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Deus não vai perguntar qual era o tamanho de nossa mansão, mas quantas pessoas nós acolhemos.
Muro entre EUA e México: do que estamos nos defendendo?
Por José Luís Queimado, C. Ss. R.*
Quando olhamos para os muros ou as cercas em volta de nossa casa,
entendemos que aquele pedacinho de chão nos pertence. Damos o nome de
propriedade privada a esse bem material. A data exata em que os seres
humanos começaram a se apossar dos bens comuns (terra, rios e florestas)
já não pode ser rastreada na História.
Nas sociedades tribais, o indivíduo era absorvido pela comunidade. Não
havia pessoas donas dos bens terrenos, pois o que era da natureza
pertencia a todos. A tribo era uma unidade básica de coesão.
Os membros da comunidade eram intrinsecamente unidos para preservar a
própria sobrevivência, lutando contra a fome, contra o frio e contra os
inimigos.
Devido à existência de tribos rivais, começou-se a delimitar os espaços físicos. Eis o nascimento dos muros e das cercas.
Não se podia permitir a entrada dos estranhos, pois eles não faziam
parte da harmonia cultural do grupo. O território demarcado fez nascer o
pronome possessivo: NOSSO. Aquele pedaço de terra já não era um bem
para todos os seres humanos, mas pertencia à NOSSA tribo!
E, assim, com o aparecimento das civilizações, fez-se necessária a
construção de gigantescas estruturas de delimitação de terra para a
defesa do povo. As muralhas são a maior arma de defesa da antiguidade.
Os invasores teriam de sitiar a cidade por dias, por meses ou até por
anos para conseguirem derrubar aquela monumental parede de pedras. Ainda
hoje, podemos visitar várias muralhas antigas em diversos sítios
arqueológicos pelo mundo afora!
No entanto, em um mundo globalizado dos dias atuais, perguntamo-nos,
atônitos, por que ainda existem essas fortalezas modernas? Do que
estamos nos defendendo? De quais invasores? Ficamos felizes quando
revemos as imagens memoráveis da queda do Muro de Berlim, em 1989.
Uma linha divisória de concreto que separava o mesmo povo alemão. Uma
vitória para a humanidade! Por outro lado, quase nos esquecemos dessa
realidade que se expande, com mais força, ainda hoje, a cada dia pelo
nosso planeta!
Já nos demos conta de quantas pessoas morrem tentando atravessar
esses muros, essas divisórias humanas? São milhares de pessoas em
movimento constante nos dias de hoje.
A migração é um fato inegável. Mas alguns países, principalmente os
mais ricos, levantam construções quilométricas para bloquear esse
direito de ir e vir que todo ser humano possui. As pessoas que vivem em
países pobres ou em emergência tentam, desesperadamente, uma chance
dentro do domo de riqueza. Porém, penetrar tal fortificação é quase uma
epopeia.
Exemplo maior são os Estados Unidos que continuam ferozmente a
avançar com o projeto de se isolar do México. O país rico do norte não
quer que seu vizinho o incomode com imigrantes ilegais, mas não deixa de
se aproveitar da mão de obra barata que se encontra facilmente em
terras mexicanas. Em outras palavras, é bom ter escravos, mas jamais
permitir que eles entrem na Casa Grande.
Os Estados Unidos querem proteger a sua cultura e querem livrar as
suas terras do tráfico de drogas, de armas e de pessoas, esses são os
argumentos usados em favor do muro. Entretanto, fazem vista grossa a
milhões de imigrantes ilegais que há anos vem ajudando essa nação a
crescer economicamente.
E, seguindo os passos do chefe maior, encontramos vários outros
exemplos de barreiras defensivas e separatistas, que aniquilam milhares
de pessoas todo ano. Quem pode ignorar as terras recortadas de Israel? A
pequena nação do Oriente Médio, poderosíssima, isola o povo palestino
sem piedade, parecendo o piolho que é caçado no pente fino.
Israel e Cisjordânia; Israel e Gaza; muros vergonhosos para a
humanidade! Ou a triste realidade da cerca eletrificada que separa o
pobre Zimbábue da bem desenvolvida Botswana, na África? Ou as cercas
farpadas que “imunizam” a África do Sul das “pestes” que vêm do Zimbábue
ou do Moçambique?
Ou a histórica tensão diplomática entre Coreia do Sul e Coreia do
Norte e entre Índia e Paquistão, que é responsável pelo levantamento de
baluartes cada vez mais intangíveis?
Esses exemplos dados acima são apenas a ponta do iceberg! Tudo indica
que tendemos a nos encasular cada vez mais. Prova disso são os pequenos
países que estamos construindo nas grandes e pequenas cidades, ao que
chamamos condomínios residenciais (fechados)!
Algumas dessas novas naçõezinhas são verdadeiras cópias da política
americana ou israelense de separação do restante da população. São quase
intocáveis, pois os moradores querem total distância dos habitantes
comuns da cidade. Que pena! O mundo está cada vez mais repleto de
pessoas, mas parece um deserto!
O convite é para que todos nós reflitamos sobre o perigo do
precipício que nós mesmos estamos cavando. Quando queremos ser melhores e
maiores, colocamos uma redoma em nosso ego e acabamos destruindo tudo o
que está fora do nosso mundinho fajuto e ilusório.
Como dizia Albino Luciani, antes de ser o papa João Paulo I: "quando
chegarmos ao céu, Deus não vai perguntar qual era o tamanho de nossa
mansão, mas quantas pessoas nós acolhemos com amor lá dentro; Ele não
vai perguntar em qual bairro morávamos, mas se fomos capazes de tratar
descentemente os nossos vizinhos!" Derrubemos os muros que existem em
nosso coração, pois são eles que constroem as barreiras físicas do mundo
exterior!
A12, 11-04-2015.
*José
Luís Queimado, C. Ss. R., é padre, formado em Filosofia e Sociologia.
Pesquisador autônomo das Sagradas Escrituras e História. Diretor do
A12.com.
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