Para apresentar a Ordem
de Rosa-Cruz esboçaremos primeiramente o seu histórico; a seguir, a sua
ideologia.
1. As origens da Ordem de Rosa-Cruz
1.1 Ouçamos, antes do
mais, o que a “Rosa-Cruz” diz a respeito de si mesma.
Narram os textos
oficiais que a Ordem teve origem no Egito, onde o Faraó Tutmosé III (1500-1447
a.C.) reuniu vários de seus súditos, dotados de sabedoria mais profunda, oculta
ao vulgo, a fim de fundar com eles a “Grande Loja Branca” ou a “Fraternidade
Branca”. Os Irmãos constituíram sua sede principal em torno de um templo na
região de El-Amarna (ou Alchetaton, no Alto Egito).
Do Egito espalharam-se
para o Oriente e o Ocidente. Sólon de Atenas (618-550 a.C.), dizem, foi um
verdadeiro Messias (um iluminado) pertencente à Ordem. Pitágoras entrou na
Fraternidade em Tebas (na extremidade do Egito meridional) no ano de 531 a.C.; havendo passado
por todas as iniciações e exames, foi agregado ao Conselho Supremo dos Iluminados
e partiu para fundar a Fraternidade na Magna Grécia ou Itália Meridional
(Cortona).
O próprio rei Salomão
(970-931 a.C.), de Israel, haveria pertencido à Ordem; a sua sabedoria, ele a
teria adquirido numa viagem a Tebas. Na Palestina, dizem que estabeleceu um
núcleo da Fraternidade : a Fraternidade dos Construtores do Templo de
Jerusalém, precursores dos maçons atuais.
Os Essênios, facção
judaica de índole misteriosa, contemporânea a Cristo, eram também
rosacrucianos...
Referem outrossim que
Jesus foi essênio. Os seus apóstolos (essênios também eles), difundindo os
ensinamentos do Mestre, deram origem à Igreja Cristã, que se foi desenvolvendo
como corporação mais ou menos independente da Grande Fraternidade Branca. Esta,
embora se interesse por qualquer movimento religioso do mundo, não se
identifica com nenhum, mas paira acima de todos, como detentora do patrimônio
de sabedoria de todas as religiões.
Para explicar a sua
projeção relativamente exígua na história da civilização, os rosacrucianos
professam uma lei que, segundo eles, rege as instituições humanas: todas estas
se desenvolvem através de ciclos de atividade e inatividade, cada um dos quais
compreende 108 anos; na verdade, os períodos de inatividade não são senão fases
de oculta e silenciosa operosidade. Acontece, em consequência que, ao renascer
de 216 em 216 anos, a instituição é como que nova e destituída de relação
aparente com os ciclos anteriores!...
Entre 1610 e 1616 tomou
surto em Cassel (Alemanha) uma onda de Rosacrucianismo que, segundo os
historiadores, teve por chefe Christian Rosenkreuz; a este personagem é que,
fora dos círculos rosacrucianos, se atribui a fundação da Ordem. Os rosacrucianos,
porém, afirmam que “Christian Rosenkreuz” não é senão o pseudônimo de um varão
ignorado que lançou o brado de renascimento da Ordem naquela época.
O fato é que do séc.
XVII em diante a Rosa-Cruz
aparece na Alemanha, na Inglaterra, na Áustria, na Prússia, na Hungria, na
Polônia, na Rússia, com o caráter bem marcado de escola ocultista, em que tem
sido (ou foram) cultivadas a cabala, a alquimia, a medicina, as ciências
naturais... Atualmente a Rosa-Cruz
apresenta afinidade com a Maçonaria, se não por sua origem, ao menos por suas
formas (ritual, graus de iniciação, organização administrativa..,); do seu
lado, a Maçonaria de rito escocês intitula um dos seus graus de iniciação Grau Rosa-Cruz.
Depois de ter tido
grande voga na Alemanha e na Áustria, a Ordem possui atualmente um de seus
maiores centros nos EE.UU. da América do Norte, sendo abreviadamente designada
pelas iniciais AMORC (Antiga Mística Ordem de Rosa-Cruz).
Que dizer de tal
descrição do histórico da Rosa-Cruz?
Mostra-se inconsistente.
A sua pretensa origem antiquíssima e sua tradição contínua são apenas
afirmadas, não, porém, comprovadas (aliás, todo o esboço histórico se apoia em
noticias de um apregoado arquivo secreto da Rosa-Cruz,
conservado no Tibé, e inacessível aos não iniciados). Principalmente a
dependência de Jesus e do Cristianismo em relação aos Essênios e ao
Rosacrucianismo carece de todo fundamento.
Nos tempos atuais, mais
do que .nunca, se
manifesta radical a diferença de mentalidades que separa Jesus Cristo e o
Cristianismo de um lado, o ocultismo e o essenismo, de outro lado: com efeito,
os famosos manuscritos descobertos sucessivamente a partir de 1947 junto ao Mar
Morto dão claramente a ver que a mentalidade essênia ainda era mais estreita ou
fechada do que a dos fariseus. Ora toda a vida pública de Jesus foi
intersemeada de conflitos com estes ardorosos guardas do judaísmo, pois o
Senhor comia com os publicados e os pecadores e ultrapassava a letra da Lei,
escandalizando o espírito de facção dos fariseus. Por conseguinte, muito menos
ainda poderia Cristo ser tido como discípulo e continuador da tradição essênia.
Foi talvez este um
dos resultados mais sensacionais de Qumran (grutas do deserto de Judá, junto ao
Mar Morto): o de pôr em realce a originalidade de Cristo, fornecendo-nos um termo
de comparação proveniente do mesmo ambiente (palestinense, em que viveu Jesus).
(J. Daniélou, L’Express, ler. février 1957, pág. 19).
Na verdade, o
Rosacrucianismo não é senão uma das expressões da tendência ao ocultismo e à
constituição de sociedades secretas, tendência que aparece no gênero humano
desde remotas épocas. As primeiras manifestações de tal tendência se verificam
no período do matriarcado social (dezenas de milênios antes de Cristo): quando
a mulher, em virtude de um regime agrícola vigente, possuía a hegemonia na
família, os varões, visando defender seus interesses próprios, se agremiavam em
grupos fechados, secretos, que tutelavam decididamente os direitos de seus
membros. Ainda hoje, entre os povos primitivos da África (aliás, também nas
grandes nações ocidentais), se encontram tais sociedades, que constituem
verdadeira rede invisível de auxilio mútuo : a cabala medieval, a
franco-maçonaria posterior ao séc. XVI, a gnose antiga e moderna — e também a
Ordem de Rosa-Cruz — não são
senão cristalizações mais ou menos densas de tal tendência. Essas escolas
dependem cada uma de um chefe principal, que viveu em determinada época (a Rosa-Cruz como tal parece oriunda, sim, no
séc. XVII, embora seus primórdios sejam controvertidos). Contudo, já que o
respectivo fundador se valia de ideias antigas, refundidas segundo modalidades
próprias, as sociedades secretas costumam dizer que têm origem remotíssima e
atravessaram ininterruptamente os séculos (para isto, porém, é-lhes necessário
recorrer a artifícios semelhantes à lei dos ciclos de 108 anos, explorada pela Rosa-Cruz). Note-se ainda que o ocultismo,
por muito inveterado que seja na história, não é a forma originária de
filosofia ou de religião, mas é uma aberração do genuíno senso religioso ou do
senso místico espontâneo a todo homem; o ocultismo, com suas doutrinas e suas
práticas, deriva-se da ambição de alguns homens que quiseram fascinar e dominar
os seus semelhantes, abusando da filosofia e da religião, ou seja, dizendo
possuir um tesouro de pretensos conhecimentos divinos velados ao vulgo.
2. A ideologia rosacruciana
O Rosacrucianismo
declara não ser religião; diz que fala, sim, de Deus e da felicidade do homem,
mas de maneira compatível com os credos religiosos, de sorte que o adepto de
qualquer religião pode estudar as ideias da Rosa-Cruz
sem ofender a sua fé, como estuda química, música, jurisprudência... A vantagem
singular do Rosacrucianismo seria a seguinte : a Bíblia Sagrada e os credos
religiosos apenas exortam de modo geral a servir a Deus, viver honestamente e
ajudar o próximo. A Fraternidade Branca, porém, revelaria os métodos práticos
para se realizarem tais tarefas, dando conselhos minuciosos (formulados com
aparato matemático e científico) para que o homem utilize devidamente as suas
aptidões pessoais e as forças da natureza que o cerca (daí o título de escritos
capitais do Rosacrucianismo: “O domínio do destino com os ciclos da vida”, “Princípios
rosacrucianos para o lar e para os negócios”, o que quer dizer: normas para
atrair clientela e aumentar as vendas no comércio, fomentar novos negócios;
normas para o empregado de uma empresa, etc.). A Ordem de Rosa-Cruz instituiu
um “Consultório de Negócios” nos EE.UU. da América do Norte. O Imperador da
Ordem, Sr. Spencer Lewis, foi escolhido por negociantes eminentes de Nova
Iorque e outras cidades para ser seu conselheiro: tornou-se sócio comendatário
de várias firmas comerciais e industriais, recebendo, em troca de seus
oráculos, donativos para a sua Ordem! — Os princípios rosacrucianos não são
ensinados a qualquer homem, porque, dizem os Irmãos, a massa não quer melhorar,
saindo da rotina da vida cotidiana. É também isto o que explica a escolha
rigorosa dos futuros membros da Ordem; antes de ser admitida definitivamente
nesta, o candidato compromete-se por toda a vida a guardar o silêncio sobre os
seus Estatutos, mesmo que abandone a sociedade. Assim a Rosa-Cruz toma o aspecto de entidade
leiga, religiosamente neutra, de moralização e beneficência.
Todavia, caso se leiam
os livros doutrinários da Ordem, verifica-se que esta professa uma filosofia
que é uma visão integral do mundo; ultrapassa o plano dos métodos práticos de
obter sucesso na vida, para dar resposta às questões que qualquer credo
religioso considera. Com efeito, a ideologia rosacruciana está estritamente
baseada nas teses fundamentais do ocultismo: admite o monismo (uma só
substância que se manifesta tanto no homem como na natureza) e a reencarnação
(o indivíduo humano estaria sujeito a ciclos semelhantes aos da história
universal; reencarnar-se-ia de acordo com as “vibrações cósmicas” !). É sobre
estas duas teses que se baseiam os cálculos rosacrucianos para se alcançar
sucesso na vida: quem conheça a solidariedade que une o homem, os elementos do
mundo e a Divindade (ou a Mente Cósmica, substância neutra) entre si, realiza
seus estudos, seus negócios, suas viagens, seus namoros e casamentos, etc., na
época oportuna do ano. Este, segundo os rosacrucianos, está dividido em sete
períodos de 52 dias; no quarto período, por exemplo, a Mente Cósmica
comunica-se mais vivamente à mente do indivíduo, tornando-o então especialmente
apto a obras de inteligência e de senso artístico...
Como apreciar tais concepções?
Já dissemos quão vã é a
interpretação que a dá de Cristo e do Cristianismo. Sobre as teses do monismo
ou panteísmo e da reencarnação, vejam-se respectivamente os fascículos de “Pergunte
e Responderemos” 1957 no 7 qu. 1 e no 3 qu. 8. No tocante
à exploração das disposições psicológicas e fisiológicas do homem, assim como
no desfruta mento das forças da natureza, os princípios rosacrucianos se
baseiam não raro em observações válidas (o que lhes dá a aparência de sistema
científico); o indivíduo é, sim, influenciado pelo ambiente e, por sua vez,
pode influenciar a este. Daí, porém, não se segue que uma única substância
universal, à semelhança de uma rede, passe pelo homem e pelos elementos da
natureza. Além disto, poder-se-ia perguntar sobre que cálculos se funda a
tabela rosacruciana dos ciclos da vida e dos meses faustosos e infaustos do
ano; donde se deduzem os seus oráculos, as suas previsões e normas? A Rosa-Cruz responde que, em última análise,
se apoia em um depósito de sabedoria arcana e incomunicável, guardado no
Tibé... Donde o estudioso conclui que difícil ou impossível é, no caso, pesquisar
e raciocinar; faz-se mister ter fé e crer...
Crer em Deus ou crer em
uma mística meramente humana? Será que o Pai do Céu quis assim velar aos homens
as verdades capitais, o caminho para a suprema felicidade? Parece que não: “Falei abertamente ao mundo; sempre ensinei na
sinagoga e no templo, onde todos os judeus se reúnem, e nada disse às ocultas”»
(Jo 18,20), afirmou Jesus, e acrescentou : “Nada
há de oculto que não deva ser revelado, nada de secreto que não se deva tornar
público” (Lc 12,2).
Esta mensagem cristã,
sim, é digna de Deus, que quer sejam salvos todos os homens (cf. 1 Tim 2,4)!
Dom
Estêvão Bettencourt (OSB)
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