prazeres desordenados. A alma ama a carne e os membros que a
odeiam; os cristãos também amam aqueles que os odeiam. A alma está
contida no corpo, mas é ela que sustenta o corpo; os cristãos estão no
mundo, como numa prisão, mas são eles que sustentam o mundo. A alma
imortal habita em uma tenda mortal; os cristãos também habitam, como
estrangeiros, em moradas que se corrompem, esperando a
incorruptibilidade nos céus. Maltratada no comer e no beber, a alma se
aprimora; também os cristãos, maltratados, se multiplicam mais a cada
dia. Esta é a posição que Deus lhes determinou; e a eles não é lícito
rejeitá-la”.
Fonte: ALETEIA
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